A rivalidade é antiga e ganhou diversos novos capítulos nos últimos meses. No domingo, Fluminense e Vasco se enfrentam pelo Campeonato Brasileiro no Maracanã. Mas é fora de campo que o clássico está pegando fogo. Em rota de colisão constante desde o retorno do presidente Eurico Miranda ao poder em São Januário, os dois clubes parecem sempre estar em lados opostos. Da disputa por Ronaldinho Gaúcho, passando pela discussão sobre o lado direito do Maracanã, o posicionamento diferente na Federação de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj) e até o recente caso Paulo Vitor nas categorias de base, não faltam polêmicas e provocações no clássico mais falado do Rio de Janeiro na atualidade.
RONALDINHO GAÚCHO
De 90% acertado com o Vasco, a 100% certo no Fluminense. A contratação de Ronaldinho Gaúcho é o episódio mais recente da rivalidade. A vitória tricolor na disputa é explicada por alguns fatores que passam longe da oferta salarial - ambas eram similares, podendo chegar na casa dos R$ 800 mil somando salário fixo mais variáveis.
Ronaldinho queria voltar ao Rio. O momento conturbado do Vasco, vice-lanterna do Campeonato Brasileiro e convivendo com a pressão de sua torcida em protestos, o afastou de São Januário. Nas Laranjeiras, o time do técnico Enderson Moreira está embalado e na disputa pelo título que o camisa 10 ainda não tem. A força do elenco, que tem jogadores conhecidos pelo craque, contou pontos para o Fluminense. O capitão Fred aprovou a contratação assim que foi informado da possibilidade. Pierre, companheiro nos tempos de Atlético-MG, ajudou com ligações. Sem falar em Deco, parceiro no Barcelona, que recomendou ao Gaúcho a escolha pelo Tricolor, seu ex-clube.
A condução do caso pelas duas diretorias também foi crucial. O Fluminense trabalhou em silêncio até a assinatura ser iminente. No lado vascaíno, as declarações do presidente Eurico Miranda não agradaram o staff do jogador. Ronaldinho nunca esteve perto de estar 90% fechado com o Vasco. Ou de no Brasil ter apenas o Cruz-Maltino como opção. As conversas e o chamado projeto ''Ronaldinho Gaúcho Vasco'', porém, existiram. Além do salário fixo, a proposta cruz-maltina incluía ganhos sobre o futuro programa de sócio torcedor, venda de camisas (oficial e exclusiva), receita de jogos comercializados para outras praças, licenciamento de produtos e percentual sobre novos patrocínios. Mas as frases de Eurico naquele momento deixaram a impressão de que o presidente estava usando o nome do jogador para desviar o foco do momento conturbado na semana do clássico contra o Flamengo.
- Não estou muito preocupado com isso (rivalidade). Nosso negócio é muito simples. O Ronaldo assinou com um clube, e estamos tranquilos quanto a isso. E não tenho que contestar o que o Vasco disse, não. Não cabe a mim fazer isso - limitou-se a dizer Assis, irmão e empresário de Ronaldinho, sobre a já famosa história dos 90%.
LADO DIREITO DO MARACANÃ
O Fluminense assinou em 2013 um contrato de 35 anos com o Consórcio Maracanã e alega que o documento lhe dá direito a um lado fixo para sua torcida no estádio: no caso o setor sul, localizado à direita das cabines de rádio. O problema é que este local sempre foi tradicionalmente da torcida do Vasco.Em 2013 e 2014, com Roberto Dinamite na presidência do Cruz-Maltino, a polêmica ficou de lado. Em quatro clássicos no Maracanã com a nova disposição, duas vitórias do Vasco e dois empates. O retorno do presidente Eurico Miranda, no entanto, reacendeu a chama da discussão.
Eurico não abre mão da tradição. No Campeonato Carioca, a Ferj alegou que o clássico não tinha mando de campo e a partida foi parar no Engenhão. No próximo domingo, com o mando do Flu, não vai ter jeito. A CBF chegou até a anunciar torcida única, mas logo voltou atrás por recomendação do Ministério Público. Na última terça, o Vasco entrou na Justiça com pedido de busca e apreensão do contrato entre o Fluminense e o Consórcio Maracanã. Os Cruz-Maltinos querem ver o documento. O pedido de liminar foi negada na última quarta.
