Foram cinco meses intensos em São Januário. Contratado como solução para o ataque em fevereiro, Gilberto correspondeu no Campeonato Carioca e ajudou o Vasco a acabar com um incômodo jejum de 12 anos sem títulos estaduais. Mas tudo mudou em pouco tempo. A boa fase virou irregularidade junto com o time no Campeonato Brasileiro, as bolas na rede sumiram, a vaga de titular também. Sem espaço sob o comando do técnico Celso Roth, o jogador rescindiu seu contrato na última segunda-feira. Tomou a decisão que não gostaria de tomar.
É o que o próprio Gilberto garante. Perto de voltar à Major League Soccer (MLS) para defender o Chicago Fire, o atacante disse que preferia ficar em São Januário por mais tempo. Autor de nove gols em 26 partidas, torcia para que o clube pagasse a quantia de 500 mil dólares, estipulada em contrato segundo ele, para que a permanência após setembro fosse possível. Sem receber sinal algum de que isso seria feito e se sentindo desvalorizado na reserva, decidiu sair. Garante que nunca se desentendeu com Roth. Mas não esconde que as opções do treinador foram determinantes para o seu adeus.
- A cabeça dele é uma, a minha é outra. O que eu sei é que ele me tirou do time. Não gostei de ficar no banco. Quem gosta? Todos querem jogar. Mas a decisão que tomei foi a melhor para as duas partes. (...) Na verdade eu nem queria ter saído, queria ter continuado, queria que o Vasco pagasse a multa em setembro. Mas cada um faz suas escolhas na vida. O Vasco tomou a decisão dele, eu tomei a minha - disse em entrevista ao GloboEsporte.com.
Gilberto deixa o Vasco como artilheiro do time na temporada 2015. Nesta entrevista de 20 minutos por telefone, o atacante fez um resumo de sua passagem, falou de sua relação com Roth, disse que sai triste, analisou sua queda de rendimento após o Carioca, deixou claro que não acredita em risco de rebaixamento e não perdeu o bom humor ao comentar sua ida para o Chicago Fire. Na negociação, o clube americano abriu mão do astro marfinense Didier Drogba para contar com o brasileiro em seu elenco.
- Me deram valor (risos).
Confira a entrevista abaixo:
Que resumo você faz dessa passagem de cinco meses pelo Vasco?
Quando saí do Toronto, disse que estava voltando ao Brasil para ser feliz. Pode ter sido um período curto, mas fui muito feliz aqui. Abdiquei de algumas coisas para jogar no Vasco, diminui meu salário, essas coisas. Estava em busca da felicidade, queria jogar de verdade em uma equipe grande do meu país. No Inter eu quase não joguei. Queria mostrar meu potencial e consegui. Ganhamos o estadual lutando muito. Sabíamos que nossa equipe estava um pouco abaixo tecnicamente dos rivais. Todos sabiam disso, tínhamos essa consciência. Por isso sempre marcamos muito forte. Precisávamos de apenas um gol para ganhar. Botamos isso na cabeça: ''vamos ganhar de 1 a 0, mas vamos ganhar''. Aquele time do Vasco era muito unido, muito bom, todos estavam felizes com o ambiente. O Doriva é um cara excelente, sempre tratou todos do mesmo jeito. Acho que no Campeonato Brasileiro as coisa começaram a não dar certo e cada um queria aparecer mais do que o outro. Aconteceu isso no Vasco. Nosso time não conseguia jogar, o companheirismo não foi o mesmo. No fundo acho que tive uma passagem excelente no primeiro semestre. Fui o artilheiro do clube no Carioca e a torcida gostava muito de mim. Assim como meus ex-companheiros, de quem também eu gosto muito. Tenho que agradecer ao Paulo Angioni e ao presidente Eurico Miranda. Os dois sempre me apoiaram. Ao Doriva por ter me dado essa oportunidade e por ter confiado. Eles me deram força e eu pude mostrar o que podia fazer pelo Vasco.
Você disse que o ambiente no Carioca era diferente. O que mudou?
Ninguém gosta de perder. O grupo segue unido, mas ninguém gosta. Eu odeio, todos no grupo também. Sofremos com as derrotas, ficamos abalados.
Qual o motivo de sair do Vasco antes do fim do contrato? Houve algum desentendimento com o Celso Roth?
Eu não estou saindo porque briguei ou discuti com alguém. Todo jogador e todo clube pode fazer suas escolhas. Saio mais por não estar em um bom momento e por estar procurando a minha felicidade. E minha felicidade é jogar. Já conheço o clube que vou defender, a Liga, a estrutura de tudo por lá. Vai ser muito tranquilo para mim. Gostaria de ter ficado pela torcida, até acompanhei alguns se mobilizando e pedindo para eu ficar. Mas chegou o momento de tomar uma decisão. Tentei ver o meu lado como jogador, tentar ser feliz em outro lugar. Essa foi a minha decisão. Peço desculpa aos torcedores que acham que estou saindo por outro motivo, mas a verdade é essa. Quero buscar a felicidade e tentar jogar.
