Um jogador deixa a concentração dois dias antes do clássico para ir a uma micareta em outro Estado. Volta de helicóptero e não treina antes do jogo. O técnico diz que não vai lhe escalar, mas é peitado pelo atleta e pelo presidente do clube. No dia seguinte, o atacante entra em campo, faz um gol e seu time vence o maior rival.
Parece mentira, mas não é.
Aconteceu em outubro de 2005 com Romário, Renato Gaúcho e Eurico Miranda nos dias antes da vitória por 2 a 1 do Vasco sobre o Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro.
Quem conta a história é o ex-atacante William Xavier, que integrava à época o grupo cruz-maltino. Segundo ele, havia "rivalidade sadia" entre o eterno camisa 11 e o treinador, que tentava controlar o grupo ao mesmo tempo em que Romário fazia o que bem entendia.
"A rivalidade deles era o tempo todo um querendo mandar no outro, mas muito engraçada. Antes desse Vasco x Fla, o Romário tinha ido a uma micareta em Minas e não tinha concentrado com a gente. O 'Baixinho' não bebe, só tomava água e foi lá curtir. No outro dia, no café da manhã, todo mundo comentando: 'Vocês viram? O 'Baixinho' tá aqui, chegou de helicóptero no campo em São Januário e o Renato tá doido de raiva!'", recorda William, em entrevista à Rádio ESPN.
O hoje senador havia ido ao "Carnatal", em Juiz de Fora, e curtiu ao lado do global André Marques a principal atração do bloco naquela sexta-feira: a banda "Chiclete com Banana", que havia acabado de lançar o CD "Sou Chicleteiro".
O atacante se esbaldou ao som de "Foi por esse amor", "Lua menina" e "Menina do Cateretê", além de "Não vou chorar", que fechou a apresentação do grupo de axé. Na manhã do sábado, se mandou para o Rio de Janeiro de helicóptero.
Sentados à mesa do almoço, estavam Renato Gaúcho e Eurico Miranda. Segundo conta William Xavier, o treinador bradou em alto e bom som: "Ele não vai jogar amanhã, nem sequer treinou! Como é que ele foi à micareta e não concentrou com o grupo, nem dormiu aqui? Isso é falta de respeito, não vai jogar!". Enquanto isso, o cartola pedia calma e tentava colocar panos quentes.
Nisso, chega Romário.
"Nós todos já tínhamos terminado o almoço, mas ficamos esperando para ver a cena. O 'Baixinho' chegou de bermuda e chinelo e sentou à mesa. O Renato olhou para o Romário e falou: 'E aí, como está? Dá pra jogar?'. O Romário manda na lata: 'Tá doido, pô? Se eu deixei a micareta e vim pra cá, é claro que eu quero jogar'. O Eurico deu a palavra final: 'Então, você vai jogar'. E saiu da mesa", narrou William.
O 'bicho'
No dia seguinte, o do clássico pelo Brasileirão, Renato Gaúcho estava soltando fogo pelas ventas. No vestiário, não quis fazer nem fazer a preleção, de tão irritado. Quem falou foi Eurico Miranda, que disse que o jogo contra o Flamengo era um "campeonato à parte" e que o "bicho" seria dobrado em caso de vitória sobre os rubro-negros.
"Daí o Eurico saiu e os jogadores perguntaram: 'E aí, Romário, não vai falar alguma coisa?'. E o 'Baixinho' manda essa: 'Vocês gostam de dinheiro? Eu gosto. Então, vamos ganhar esse jogo' (risos)", conta William, às gargalhadas, antes de completar.
"Resultado do jogo: 2 a 1 pra nós e o Romário guardou o dele".
Sim, acredite se quiser. O camisa 11, mesmo aos 39 anos e sem treinar após a micareta, decidiu o clássico na casa vascaína com um gol aos 36 do primeiro tempo. Ele recebeu cruzamento de Fábio Braz pela direita, matou na coxa e, mesmo caindo, tocou para as redes do goleiro Diego.
Antes, Wagner Diniz havia aberto o placar para o Vasco, enquanto "El Tigre" Ramírez descontou para o Fla no segundo tempo. William Xavier, por sua vez, entrou nos últimos segundos do jogo e mal teve tempo de tocar na bola, mas deixou o gramado cheio de motivos para sorrir.
"Faltando menos de um minuto pro jogo terminar, eu fui chamado e entrei na partida. Mal dominei a bola e o juiz apitou. O pessoal que estava no banco começou a tirar um sarro da minha cara, aí falei: 'Podem rir, espertos são vocês... Eu vou ganhar o 'bicho' integral e vocês pela metade'. Na hora do 'bicho', peguei cheio e aí foi minha vez de rir da rapaziada (risos)", brinca.
10 anos depois dessa história, Vasco e Flamengo se enfrentam neste domingo, às 16h (horário de Brasília), pela semifinal do Campeonato Carioca, no Maracanã.
Guerra nos bastidores
Mas o causo da micareta não é o único momento cômico dos entreveros entre Romário e Renato. William Xavier lembra de outro episódio, este ocorrido no departamento médico do Vasco, que gerou um diálogo quase surrealista.
William havia lesionado o ombro e estava fazendo tratamento. Quando estava quase bom, praticamente liberado pelos médicos, encontra o "Baixinho" nos corredores. O camisa 11, querendo uma folga, puxa papo.
Romário: E aí, peixe, beleza? Como está esse ombro, tranquilo? Quer jogar na quarta?
William: Quero, claro!
Romário: Então, beleza. Daqui a pouco o Renato vai te chamar para conversar, e eu vou falar que já combinei contigo, fechado?
Nisso, chega o preparador físico Alexandre Mendes, que chama William para bater um papo a sós com Renato Gaúcho. O atacante pensa: "Ferrou! Já me colocaram no meio da briga deles...". Nervoso, ele entra na sala da comissão técnica e senta cara a cara com o treinador, que, batendo a mão na mesa com força, o interroga.
Renato: Você quer ferrar a minha vida, né?
William: Não, professor! Por que?
Renato: Agora, se eu colocar você no time, o Romário vai pensar que manda...
William: Professor, fica tranquilo, qualquer coisa fala que eu não posso jogar.
Renato: Então vou dizer que o DM não te liberou. Não posso te colocar na partida, porque daí já viu, né? Se eu te colocar, ele vai achar que tá mandando no time, que faz o que bem entender, e as coisas não são assim!
William sai de fininho. Nos dias seguintes, andava na penumbra no DM, fazendo um caminho mais longo para não ser encontrado nem por Renato, nem por Romário. "Tá louco? Deixei os dois cachorros grandes brigarem entre eles (risos)", conta.
Na quarta-feira, o Vasco visitou a Cabofriense e perdeu por 2 a 0, com Romário titular.
Renato Gaúcho estava "vingado"...
Fonte: ESPN.com.br