Em meio a tudo isso, Eurico pediu para a torcida vascaína boicotar o clássico e abriu mão de tudo que o clube teria direito no jogo, como ingressos de cortesia, camarotes, estacionamento e até mesmo credenciamento para os funcionários do Vasco entrarem no Maracanã. Vetou até mesmo a venda de ingressos nas bilheterias de São Januário. A intenção é clara: lavar as mãos em caso de alguma confusão entre as torcidas e tentar levar o jogo de volta para São Janu com apenas 10% dos ingressos para a torcida do Fluminense.
- Entramos na Justiça. A intenção não é suspender o jogo deste domingo, pois isso seria um desrespeito aos torcedores. Coisa que o Fluminense e o Consórcio Maracanã estão fazendo com a instituição Vasco e seus torcedores. Queremos buscar um direito do Vasco. Não deve mais dar tempo para o jogo de domingo, mas estamos mirando os futuros clássicos - resumiu o vice-presidente jurídico Paulo Reis.
CASO PAULO VITOR
Destaque do time infantil do Fluminense campeão carioca em 2014, o meia Paulo Vitor trocou as Laranjeiras por São Januário em março. O Tricolor acusou o Vasco de aliciamento ao jogador de 15 anos e chegou a notificar a Ferj e a CBF pelo sumiço do atleta. A Lei Pelé prevê indenização em casos desse tipo - de troca de jogador antes dos 16 anos. Nesta idade, os jogadores e os clubes podem firmar o primeiro contrato profissional.
A Ferj chegou a inscrever o jogador no Vasco sem o consentimento do Fluminense. O caso chegou até o Movimento Futebol de Base, que em 2012 assinou um pacto para que não houvesse aliciamento de jogadores na base brasileira. No primeiro caso, o Atlético-PR registrou o atacante Mosquito, do Vasco, e foi excluído de uma competição em Novo Hamburgo.
O Vasco correu o risco de ser impedido de disputar a Taça BH Sub-17 por causa do imbróglio. Mas a CBF se meteu na disputa, indenizando o Tricolor em R$ 1,5 milhão pela saída de Paulo Vitor. A entidade também pediu para que a confusão acabasse, e foi atendida. O Vasco garantiu que o jogador é que procurou o clube.
- Paulo Vitor está há um ano e meio no Fluminense, mas ficou cinco anos aqui no Vasco. Quem tem direito de formador? Como o Fluminense vai pleitear isso? O menino me procurou e quer vir para o Vasco. Ele não quer ficar no Fluminense. O Vasco não dá dinheiro para o jogador. Ele já notificou o Fluminense e hoje não tem nenhum documento de vínculo com o clube. Ele tem um contrato de formação, mas esse contrato não é chancelado na federação. Ele está livre, quer vir, e o Vasco está aberto - resumiu Álvaro Miranda, filho do presidente Eurico Miranda e representante das categorias de base do clube, em abril.
FERJ
Flu de um lado, Vasco do outro. A máxima vale (e muito) para a relação dos clubes com a Federação de Futebol do Rio de Janeiro. Enquanto o Cruz-Maltino é aliado da Federação ao lado do Botafogo, o Tricolor é opositor junto com o Flamengo. E não faltaram discussões durante o Campeonato Carioca de 2015.
A principal delas foi em relação ao preço dos ingressos. No arbitral realizado em janeiro, Eurico, com apoio do presidente da Ferj, Rubens Lopes, do Botafogo e dos clubes pequenos, aprovou a ideia de que todas as partidas tivessem valores promocionais (apenas meia-entrada). Só Flu e Fla votaram contra por razões que envolvem os custos para jogar no Maracanã e os privilégios dados a seus sócios-torcedores. O problema no início da competição chegou a fazer com que a Ferj transferisse a estreia do Tricolor para Volta Redonda.
