Você pode não ter o costume de ouvir rádio, mas com certeza conhece desde criança a famosa vinheta da Rádio Globo com um eco no fim. E não importa para quem você torce, mas certamente também já ouviu o nome do seu time pronunciado da mesma forma nas transmissões esportivas ou sempre que o clube do coração é evocado.
Essas vinhetas esportivas continuam se perpetuando nas ondas do AM para as mais longínquas regiões do Brasil há mais de 40 anos, mas nos últimos anos viraram alvo de uma grande disputa judicial. E com direito a intromissão de Tim Maia.
O músico paraguaio Fábio Rolón, considerado o melhor amigo de Tim Maia, gravou os 'spots' no início da década de 70, mas não recebeu nada por isso. Depois de ser alertado várias vezes por Tim, em 2009 ele entrou com uma ação para reivindicar os direitos autorais sobre as vinhetas e a utilização irregular de sua voz. O processo ainda está em julgamento.
Tudo começou quando Fábio lançou a música Stella, em 1969, pela rádio carioca Tamoio e fez um grande sucesso. O refrão da música tinha o emblemático efeito sonoro com o eco no fim da palavra Stella.
O cantor conta que o diretor da Rádio Globo na época, Mario Luiz, não queria executar a canção por causa da concorrência com a Tamoio. Mas ao ver o enorme sucesso teve que dar o braço a torcer e ainda teve uma ideia para contra-atacar. Pediu que Fábio gravasse o nome da rádio e dos principais times do país com o mesmo efeito sonoro da música que estava estourada.
Como na época tudo era feito de forma muito informal e sem assinatura de contratos, Fábio fez as gravações da expressão 'Rádio Globo', além de Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Pouco depois, gravou o nome de mais de vinte equipes brasileiras, incluindo os quatro grandes de São Paulo. E não cobrou nada por isso.
"A música Stella estourou nas paradas de sucesso no verão de 69, concorrendo com a música da Gal Costa, o iê-iê-iê romântico. O diretor Mário Luiz era muito centralizador, um 'bam bam bam' da época, um ditador da história e não queria rodar a música", conta Fábio ao UOL Esporte.
"Ele me chamou um dia na Rádio Globo e disse: você vai gravar cinco coisas: as palavras Rádio Globo, Flamengo, Vasco e Botafogo e Fluminense. Eu vou usar durante um tempo e vou tocar a sua música. Eles lançaram a vinheta num Maracanã lotado, foi o maior upgrade da história. O mundo esportivo mudou depois daquilo, foi a minha voz ecoando por décadas", disse.
De lá para cá, as vinhetas com o som do eco se tornaram o principal símbolo da Rádio Globo, especialmente nas transmissões esportivas. Ao longo desses anos, o amigo famoso Tim Maia percebeu o sucesso da vinheta e chegou à conclusão que Fábio estava sendo prejudicado por não receber qualquer tipo de pagamento. Ele então o aconselhou várias vezes a buscar seus direitos.
Os dois eram muito próximos e tocaram juntos. Inclusive, Fábio tem papel fundamental na trama do filme 'Tim Maia', de Mauro Lima. Interpretado por Cauã Reymond, ele é o narrador da história biográfica do cantor inspirada na obra de Nelson Motta.
Fábio se lembra bem das broncas do amigo. "O Tim era um cara visionário, um gordo danado. Ele brigava o tempo inteiro pelo direito dele, foi o primeiro homem que brigou pelos direitos de suas obras. Ele falava: 'Fábio, vai atrás dos seus direitos, não fica aí marcando. Só vão te respeitar quando você correr atrás dos seus direitos", conta Fábio.
"Do fundo do coração que até hoje ele está me ajudando. Eu ainda escuto a voz dele. Eu tinha síndrome do cachorrinho paraguaio, de vira lata paraguaio. Ele falava: 'Fabiano, você é do Brasil, o Brasil te ama, para com essa merda'".
Depois de 'ouvir' muitas vezes a voz de Tim, Fábio decidiu entrar com uma ação no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2009. No mesmo ano, a Rádio Globo regravou as vinhetas com a voz de Gilson Ricardo. A advogada do músico, Ligia Saraiva, explica a ação que reivindica os direitos autorais, além da utilização indevida.
"É um processo que reivindica os direitos autorais das vinhetas e as utilizações indevidas delas. A canção Stella foi inspiradora dessas vinhetas, tinha o mesmo efeito sonoro. A Rádio Globo regravou as vinhetas com voz de uma terceira pessoa sem autorização do Fábio e continua utilizando esse refrão da obra que ele criou. Então estamos reivindicando a reparação dos danos", disse.
Fábio venceu em primeira instância, mas perdeu na segunda. O juiz reconheceu que o músico é autor da vinheta e dono da voz, mas considerou que os direitos dele prescreveram pela demora de 40 anos em entrar com a causa.
Na última semana, Ligia Saraiva entrou com o recurso por discordar da decisão. "Essas ações de reconhecimento de direitos autorais são imprescritíveis, você pode reivindicar a qualquer tempo. O Tribunal do Rio de Janeiro passou por cima de conceitos básicos da constituição federal. Sinto dizer que o Tribunal cometeu uma atrocidade. Podemos comparar à paternidade. Se você tem um filho, você pode reconhecer em qualquer momento da vida. É a mesma linha de raciocínio. Uma obra é como um filho".
Procurada pelo UOL Esporte, a Rádio Globo confirmou a ação e disse apenas que aguarda a decisão final da Justiça.
Ainda sob os efeitos dos conselhos de Tim, Fábio está cada vez mais disposto a brigar pela causa e fica até um pouco exaltado ao falar sobre o assunto. "Eles acham que não devem me dar um centavo. Mas eu ajudei a botar alguns milhões de reais na Rádio Globo. Mas agora eu não vou desistir. Agora quero ver me derrubarem, como vou ficar assim sem nada? Não vou ganhar um centavo? Quero entrar num acordo, melhorar a minha situação, a gente não vive de sonhos".
Fonte: UOL (texto, fotos), Youtube (vinheta)