Fim de jogo em Florianópolis. O campeão carioca empata com o Figueirense na segunda rodada do Brasileiro por 0 a 0. Naquela partida, o Vasco perde no primeiro tempo série de chances na frente do gol de Alex Muralha e escapa da derrota na segunda etapa. A entrevista de Dagoberto no final do empate por 0 a 0 teria um quê de premonição para lá de otimista.
- Vou ser bem sincero: a nossa realidade não é de título, então (o empate) está bom demais - foram as palavras do atacante, que depois, desautorizado pelo presidente Eurico Miranda, reformulou a mensagem e disse ter sido mal interpretado.
Aquele ponto, até esta quarta-feira, quando o Vasco enfrenta o Internacional em Porto Alegre, foi o único conquistado pelo time em 21 rodadas no Brasileiro. Nas outros oito partidas como visitante fora do Rio, o Vasco marcou apenas um gol - na derrota por 2 a 1 para o Sport - e sofreu 17, perdendo todos jogos numa das piores campanhas da história dos Brasileiros.
Com elenco grande, cheio de jogadores conhecidos, mas com idade avançada - são 15 com trinta anos ou mais -, como explicar, porém, que um time com três zagueiros de bom nível - o experiente Rodrigo e Luan e Anderson Salles -, e um goleiro de seleção protagonize trajetória tão ruim no Brasileiro? Como a maioria desse mesmo grupo tem retrospecto favorável nos clássicos na temporada que o Vasco voltou a vencer um título estadual - que não vinha desde 2003?
Não é simples. O time de Doriva, desde o início do ano, mostrava dificuldades no ataque. De temperamento tranquilo, o atual treinador da Ponte perdia um pouco a paciência quando era questionado sobre o assunto e chegou a dizer que "preferia jogar mal e vencer". Mas a análise mais apurada das partidas mostrava equipe deficiente, que quando criava boas jogadas perdia muitos gols. Na maior parte das vezes, a bola parada - e os pênaltis - deram resultados ao Vasco - no Carioca, este índice chegou a ser responsável por mais de 70% dos gols. Na boa partida contra o Fluminense, o gol saiu de pênalti. Da mesma forma, o domínio sobre o Flamengo na semifinal do Carioca não foi suficiente para o gol sair de bola rolando. Foi também em jogada de cobrança de falta que Rafael Silva abriu vantagem para o Vasco na final do Carioca.
Após a competição, alguns jogadores sentiram o esforço do Carioca. Houve discussão no departamento de futebol. Valia a pena poupar atletas e voltar com cinco, seis jogadores na terceira rodada do Brasileiro? A decisão da maioria - e da comissão técnica - foi pelo não. Gilberto apresentava sinais de desgaste físico e admitiu o problema em entrevista ao GloboEsporte.com. Antes de voltar para o futebol dos EUA, nem de pênalti conseguiu marcar. Serginho era outro que parecia sentir a sobrecarga. Carregador de piano que saía em altíssima velocidade com a bola conduzida para o ataque, ele desfalcou o time no início da competição e ficou clara a importância que a torcida nunca desconfiou que ele tinha.
E os gols perdidos, seja com Gilberto, com os recém-chegados Riascos e Herrera, seguiram como marca do time vascaíno - veja acima vídeos de lances perdidos pelo Vasco no Brasileiro. A eficiência na bola parada já não existia mais - a arma voltou a aparecer contra o Flamengo, no jogo da volta nas oitavas de Copa do Brasil. Quando os treinos eram abertos, todo dia as atividades acabavam com Doriva treinando faltas e escanteios - ofensivos e defensivos. Com Roth, a prática diminuiu. Na véspera do jogo do Dia dos Pais contra o Joinville, quem esteve no clube viu um rachão no campo - o que não aconteceu em cinco meses de Doriva no Vasco.
Falhas individuais e expulsões
O desequilíbrio do elenco vascaíno também apareceu mais nitidamente no Brasileiro. As contratações chegavam aos montes, mas com critério discutível e com número de veteranos que não resolvia o problema, pelo contrário - caso de Diguinho, que era o reserva com potencial de titular para a vaga de Guiñazu, mas que logo se machucou e fez apenas três partidas meses depois de contratado. Somente agora, mais de dois meses depois da saída de Gilberto, um centroavante de área será contratado - Leandrão, do Brasil (RS), da Série C. Um concorrente do Vasco, o Avaí, trouxe da B Léo Gamalho, ex-Bahia, que já marcou quatro gols em dois jogos.