A Federação se meteu também na disputa pelo lado da arquibancada do Maracanã. Em dezembro de 2014, pouco depois de Eurico voltar ao poder, a Ferj se posicionou favorável à volta da torcida cruz-maltina ao lado que hoje os tricolores ocupam - à direita das tribunas - graças a um contrato firmado com o Consórcio Maracanã. A iniciativa era apoiada na afirmação de que os clássicos do estadual não têm mando de campo, logo são de responsabilidade da entidade. A diretoria do Fluminense não aceitou a mudança. Resultado: o único jogo entre os dois times no Carioca 2015 foi transferido para o Engenhão.
PROVOCAÇÕES
As recentes discussões desencadearam ainda uma série de provocações e respostas dos dois clubes. Quando Fred foi expulso no clássico contra o Flamengo, ainda na fase de grupos do estadual, as reclamações sobraram até para o Vasco, devido ao alto número de pênaltis marcados a favor do Cruz-Maltino. Na ocasião, início de abril, Fred disse que o Carioca tinha que acabar e ironizou as marcações das penalidades.
- Enquanto estou falando aqui, outro pênalti está sendo marcado. Estou sabendo que hoje foram três, dois duvidosos - disse o capitão tricolor, em referência à partida em que o Vasco foi derrotado pelo Friburguense por 5 a 4 e teve três pênaltis a favor.
Mário Bittencourt, vice-presidente de futebol do Flu, seguiu a linha do camisa 9. Disse que tinha time com ''pênalti todo jogo", criticando com veemência a Ferj. Logo depois, Eurico Miranda convocou uma entrevista para rebater as falas dos tricolores. O presidente cruz-maltino disse que processaria tanto Fred, quanto o mandatário Peter Siemsen e Mário Bittencourt.
- Pela proporção que tomou, tive que manifestar. Eu por acaso ouvi pela televisão as declarações do Fred. E vi por escrito aquilo que foi dito pelo Mário Bittencourt. O seu Fred, depois respaldado pelo vice-presidente, esse moço que ainda não saiu dos cueiros. Esse rapaz é um irresponsável - afirmou Eurico, em uma entrevista que durou mais de 40 minutos.
O clima de rivalidade só cresceu. Na decisão do Campeonato Carioca, contra o Botafogo, a torcida do Vasco fez um mosaico no lado direito das arquibancadas, que dizia: "O Maraca é nosso desde 50". Uma resposta à briga pelo espaço no estádio e ainda a resposta ao mosaico ''É o destino'', feito pelos tricolores em 2013, no primeiro clássico entre as equipes com a nova disposição de torcidas.
O episódio R10 também veio recheado de provocações. Assim que Ronaldinho Gaúcho assinou contrato com o Tricolor, o Flu divulgou nas redes sociais um vídeo com a frase ''90% + 10 = 100% tricolor'' em alusão à declaração de Eurico. Logo em seguida, Mário provocou ainda mais em entrevista ao site oficial do Tricolor. Apesar de tudo, o dirigente não vê um clima hostil no clássico. Para ele, os problemas foram causados por ''pessoas'', não pelo Vasco.
- De nossa parte, com todo respeito, em nenhum momento foi hostil. Em nenhum momento será hostil. O Vasco já enfrentou o Fluminense no novo Maracanã três ou quatro vezes, nos anos de 2013 e 2014. A torcida do Vasco ficou do lado esquerdo, e o Vasco teve bons resultados contra o Fluminense. Em nenhum momento houve qualquer tipo de animosidade, porque são dois clubes grandes, duas instituições que se respeitam e sempre se respeitaram. Gostaríamos muito que a torcida do Vasco fosse ao jogo. Todos os problemas que aconteceram no Campeonato Carioca desse ano, que estão acontecendo agora, entendemos que foram situações causadas por pessoas, e não pela instituição - explicou.
Mário garante que a apresentação de Ronaldinho Gaúcho no clássico não se trata de provocação, e sim normal por se tratar de um jogador do Fluminense em um jogo considerado relevante pela diretoria. Neste dia, para tentar estragar a festa dos tricolores, a torcida do Vasco levará uma faixa em que estará escrito: "100% Libertadores / Série C - 1998", lembrando do fato de o Flu não ter conquistado o título e da queda para a terceira divisão nacional.
Fonte: GloboEsporte.com