Assim como fazia Angus MacGyver, o famoso agente secreto do seriado dos anos 80, ele ocupa aquela que é conhecida como a "profissão perigo" do futebol: a de técnico.
É assim que Milton Mendes, técnico sensação do Campeonato Brasileiro no comando do Atlético-PR, era conhecido nos tempos de jogador, devido à semelhança física, principalmente pelos mullets, com o ator Richard Dean Anderson.
O catarinense de Içara fez sua carreira de lateral direito principalmente no futebol de Portugal, onde jogou entre 1987 e 2000, atuando em times como Belenenses e União da Madeira. Não era dos melhores, como ele mesmo admite, mas compensava com suor.
"Eu nunca fui bom de bola, era somente esforçado e muito determinado. Por isso, sempre me impunha nos times. Eu não tinha qualidade, mas compensava com muita vontade. E olha que atuei até os 35, pra você ver como era difícil arruma caras que corriam muito (risos)", conta, em entrevista ao ESPN.com.br.
Pelo cabelo comprido e pelo sorriso fácil, Milton ganhou o apelido de Macgyver de Manoel Sérgio, historiador do futebol português, e gostou.
"Ele sempre falava que eu jogava sorrindo e alegre, de bem com a vida, e me chamava de ‘homem sorriso' (risos). Eu adorava o apelido, gosto de brincar, dou apelido para todo mundo aqui no Atlético-PR", revela o treinador, que dividiu os gramados com vários famosos na Europa.
"Cheguei a jogar com atletas como Rui Costa e o Luis Figo alguumas vezes, quando ele estava no Sporting. Ele ainda não era conhecido, era um garoto, mas que já mostrava muita qualidade", recorda.
Antes do sucesso em Portugal, porém, Mendes atuou três anos pelo Vasco, clube no qual fez um amigo especial: Romário, com quem jogou desde os juniores, depois de deixar a base do Internacional e ir para o Rio de Janeiro tentar a sorte na lateral direita.
Era com o eterno camisa 11, aliás, que o atual treinador atleticano pegava carona para rodar pelo Rio de Janeiro.
"O Romário é um cara extraordinário, um baita profissional. A gente era amigo, e ele tinha um Chevette Hatch, o primeiro carro dele. O 'Baixinho' me buscava sempre na concentração para darmos umas voltas. Ele é um cara irreverente e de personalidade muito forte, fala o que pensa. Sou muito fã dele", relata.
Como tinha que disputar posição com Edvaldo e Paulo Roberto em São Januário, Milton nunca se firmou no clube cruz-maltino. Com vontade de jogar, se mandou para Portugal, após receber proposta do pequeno Louletano, e foi fazer a vida em terras lusitanas.
"Fiquei mais de 20 anos em Portugal, e minha minha esposa e meu filho ainda moram lá, na Ilha da Madeira, que é um lugar lindo", diz o treinador, que está com o Atlético-PR na 8ª posição do Campeonato Brasileiro, a cinco pontos do G-4.
O técnico mais graduado do Brasil
Quando estava na reta final da carreira, atuando pelo Machico, da segunda divisão portuguesa, entre 1999 e 2000, Milton Mendes resolveu que queria ser treinador quando pendurasse as chuteiras. Passou a trabalhar, então, como jogador e auxiliar simultaneamente no clube, e também se se matriculou no concorrido curso de técnicos da União das Federações Europeias de Futebol, o Uefa Pro.
"Fiz o curso completo, foram mais de quatro anos de graduação, como se fosse uma faculdade. Sou o único brasileiro a ter a maior graduação para ser técnico, e tenho a licença para trabalhar em qualquer time ou seleção do mundo", afirma.
Um de seus melhores professores no curso foi o português Carlos Queiroz, ex-técnico da seleção de Portugal e do Real Madrid, além de um dos auxiliares de confiança do lendário Sir Alex Ferguson no Manchester United. Durante a graduação, também estagiou no Benfica, no tempo em que José Mourinho era treinador dos "Encarnados".
"Não tive relação direta com ele, apenas com amigos em comum. Nesse tempo, porém, eu vi a forma como o Mourinho já trabalhava com os jogadores, e gostei muito", lembra.
Além do Special One, Mendes diz se inspirar em duas escolas bem diferentes do futebol europeu: a holandesa clássica, dos tempos da posse de bola e da "Laranja Mecânica", e, surpreendentemente, o futebol escocês, pela rapidez na transição defesa-ataque.
Da segundona portuguesa a sensação do Brasileiro
A carreira de treinador foi iniciada no próprio Machico, assim que o catarinense se aposentou, passando depois pelo Bom Sucesso, também de Portugal. Entre 2007 e 2008, Milton foi auxiliar de Sebastião Lazaroni, treinador do Brasil na Copa do Mundo de 1990, com sucesso. Após isso, foi se aventurar, novamente ao lado de Lazaroni, no futebol do Oriente Médio, passando por Qatar SC e Al-Shahaniya, ambos do Catar.
O primeiro time que lhe deu chance no Brasil foi o Paraná Clube, em 2014.
"O Roque Junior, que estava gerenciando o futebol, ficou sabendo do meu trabalho através de algum brasileiro que trabalhou comigo e me chamou para vir ao Brasil. Ele foi pesquisar a meu respeito, e eu fiquei surpreso, porque é difícil apostar em um cara pouco conhecido no Brasil, porque o mercado de técnicos aqui é sempre aquela mesmice", lembra.
Mendes considera ter feito um bom trabalho na Vila Capanema, mas, devido aos problemas financeiros da equipe, acabou deixando o Paraná Clube ao final do ano. Mas não ficou muito tempo desempregado. Logo em seguida, foi convidado para trabalhar na Ferroviária de Araraquara, que lhe apresentou um projeto para retornar à elite do Paulistão, e aceitou na hora.
Na equipe grená, fez grande campanha, ganhando o torneio com sobras (foram 14 vitórias em 19 jogos) e garantindo o acesso à Série A no ano que vem. O trabalho de Mendes chamou a atenção do Atlético-PR, clube parceiro da Ferroviária, que o convidou para assumir o time rubro-negro após a saída de Enderson Moreira.
Logo que chegou, pegou o CAP no "torneio da morte" do Campeonato Paranaense, com possibilidade de rebaixamento, mas salvou o clube. Em seguida, teve um começo meteórico no Brasileirão, chegando a ocupar a liderança do torneio por três rodadas.
Desse período, guarda com carinho os elogios que ganhou de Tite, comandante do Corinthians, após a derrota por 2 a 0 para os alvinegros, na 12ª rodada.
"Um dos maiores orgulhos que tive esse ano foram os elogios que o time do Atlético recebeu do Tite, que é um dos melhores técnicos do Brasil e um cara que admiro muito. Mostra que estamos no caminho certo", decreta.
Curtindo a boa fase no Atlético-PR, Mendes deve em breve receber propostas sedutoras do Brasil e de fora, mas garante: não quer saber de dinheiro, e sim de seguir no comando do clube que lhe deu a maior chance na carreira.
"Não serei um treinador em busca de dinheiro, coloco os projetos à frente da grana. Gosto de contratos duradouros, e não sou aventureiro para ficar trocando toda hora de clube. O Atlético é uma das melhores estruturas do Brasil Nós temos objetivos neste campeonato, e queremos fazer a melhor campanha possível", finaliza.
Fonte: ESPN.com.br