Em décadas passadas, a natação dos clubes do Rio de Janeiro era referência no Brasil. Flamengo, Fluminense, Vasco, Botafogo e até mesmo outros menores como o Tijuca eram casa dos principais nomes da modalidade e se destacavam em competições nacionais e internacionais. Porém, atualmente a realidade é praticamente oposta. Problemas financeiros e de gestão acabaram minando a força das equipes cariocas, que passaram a ocupar papel secundário diante do poderio dos clubes de São Paulo e Minas Gerais. O Troféu Maria Lenk 2015 é um exemplo. Disputado esta semana na piscina do Fluminense, o torneio tem apenas 31 atletas inscritos por clubes do Rio de Janeiro, enquanto apenas o time do Corinthians conta com 45 nadadores.
Anfitrião do evento, o Tricolor das Laranjeiras é o clube carioca com mais atletas: 20. Porém, poucos são os que conseguem brigar por medalha. Já o Flamengo, que há três anos mantém apenas equipe de base na natação, teve 10 atletas da categoria Júnior inscritos. O pequeno Marina Barra tem um nadador. Botafogo, que dispensou recentemente parte do quadro de profissionais da natação, e Vasco, que atualmente tem apenas escolinhas de base, não estão nem participando.
Por outro lado, equipes de São Paulo e o Minas Tênis Clube dominam a competição. Além dos 45 nadadores do atual campeão do Maria Lenk, Corinthians, os paulistas contam ainda com outras forças como o Pinheiros (54 atletas inscritos) e Unisanta (41). Já o estrelado clube mineiro, que tem no elenco nomes com Cesar Cielo e Thiago Pereira, está com 46 nadadores no torneio.
Além pouca relevância dos clubes do Rio na competição está refletida também na classificação geral. Enquanto o líder Minas soma 1.357 pontos após 26 provas realizadas, o melhor carioca, Fluminense, tem apenas 279 e ocupa a sétima colocação graças aos excelentes resultados da equatoriana Samantha Salinas, que conquistou os ouros dos 1.500m e 800m livre. O Fla é o 9º, com 67 pontos somados e tem os quartos lugares de Jhennifer da Alves (100m peito) e Luiz Altamir (200m borboleta) como melhores resultados até o momento. Ao todo, são 17 clubes de 12 estados brasileiros participando do Maria Lenk, que segue até o próximo sábado.
- Os clubes do Rio, infelizmente, sofrem muito a influência do futebol. Há muitas dívidas. E não são por conta dos funcionários normais ou ligado aos esportes olímpicos ou atletas. Não é o salário de um técnico ou a ajuda de custo a um atleta deixa o clube nessa situação. É um futebol que gasta mais do que arrecada. Os clubes estão arrebentados e está gerando problemas nos esportes olímpicos em geral no Rio de Janeiro - avaliou o treinador responsável pela natação do Fluminense, Luiz Eduardo Raphael.
De acordo com o técnico, o tricolor carioca vem reduzindo os gastos das equipes de esportes olímpicos nos últimos anos, o que provoca um impacto direto nas equipes de alto rendimento e uma debandada de atletas.
- Já tivemos time grande na natação, mas de três anos para cá, a diretoria vem pedindo para diminuir o nosso plantel. Estão reduzindo o investimento dos esportes. Isso faz com que os atletas, quando chegam no nível mais alto, tenham que sair.
No caso do Flamengo, a decisão foi ainda mais drástica. Por questões financeiras, há três anos o Rubro-Negro acabou com o time profissional de natação e mantém apenas atletas de categorias de base. Destaques internacionais como Etiene Medeiros - campeão mundial em piscina curta no ano passado - tiveram que trocar o clube carioca por equipes de São Paulo e Minas Gerais.
- Esse distanciamento dos clubes do Rio para os outros começou há cerca de uns 10 anos. A verba foi caindo e não tínhamos mais condições de segurar os atletas. Nos tornamos praticamente um polo de formação. A gente formava os atletas, mas quando cresciam, iam embora em busca de melhores condições, melhores estruturas, melhores resultados - explicou o técnico da natação do Flamengo, Fernando Pereira.
Se a situação da dupla Fla-Flu na natação é ruim, o que dizer de Botafogo e Vasco. O clube da estrela solitária, que conta com uma piscina reformada e até pouco tempo tinha em seu time Matheus Santana - principal revelação brasileira dos últimos anos -, passa por grave crise financeira e vem reduzindo cada vez mais os investimentos nos esportes olímpicos. Já o cruz-maltino, que no início dos anos 2000 dominava o cenário nacional com atletas como Gustavo Borges, Luiz Lima e Fabíola Molina, está com o parque aquático de São Januário fechado por falta de manutenção.
LEIS DE INCENTIVO SÃO A APOSTA PARA A RECUPERAÇÃO
Apesar do péssimo cenário atual, os profissionais envolvido na natação dos clubes cariocas acreditam fielmente em uma recuperação. A principal aposta está nas recentes leis de incentivo ao esporte, que ajudam na captação de recursos públicos e privados para as modalidades olímpicas, acabando com a dependência dos departamentos de futebol.