Como era a sua relação com o treinador vascaíno?
É um excelente profissional, cara bom, sério. No pouco tempo de trabalho, buscou algumas alternativas e infelizmente fiquei de lado. Também pedi para ficar fora de uma viagem e isso meio que foi me deixando para trás. Ele foi confiando mais nos outros atacantes e tal. Mas é um cara bom, vai fazer um excelente trabalho e, se Deus quiser, vai tirar o Vasco dessa situação. Não houve discussão com ele. Respeito e sei que ele me respeita. O importante é que hoje cada um segue a sua vida e vai tentar ser feliz fazendo o melhor trabalho possível.
Se sentia parte dos planos dele para o Vasco?
Posso dizer que sim, posso dizer que não. A cabeça dele é uma, a minha é outra. O que eu sei é que ele me tirou do time. Não gostei de ficar no banco. Quem gosta? Todos querem jogar. Mas a decisão que tomei foi a melhor para as duas partes. Decidi sair e saí. Infelizmente deixei o time em uma situação que eu não queria. Preferia sair com o Vasco lá em cima. Na verdade, eu nem queria ter saído, queria ter continuado, queria que o Vasco pagasse a multa em setembro. Mas cada um faz suas escolhas na vida. O Vasco tomou a decisão dele, eu tomei a minha.
Sai frustrado por ter sido dessa maneira, pouco depois do título?
Saio triste porque queria continuar. Mas meu contrato tinha um problema também: o Vasco teria de pagar uma multa, acho que de 500 mil dólares, para eu continuar em setembro. Caso contrário, teria de voltar. E nunca ninguém chegou até mim para falar sobre o que seria feito. Seria ruim para mim voltar à MLS em setembro, perto do fim da fase de classificação para os playoffs. Melhor ir agora, brigar para se classificar e tentar ser campeão lá.
O que explica a sua queda de rendimento? De peça importante no título estadual a reserva no Brasileiro em menos de três meses...
Acho que foi a irregularidade do grupo em si. Acho que não conseguimos começar bem o Brasileiro por uma causa clara: nosso time fez muita força para ganhar o Carioca e precisava de um descanso. Uma semana, talvez. Não dava para emendar direto no Brasileiro. Era preciso descansar um pouco para retomar o mesmo nível. Isso que eu penso. Até cheguei a pedir para ficar fora de alguns jogos, mas desisti por necessidade. Sempre quis ajudar. Quando vinham conversar comigo, eu não queria sair. Queria jogar e fazer gol. Ainda tenho o sonho de chegar na Seleção. Indo para a MLS fica mais difícil? Fica. Mas tudo na vida depende de Deus. Se for da vontade dele, vou chegar mesmo na MLS. Vou procurar fazer meu trabalho, concentrar na minha vida, na minha família. Desligar um pouco de tanta loucura que existe no futebol brasileiro.
A pressão no início, com o presidente Eurico Miranda dizendo que o time brigaria pelo título brasileiro, atrapalhou?
Não. Qual time que joga para não ser campeão? Todos tentam, apenas um consegue. Alguns podem ter interpretado de forma diferente, mas eu vi de forma boa. Eurico sempre quis incentivar o grupo, sempre fez isso. Chega para orientar e incentivar. Nunca foi lá para gritar, falar besteira. Sempre conversou numa boa. Agora não estavam satisfeitos, normal, porque o resultado não está sendo bom. Sempre buscamos a vitória em campo, infelizmente ela não esta vindo. Mas esse momento vai passar.
Tem medo de o Vasco ser rebaixado?
Não. O Vasco tem totais condições de reverter essa situação, conta com ótimos jogadores. O campeonato é difícil, mas não impossível. A questão é ter organização. Sabendo o que você quer, você consegue chegar. Claro que agora o time terá que fazer muito mais força do que no início. Mas eu acho que o Vasco não cai.
Mande um recado para a torcida. Pode ter sido pouco tempo, mas você marcou seu nome na história com o gol do título (reveja abaixo) que acabou com um jejum de 12 anos.
Só tenho a dizer muito obrigado por tudo o que eles fizeram por mim. Tenho um carinho enorme pelo Vasco e sempre demonstrei em campo muita disposição. Quem sabe um dia eu não volto para continuar essa história? Torço por isso para dar alegria novamente a esses torcedores. O Vasco é muito grande e só depende da força de seus torcedores, algo que vem de fora para dentro. Isso motiva muito os jogadores. Sei porque o Maracanã estava lotado e sentimos uma coisa a mais que nos motivou na conquista do Carioca.
Fonte: GloboEsporte.com