Juninho Paulista comenta rivalidade entre Vasco e Urubu e elogia Doriva

Sábado, 18/04/2015 - 23:34
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No esquema 4-3-1-2 da seleção de Zagallo, em 1995, o responsável pela ligação entre meio e ataque era apenas Juninho. Cinco anos depois, o número 1 daria lugar à duplicidade, ao chegar ao Vasco, onde o reizinho era seu homônimo pernambucano. Obrigado a se diferenciar pelo estado de origem, o meia-atacante ganhou naturalidade no futebol carioca — e autoridade para falar da rivalidade entre Vasco e Flamengo — justamente quando se tornou Juninho Paulista.

Um dos destaques do último título brasileiro do Vasco, foi o único jogador do Flamengo na conquista do penta. Rubro-negro até hoje, por vestir a camisa do Ituano, do qual é gestor desde 2009, aos 42 anos, o ídolo ainda está ligado a São Januário. Atual técnico do Vasco, Doriva levou o clube de Juninho ao título paulista do ano passado. Apesar das dimensões do feito, amplificadas pela crença de que tudo é maior em Itu, falta carimbar a identidade na cidade grande.

— Ele ficou cinco anos comigo no Ituano. Comandou do sub-15 ao profissional, foi evoluindo dentro e fora do campo, fez cursos. Logo vai ser um dos grandes nomes do futebol brasileiro — disse Juninho, que identifica no sorridente Doriva a capacidade de trazer temperança ao caldeirão de São Januário. — Acho que esse casamento dá muito equilíbrio, ele é bem maleável e transparente na relação com os jogadores. Ganha o grupo na honestidade.

Ao falar de Doriva, Juninho acaba contando um pouco da própria história. Os dois jogaram juntos no São Paulo do início dos anos 1990, sob o comando de Telê Santana, para quem respeitar os princípios do futebol é o melhor meio de se chegar às conquistas. Nas trocas permanentes que a relação mestre/discípulo oferece, do alto de seu 1,67m, Juninho virou referência. Ex-supervisor de Vasco e Flamengo, Isaías Tinoco tem hoje, como executivo das divisões de base de São Januário, a missão de preservar e priorizar o talento para reviver os grandes momentos que compartilhou com Juninho. Entre eles, a vitória por 4 a 3 sobre o Palmeiras, fora de casa, na final da Mercosul, depois de o Vasco terminar o primeiro tempo perdendo por 3 a 0.

— O Juninho sofreu dois pênaltis e ainda fez um gol. Lembro-me dele perseverante, acreditando sempre. Foi um gigante no futebol com a estrutura de um David — disse Isaías, ao voltar ao Antigo Testamento, para profetizar o renascimento do futebol brasileiro a partir de seus próprios mitos. — Talento não tem idade nem tamanho. Juninho foi muito importante para mim, e continua sendo, pelo trabalho como gestor.

Gols perdidos na final de 2001

Sem ter compartilhado as mesmas glórias, a torcida do Flamengo mostra relativa gratidão por Juninho, até quando ele defendia o rival. Na decisão do Carioca de 2001, o Vasco podia perder por até um gol de diferença para encerrar a sequência de derrotas em finais para o rubro-negro. Depois do medo que sentiu ao ver Juninho entrar diversas livres diante do goleiro Júlio César, restou aos rubro-negros a sensação de alívio e plenitude quando Petkovic, aos 43 minutos do segundo tempo, fez, de falta, o gol da vitória por 3 a 1, e do tricampeonato.

— Perdemos muitos gols naquele dia. O Vasco era muito melhor, até o time deles reconhecia — recordou Juninho que defenderia o Flamengo em duas ocasiões, em 2002 e 2007. — Individualmente, minha primeira passagem foi muito legal. Na segunda, tive problemas com o (técnico) Ney Franco. Os melhores resultados foram no Vasco, mas tenho carinho pelas duas torcidas.

Mesmo que seja diplomática, a declaração reforça a importância da boa convivência entre contrários num momento em que o futebol carioca é um rio de intolerância. A volta do antigo regime a São Januário, o mesmo com que conviveu, faz Juninho se lembrar das perdas e ganhos. O Vasco, diz ele, foi o único clube contra o qual entrou na Justiça para receber atrasados

— Foi um dos melhores time em que joguei. Pela qualidade dos jogadores a gente não deixava que os problemas entrassem em campo — disse, ao enxergar as mazelas do futebol para além de uma figura que personifique o atraso — O problema é que o brasileiro é muito individualista, cada um defende só o seu.

Sem imposições táticas

Apesar da facilidade para correr com a bola, Juninho sabia a hora de soltá-la. Num de seus lançamentos, deixou Doriva diante da chance que afirma a importância restante do futebol carioca apesar do empobrecimento do jogo e do debate.

— O bom do Rio sempre foi a liberdade de jogar, com menos imposição da parte tática. Por isso era considerado o mais charmoso. O problema hoje não é só no Rio. Estamos tentando copiar tudo da Europa, mas deveríamos pegar só o que é bom e preservar nossos princípios — disse Juninho, contra as generalizações. — O calendário já é melhor do que quando eu jogava. Temos que fazer as coisas bem estudadas. A mudança só vai se refletir daqui a uns dez anos.

As construções sólidas resistem ao tempo. Vinte anos depois de surgir como o pequeno notável da seleção de Zagallo, o ex-jogador acrescentou o paulista ao nome para ser lembrado pelos dois lados da rivalidade carioca. A duplicidade que o obrigou a revelar as origens ao chegar ao Vasco é a mesma que o faz esconder a preferência para clássico de hoje. O número 1 é aquele que levanta a taça.



Fonte: O Globo Online