No Flamengo, os primeiros passos já estão sendo dados. Em março deste ano, o Rubro-Negro anunciou a autossuficiência dos esportes olímpicos. Com o dinheiro levantado por meio das leis de incentivo, modalidades como basquete, natação, vôlei, polo aquático e nado sincronizado possuem orçamento próprio para até fevereiro de 2016. Além da manutenção das equipes, também estão sendo feitas obras estruturais na Gávea. Um exemplo é a nova piscina, que deve ser entregue em novembro.
- Antigamente, a gente precisava da verba do futebol. Hoje, estamos mais independentes. Os esportes olímpicos do Flamengo estão caminhando sozinhos. Isso é fantástico. Fizemos vários projetos para a captação de recursos que bancam viagens, inscrições. A reforma da piscina, também com esses recursos, começou há 15 dias e posso dizer que vai ser uma das melhores do país. São cerca de cinco milhões investidos - explicou o treinador responsável pela natação rubro-negra.
Fernando Pereira também confirmou a reativação da equipe profissional em 2016. A ideia é montar um time pequeno e ir crescendo progressivamente até retomar o papel de protagonista da natação brasileira.
- Vamos voltando aos pouquinhos. Vai ser retomada a equipe de cima, mas com uma quantidade menor de atletas, para não colocar um passo maior que a perna. Já temos sala de musculação muito boa, a piscina sendo reformada, os técnicos são todos de primeiro escalão. Podendo levantar recursos, acredito que em pouco tempo vamos estar lá em cima de novo - projetou.
Um pouco atrás, o Fluminense também vem trabalhando para se reerguer. No caso da natação, já foram feitos investimentos, como a reforma em 2013 do parque aquático, que custou cerca de R$ 1,4 milhão. Porém, sem possuir as Certidões Negativas de Débitos (CNDs) - critério de exigência para utilizar as leis de incentivo -, o clube ainda não tem conseguido captar recursos. A esperança, segundo o treinador da natação, está na Medida Provisória da renegociação das dívidas, assinada no fim de março pela presidente Dilma Rousseff, mas que ainda aguarda regulamentação e tramita na Câmara dos Deputados.
- Nossa esperança está nessa lei da renegociação. O presidente está motivado para, até o meio do ano, conseguir as certidões negativas. Com isso, a gente já começaria a captar os recursos incentivados. Já temos uma firma no Fluminense elaborando os projetos. Não tem ninguém de braços cruzados. Estamos bem adiantados para conseguir o que o Flamengo conseguiu. Nas categorias de base, estamos bem. A escolinha funciona com sucesso. O parque aquático está maravilhoso, como todo estão podendo ver no Maria Lenk. O que precisa é dessa política mais forte voltada para os esportes olímpicos - concluiu Luiz Raphael.
OS EXEMPLOS DE CORINTHIANS E MINAS
Os modelos de gestão que Flamengo e Fluminense começam a tentar implementar neste momento já são a base do sucesso dos principais clubes de natação do país no momento. O investimento progressivo e planejado que o Rubro-Negro iniciou, por exemplo, é a chave do projeto do Corinthians, segundo o supervisor técnico Carlos Henrique Matheus, o Carlão.
- Dificuldades financeiras, nós também temos, como todo clube hoje no país. A própria economia do país está em dificuldade. Mas superamos isso com o planejamento. O Corinthians não cresceu em 2014. Fizemos uma base legal lá atrás. Já estou há 11 anos no clube e iniciamos com um pensamento que não era voltado apenas para a equipe principal. Fizemos em alicerce bom, com qualidade na base. A chave do nosso planejamento é dar um passo de cada vez - explicou Carlão.
No caso do Minas, o diretor de esportes aquáticos do clube, Carlos Antonio da Rocha Azevedo, o Rochina, acredita que a existência de uma política voltada apenas para os esportes olímpicos é o diferencial. Ex-nadador olímpico, o dirigente começou a praticar no esporte nos clubes cariocas, principalmente no Botafogo, e conhece bem os problemas. Segundo ele, não foi apenas a questão financeira que provocou a situação atual.
- O Minas tem uma ligação com os esportes olímpicos que vem da sua origem, em 1935. Há um comprometimento da direção, seja ela qual for, em fazer o esporte. Nos clubes cariocas, por exemplo, acabou se tornando algo pontual. O futebol é um fator que dificulta, de fato. Tem a questão do negócio, é uma estrutura muito maior, de custo elevado, tem a parte da torcida, tudo isso impacta. Mas não responde o porque o esporte dos clubes do Rio acabou. Tem muitas outras coisas por trás disso. Tem a ver com a maneira como ele é conduzido, com a política. No Minas, você não corre o risco de uma chapa ganhar a eleição e resolver acabar com tudo - afirmou.
Fonte: GloboEsporte.com