A contagem regressiva para o milésimo gol começava a incomodar Pelé. Muitos sonhavam (e torciam) para que ele fosse marcado no maior palco do futebol mundial, o Maracanã. Quem sabe de pênalti, para que todas as atenções estivessem voltadas para o lance. Mas o Rei tinha pressa. Sobrou para o Santa Cruz. Sorte dos pernambucanos, que puderam ver a história ser escrita diante dos seus olhos.
Noite de 12 de novembro de 1969. A Ilha do Retiro estava superlotada por 34.123 torcedores. Aos cinco minutos do segundo tempo, após lançamento de Edu, o maior camisa 10 de todos os tempos subia ainda mais alto no olimpo ao finalizar sem chances para o goleiro Aloísio Linhares. Era o gol 1.000. A fome era tamanha que antes do apagar das luzes sairia também o 1.001, fechando a goleada do Santos por 4 a 0, pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa. A capital pernambucana estaria para sempre ligada ao Rei. O primeiro jogador a chegar ao milésimo gol.
O fato narrado não é fruto de ficção ou delírio. Foi noticiado por um dos maiores jornais esportivos do país entre as décadas de 1920 e 1980. Uma versão que contraria a oficial, do milésimo gol marcado, de pênalti, contra o Vasco do goleiro Andrada, na noite de 19 de novembro, no Maracanã. Uma semana antes, em 13/11/1969, a Gazeta Esportiva já havia antecipado o feito com uma manchete que não deixava dúvidas: “Recife aplaude o 1.000 de Pelé”. Marcado contra o Santa Cruz, na Ilha do Retiro.
O responsável pela versão “pernambucana” do milésimo gol do Rei do Futebol foi o jornalista Thomaz Mazzoni, editor chefe da Gazeta e um dos mais conceituados profissionais de imprensa do país entre os anos 1920 e 1960 (faleceu em janeiro de 1970).
Conhecido como o pai do jornalismo esportivo de São Paulo, Mazzoni era também famoso por se dedicar à história e às estatísticas do esporte nacional, tendo acompanhado a carreira de Pelé desde os primeiros passos no Santos. Foi Mazzoni que, no início de 1969, chamou a atenção da imprensa nacional para a proximidade do gol mil.
A diferença
Entre as estatísticas de Mazzoni e a oficial adotada pelo ex-jogador (que tomou como base os dados do jornalista de Santos, Adriano Neiva da Motta e Silva, o De Vaney) uma diferença de três gols. Um deles é desconhecido. Os outros dois foram localizados pelo Superesportes. O primeiro foi anotado por Pelé em 10 de janeiro de 1966, durante uma excursão do Santos pela África. A equipe paulista disputou um jogo-treino contra a seleção da Costa do Marfim e o camisa 10 fez um gol atuando pela equipe local no segundo tempo. No primeiro, atuou como goleiro do Peixe. O Santos recebeu 10 mil dólares para realizar o confronto, assistido por 20 mil pessoas no estádio Houphonet-Boigny, em Abdjan.
O outro gol, ignorado na listagem oficial, mas considerado pela Gazeta Esportiva, foi marcado em um clássico contra o Corinthians, em 19 de outubro de 1969, interrompido devido as fortes chuvas que caíram no Pacaembu. Posteriormente o jogo foi anulado. Procurado pela reportagem, o centro de memória e estatísticas do Santos reconhece a existência dos dois gols. Mas não os consideram para a contagem oficial de Pelé.
E o gol não encontrado?
Com relação ao terceiro gol divergente entre a lista da Gazeta Esportiva e a oficial do Rei, e que não encontrado pela reportagem do Superesportes, vale ressaltar que ele mudaria apenas a ordem do suposto gol mil, mas ele continuaria sendo marcado no Recife. Com ele computado, o milésimo de Pelé foi o seu primeiro anotado contra o Santa Cruz. Já se for desconsiderado o tento não encontrado, Pelé teria chegado ao gol mil ao marcar o seu segundo tento contra o tricolor pernambucano. E aí, uma coincidência com a versão conhecida mundialmente. Ele também foi marcado em cobrança de pênalti.
"Para mim, (o gol mil de Pelé) foi no Recife"
Presente em 15 Copas do Mundo, o jornalista Orlando Duarte, hoje com 83 anos, é um dos maiores especialistas sobre a vida e a carreira de Pelé, a quem dedicou quatro dos seus 28 livros. Ao Superesportes, fez questão de ressaltar que “ninguém assistiu a mais jogos de Pelé do que eu”. E com esse embasamento, o jornalista não titubeou ao dar sua opinião sobre o local onde o Rei teria marcado o seu milésimo gol. “Para mim, foi no Recife”.
O senhor conhecia essa versão de que o gol mil de Pelé teria sido marcado no jogo Santa Cruz 0 x 4 Santos, na Ilha do Retiro, no Recife?
Você está certo. Foi isso mesmo. O gol mil foi no Recife. O Santos venceu o Santa Cruz por 4 a 0 e nesse jogo Pelé marcou o milésimo.
E com relação a versão oficial, do gol no Maracanã?
Ninguém nunca assistiu a mais jogos do Pelé do que eu. E posso garantir: o gol mil não foi marcado no Maracanã. Mas se fez a propaganda para que gol fosse marcado lá. Queriam a festa lá, por ser o Maracanã.
Então a estatística do Thomaz Mazzoni está correta?
Trabalhei com o Mazzoni na Gazeta Esportiva. Posso garantir que a estatística dele é a mais próxima da verdade. Ele vivia de estatísticas. Era muito cuidadoso com isso.
O senhor lembra desse gol de Pelé marcado na excursão do Santos na África e marcado por um time adversário?
Minha memória não é tão boa quanto era a do Mazzoni. Foram muitos gols, de todo jeito.
Fonte: Superesportes