Os erros individuais, os desfalques e o emocional minavam o equilíbrio do Vasco nos jogos. Contra o Cruzeiro, Jackson Caucaia perde bola no meio de campo e no contra-ataque os mineiros abrem o placar. O segundo gol sai em falha de Charles - que substituíra Jordi, expulso no jogo contra a Ponte Preta quando a partida estava 1 a 0 para os paulistas, após Gilberto perder pênalti que empataria o jogo. Contra o Grêmio, Charles espalma a bola em Anderson Salles, no primeiro gol dos gaúchos. No segundo, Guiñazu erra passe no meio de campo. Contra o Palmeiras, até Martín Silva erraria feio - nos 3 a 0 até o intervalo, quando Roth o retirou de campo. O psicológico e a pressão em cima do Vasco já atrapalhavam o time que mais teve expulsões (oito) na competição.
Nos clássicos, em jogos naturalmente mais equilibrados - com a pitada de rivalidade a mais trazida por Eurico, contra o novo Flu de Ronaldinho, e na eterna disputa do "campeonato à parte" contra o Flamengo -, um chutaço de Jhon Cley contra o tricolor e a jogada perfeita entre Madson e Riascos, na vitória em Cuiabá contra o rubro-negro, deram duas das três vitórias do Vasco no Brasileiro. Na frieza dos números, não há grande diferença nos desarmes - que apareceram mais nas últimas três partidas contra Coritiba, Goiás e Figueirense - contra rivais do Rio. O Vasco finalizou bem menos nos clássicos, mas acertou o alvo. E também deu sorte. Na Copa do Brasil, Guerrero perdeu gol incrível na cara de Martín Silva, que fez grande defesa. Depois Nenê também errou frente ao goleiro rival, mas um Vasco melhor fisicamente venceu em contra-ataque de lançamento de Julio dos Santos, passe de Riascos e finalização de Jorge Henrique.
A bola longa, aliás, é insistentemente usada pelo Vasco. Jorginho, quando chegou, disse que iria pedir mais toque de bola e menos lançamentos - as tais "ligações diretas". No primeiro jogo, chamou a atenção de Rodrigo, mas pouco mudou. Os laterais ficam espetados na frente, perto de Riascos, Nenê e Jorge Henrique, e os zagueiros e Julio dos Santos recuam para tentar achar espaço para o lançamento. Apesar do pouco espaço, a jogada funcionou nas chances perdidas - a mais clara delas em passe do paraguaio para Thalles, que demorou, demorou e perdeu. Mas também deixa espaços quando a equipe adversária retoma a bola nos erros vascaínos.
Ainda há 17 rodadas para reverter o quadro. Sem dúvida mais forte com Nenê, principalmente, nas jogadas de lado de campo com Christiano - com chances de repetir a boa dobradinha entre Julio e Madson -, o time ganha algumas jogadas novas. Nos clássicos, com o jogo mais aberto e disputas de bola intensas, o Vasco se sobressai. Quem se arriscou a explicar foi o lateral Madson, que falou em time mais concentrado contra os rivais cariocas. Martín Silva discordou e lembrou que a equipe tem de sobra motivos para ter concentração ainda maior no Brasileiro - afinal, corre grave risco de rebaixamento.
Contra o Inter, nesta noite, o Vasco, agora de Jorginho, busca fôlego e até motivação - com o coach Lulinha Tavares - para não entrar em depressão ainda maior no Brasileiro. No início da competição, Eurico desdenhava da chance de queda e usava metáfora religiosa para dizer que o Vasco não ficaria na zona da salsicha - um lugar intermediário da tabela.
- Este Brasileiro é uma longa procissão. O cara que achar que pode chegar na procissão e sair correndo na frente da cruz, não adianta - dizia Eurico.
Meses depois da palavra do presidente - e de inúmeras contratações na temporada (32 até agora), a caravela vascaína ainda passa longe de encontrar uma luz no fim do túnel para evitar o terceiro rebaixamento em oito anos do Vasco.
O Vasco em clássicos
11 jogos
7 vitórias
3 empates
1 derrota
12 gols pró
6 gols contra
72% de aproveitamento
Vasco contra não cariocas
24 jogos
5 vitórias (quatro pela Copa do Brasil - Rio Branco e América-RN, nas duas partidas)
6 empates
13 derrotas
17 gols pró
37 gols contra
29% de aproveitamento
Fonte: GloboEsporte.com