O futebol pede socorro
TEMA EM DISCUSSÃO: Saneamento e responsabilidade na gestão dos clubes
POR OUTRA OPINIÃO / ROBERTO MONTEIRO
A importância dos clubes tradicionais de futebol para a cultura de seus países costuma ser bem mais ressaltada no exterior do que no Brasil. Constatamos isto ao ver a reação do ministro de Assuntos Exteriores da Espanha, José Manuel Garcia Magallo, diante da investigação aberta pela Comissão Europeia (órgão executivo da União Europeia), contra os principais clubes de seu país.
Sem hesitação, Magallo disse que o governo espanhol vai “batalhar até o final na defesa dos clubes envolvidos”; e registre-se que entre os clubes que receberam ajuda do governo estão Barcelona, Real Madrid e Bilbao, referências na área de gestão esportiva. Reconheça-se: esses clubes não podem ser acusados de serem modelos de ineficiência.
Ora, no Brasil, possivelmente mais do que na Espanha, o futebol é assunto de interesse nacional. Ou, no mínimo, deveria ser. Desde 1895, quando aconteceu a primeira partida de futebol realizada no Brasil, promovida por Charles Miller, os clubes ajudam a popularizar a prática desportiva. Especialmente o Vasco da Gama, que na segunda década do século 20 abriu as portas para negros e operários. O vínculo entre cada torcedor e seu clube é perene, e diferente de todos os outros vínculos existentes. O futebol é parte da identidade nacional, além de movimentar bilhões de reais por ano e gerar milhares e milhares de empregos.
Portanto, não é correto assistir de braços cruzados a uma crise que pode ser letal; não se trata aqui de gostar ou não de futebol, mas de reconhecer sua importância estratégica, econômica e cultural para o país. Neste sentido, veio em boa hora a aprovação, no final de 2014, da chamada MP dos clubes.
Afinal, são os clubes que, a cada ano, a um custo alto, revelam os novos talentos do nosso futebol. Um departamento de futebol de divisão de base em um clube profissional conta com dezenas de profissionais qualificados: professores de educação física, médico, dentista, nutricionista, psicólogo, assistente social, agentes de hotelaria, e, quando desponta uma revelação, o clube quase nada ganha com isso, graças a uma legislação absurda — para falar apenas de um aspecto do relevante serviço que os clubes prestam ao esporte e à nação.
Há quem critique a MP dos clubes, alegando que a falta de contrapartidas e, supostamente, de exigências claras de transparência no uso do dinheiro das agremiações estimularia possíveis desmandos. São, com certeza, preocupações justas.
Mas é preciso que as medidas sejam adotadas o quanto antes. Devemos encontrar o caminho para o equilíbrio entre a transparência e a austeridade e a rapidez necessária para agir. Isto não pode atrasar. Nosso futebol, o futebol dos 1 a 7, tem pedido socorro — e o Brasil precisa atender ao pedido.
Roberto Monteiro é advogado
Fonte: O Globo