Do silêncio ensurdecedor nasceu uma amizade. O fatídico gol da virada uruguaia em 1950 fez Barbosa conviver até a morte, em 2000, com a acusação de culpa pela tragédia brasileira, e Ghiggia levar consigo a responsabilidade de ser o algoz da derrota que mudaria profundamente o futebol brasileiro. Sentimentos que fizeram nascer uma improvável amizade entre algoz e vítima, como conta Tereza Borba, filha adotiva do goleiro brasileiro.
— Eles sempre foram amigos, Barbosa, Obdulio Varela e Ghiggia. Ele ia para Montevidéu visitá-lo, e o Ghiggia também veio muitas vezes (ao Rio). Ouvi coisas muito bonitas sobre ele. Quando finalmente se encontraram, ao vivo, depois de uns 20 anos, Ghiggia disse que por ele teria perdido aquele gol, não marcaria se soubesse que meu pai seria tão culpado — relembrou, ontem, a filha que cuidou de Barbosa até o fim da vida e atualmente se dedica à memoria do ex-goleiro.
Já sabendo da morte de Ghiggia, Tereza ainda não havia se dado conta da incrível coincidência de ele ter falecido no mesmo dia do Maracanazo. Ela planejava uma viagem ao Uruguai para, enfim, conhecer o ex-atacante.
— Comentei com um amigo que queria ir a Montevidéu este ano para finalmente conhecê-lo ao vivo. Fiquei muito triste com a notícia. Sei que ele também morreu pobre e sem luxos. Mas gostaria de ir me despedir dele. Tenho certeza que ele será muito bem recebido no céu por Barbosa, onde vão jogar pelada — disse Tereza ao GLOBO. — Meu pai sempre falava que eles não ficavam falando sempre do gol e deste assunto. Falavam do silêncio que tomou o Maracanã naquele momento, e Ghiggia se incomodava muito por Barbosa ter ficado com a culpa.
Luto nacional
A notícia provocou instantânea comoção pelo mundo do futebol na noite de ontem. A morte de Ghiggia fez o governo uruguaio decretar luto nacional. A partir de hoje, o corpo do ex-jogador será velado no Palácio Legislativo do Uruguai, em Montevidéu. A Associação Uruguaia de Futebol comunicou a suspensão de todas atividades esportivas de hoje a domingo.
Os feitos de Ghiggia foram exaltados por ídolos brasileiros e personalidades uruguaias. Maior artilheiro do Maracanã, Zico não chegou a ver o atacante uruguaio em ação. Mas seu pai, José Antunes, estava lá na final de 1950. O trauma foi tanto que ele nunca mais voltou ao Maracanã, nem mesmo para ver o filho.
— Só vi aquela imagem histórica, dele entrando pela direita e marcando o gol da vitória. Mas tive a oportunidade de conhecê-lo depois — disse o ídolo do Flamengo.
Os clubes que Ghiggia defendeu no Uruguai também reagiram com pesar a sua morte. O Danubio, onde o ponta-direita encerrou a carreira em 1967, lembrou Ghiggia como “autor do gol de todos os tempos”, em referência ao Maracanazo. Já o Peñarol, camisa que Ghiggia vestia à época da Copa de 1950, publicou que “o mundo chora” a perda do ídolo uruguaio.
A CBF também se manifestou por meio do site oficial da entidade:
“A CBF presta sua solidariedade aos irmãos uruguaios pela morte de Ghiggia. Autor do gol do título do Uruguai na Copa de 1950, Ghiggia se notabilizou pelo desempenho em campo e extremo respeito pela tristeza do povo brasileiro com a derrota em 50. Hoje, o futebol do mundo inteiro chora a sua partida. Descanse em paz.”
Fonte: O Globo Online