A formação no futebol brasileiro, seguida da adaptação, ainda jovem, à dura marcação italiana. Depois, uma passagem pelo jogo mais cadenciado na Espanha e, agora, o brilho no dinâmico futebol inglês. Philippe Coutinho tem só 22 anos, mas já acumula um volume de experiência acima da média. Passou por diferentes escolas e, hoje, destaca-se numa das ligas mais difíceis de se jogar no mundo.
Num país que procura alternativas para não ser dependente de Neymar, já seria o bastante para apostar neste jovem carioca que diz estar adaptado ao frio inglês. Mas há outras razões. Virou consenso que o Brasil forma jogadores habilidosos, com capacidade de arrancadas verticais rumo ao gol. Mas falta o bom passador, o organizador, o camisa 10. E, semana após semana, Coutinho (que usa exatamente este número) parece confortar os olhares mais preocupados com a crise do passe no nosso futebol.
- Sempre tive esse estilo de jogo, desde a base. Você sempre precisa se aprimorar. Mas já no Vasco tinha este estilo - garante Coutinho em entrevista ao GLOBO, por e-mail.
Ao citar a formação no Vasco, o meia esfria as críticas sobre as divisões de base no país. Curioso que a carreira de Coutinho serviu de pano de fundo para uma série de discussões que, em algum momento, estiveram na agenda nacional. Ele não vê, por exemplo, motivos para alarme em torno da falta de bons armadores. Embora concorde que predominam, hoje, os carregadores de bola, ainda que velozes e habilidosos.
- Realmente está acontecendo. Mas não sei o diagnóstico. Acho que é o momento. O futebol brasileiro já teve, em diferentes momentos, muitos zagueiros, atacantes - diz.
Outra discussão que, involuntariamente, envolve Coutinho é a dependência em torno de Neymar. O tema, aliás, dominou a última convocação da seleção. Dunga tocou no assunto involuntariamente ao nomear Jairzinho como próximo "auxiliar técnico pontual" da equipe. Em 1970, o "Furacão" fez gols em todos os jogos, embora a estrela maior fosse Pelé. Naquele momento, Dunga enviava uma mensagem implícita aos jogadores da seleção. O técnico quer que todos assumam responsabilidades, independentemente de Neymar ser a grande estrela. A julgar pelas últimas partidas do Brasil, Philippe Coutinho ainda briga por um lugar no time titular. Mas suas atuações no Liverpool já o credenciam a ter certo protagonismo.
- Neymar é um craque, um fora de série, uma referência. O que não impede os demais jogadores da seleção de darem conta do recado. Todos têm muita qualidade - afirma.
Coutinho emigrou cedo. À época, sua venda turbinou outra polêmica nacional: a idade para deixar o país. Aos 18 anos, foi para o Internazionale. Não se arrepende, mas não dá conselhos:
- Aconselho qualquer um a seguir seu sonho. Minha mudança foi planejada. Passei por obstáculos, mas também teria obstáculos no Brasil.
Ao atuar em diferentes escolas, diz ter ampliado seu repertório. Mas discorda da tese segundo a qual os jogadores que permanecem no Brasil se tornam "menos completos".
- Há muita cobrança na Europa em cima da parte tática: a marcação na Itália, o jogo cadenciado na Espanha e a velocidade na Inglaterra. Se tivesse ficado no Brasil, eu seria um jogador diferente, sim. Afinal, cada centro tem a sua característica. Mas não diria que seria menos completo. E nem me considero completo. Tenho muito a evoluir em diversos aspectos - avalia.
Por falar em cultura tática, Coutinho vive no seu clube a rara chance de uma pós-graduação com um professor dos mais respeitados. Ele divide o meio-campo com Steven Gerrard, uma lenda por lá. Ainda que viva os últimos momentos da trajetória no Liverpool, o meia inglês de 34 anos, quando atua, é o iniciador das jogadas, o responsável por ditar o rumo do jogo.
- Ele é sensacional. Desde o meu primeiro dia, foi muito solícito. E sempre tem toques a dar sobre posicionamento. É um líder - garante Coutinho.
A venda para o Internazionale foi selada aos 16 anos, mas a transferência aconteceu dois anos depois. Após uma boa temporada na Itália, em especial no período sob o comando de Leonardo, teve menos chances no segundo ano e acabou cedido ao Espanyol. Mas seu salto veio no Liverpool, a partir de janeiro de 2013. Na Inglaterra, teve que lidar com o dinamismo da Premier League.
- Aqui a bola quase não para. Tem poucas pausas e muita velocidade. Você precisa de um condicionamento físico muito bom e tem que pensar rapidamente. Acho que meu estilo de jogo casou bem com o futebol inglês.
Vivendo no exterior, Coutinho tem sido obrigado a responder, à exaustão, a uma pergunta: o que aconteceu com a seleção na Copa?
- Várias vezes tive que falar sobre isso. E as pessoas aqui têm a mesma opinião: foi algo inesperado, fora do normal, que não vai acontecer de novo - aposta, referindo-se aos 7 a 1. - O respeito ao futebol brasileiro não diminuiu. Ainda é visto como o mais vitorioso, mas que passou por algo inesperado.
E a recuperação passa pelo talentoso camisa 10 do Liverpool.
Fonte: O Globo Online