Ele suscita amor e ódio. Árbitro que mais jogos (29) apitou em 2014, foi um dos quatro a receber nota 10 da Comissão Nacional de Arbitragem em uma partida. Mas é o mais detestado pelos jogadores que disputaram o Brasileiro. Mesmo assim, Marcelo de Lima Henrique, 43 anos, é considerado um dos principais juízes do país. Após ter recebido proposta irrecusável e trocado a Federação Carioca pela Pernambucana - apesar de ter deixado de pertencer ao quadro da Fifa no dia 31 de dezembro -, ele quer uma digna despedida de carreira. Emocionado, fala sobre erros, acertos, polêmicas, tecnologia, profissionalização e avisa: pretende regressar à Ferj para exercer função na Comissão de Árbitros após pendurar o apito.
O DIA: Relatório da CBF aponta que a atuação da arbitragem no Brasileirão de 2014 foi próxima de excelente (nota 8,44). A escala de notas da Comissão Nacional de Arbitragem (Conaf) condiz com a realidade do que se vê nos campos de futebol do país?
Marcelo : Ela é responsabilidade da CBF, que segue parâmetros da Fifa. Na arbitragem tomamos várias decisões durante uma partida e o que importa são as "grandes decisões", como expulsar ou não um jogador, a questão do gol ou não gol, do pênalti ou não pênalti... Vimos erros em "grandes decisões" e isso nos dá a sensação de arbitragem ruim. Até porque, às vezes, ela interfere no placar.
Como você vê a enxurrada de críticas à arbitragem brasileira atualmente?
No mundo todo é assim. Aqui se acentua mais por fatores como herança cultural, que sempre acha que o árbitro é o culpado, transferência de responsabilidade por parte de dirigentes, jogadores e técnicos, e até falta de respeito às autoridades e às instituições constituídas.
Em relação aos ex-árbitros que hoje são comentaristas de arbitragem. Você é a favor de tal prática?
Sou. Só acho uma pena que a maioria esteja desinformada, não tenha se modernizado para a função, com conceitos antigos e retrógrados. Salvam-se dois ou três.
Quem?
Os mais preparados e atualizados são Sálvio Fagundes, da ESPN; Carlos Simon, da Fox Sports; Leonardo Gaciba e Paulo César de Oliveira, da Rede Globo.
Muitos são considerados corporativistas, você concorda com tal afirmação?
Não. Eles são realistas. Se há erro do árbitro, apontam, sem folclore, sem levar para o lado pessoal. Dá para criticar e ser ético. Pena que alguns ainda se esqueçam que estiveram lá dentro (em campo) e que nós temos família.
Você foi o árbitro com a maior média de notas no Brasileirão-2014, ganhando um 10 pela atuação na vitória (3 a 2) do Atlético-MG sobre o Cruzeiro. A que atribui seu desempenho?
Em 2014, especificamente, tive uma sequência de excelentes trabalhos nos principais clássicos pelo Brasil. Vejo muito futebol, vivo futebol, respiro futebol e arbitragem.
Você também é o árbitro que mais partidas (29) apitou na temporada. A que atribuiu tal marca?
Fui o árbitro que mais atuou em 2014 porque, em um momento conturbado pós-Copa do Mundo, mantive uma regularidade e isso, na arbitragem, faz grande diferença.
Você se considera o melhor árbitro do Brasil?
Fui considerado o primeiro de acordo com as notas e avaliações minuciosas. Quanto a ser o melhor árbitro do Brasil vai do sentimento de cada um. Fato é que estou entre os melhores há uns cinco anos. As escalas, as decisões arbitradas por mim e a confiança das Comissões de Árbitros atestam isso.
Mas você foi eleito por 108 jogadores de 13 clubes que disputam a Série A como o pior árbitro do Brasileiro, com um índice de rejeição de 19,44%. Isso incomoda?
Para mim é até um prêmio. Não incomoda nada. Entre os que mais arbitraram no Brasileiro, sou o que mais adverte e esse perfil disciplinador causa inimizades. Mas não espero consideração dos jogadores. Poucos são éticos e leais. Prefiro assim. Se não vai no amor, vai na dor. Não faço questão de ter fãs entre os boleiros.
Por que trocou a Federação Carioca pela Pernambucana?
Recebi uma proposta excelente, com ótimas condições de trabalho. E como restam dois anos para encerar minha carreira, vi que essa valorização profissional e financeira era irrecusável. Árbitro não tem salário, férias, FGTS... Tive que pensar em mim e fui muito bem recebido em Pernambuco. Mas volto logo, pois quero encaminhar minha carreira no Rio.
Como?
Segundo Rubens Lopes (presidente da Ferj), as portas estão abertas para mim. Quero dar tudo que recebi da arbitragem. Quero trabalhar na Comissão de Árbitros, na função que os gestores definirem a ideal para mim.
Você, inclusive, já atuou em Pernambuco?
Sim, no dia 7 de dezembro. Apitei Pesqueira 2 x 2 Porto, pela fase preliminar do Pernambucano.
A arbitragem brasileira - e carioca especificamente - é ruim?
Eu as avalio de boas para muito boas. Dou nota 8.
Então por que tantas críticas à arbitragem?
Criticar a arbitragem vende, dá ibope, tira o foco, desvia as atenções. Além disso, nós, árbitros, não temos voz, parece que somos todos de Marte. É mais fácil criticar, esconder erros técnicos e estruturais das equipes. Erramos sim, mas trabalhamos para diminuir tais erros, pois o futebol merece excelência. Só que xingar o árbitro é cultural e acalma a alma (risos).
O que faz o bom árbitro?
Ele é moldado na várzea, nas Ligas, na dureza dos jogos amadores. Ele tem que respirar futebol, saber a tabela do Campeonato Maranhense, Espanhol, Capixaba... Tem que viver isso intensamente.
O que derruba o bom juiz?
A soberba, as atuações pensando na próxima escala. O árbitro que tenta agradar a todos cai do cavalo. Um lado sai reclamando sempre. Decidir desagrada.
Um jogo inesquecível...
Uruguai 2 x 1 Argentina, em 2013, pelas Eliminatórias da Copa, e Botafogo 1 x 2 Flamengo, na final da Taça Guanabara de 2008.
Qual jogo gostaria de esquecer definitivamente?
Atlético MG 1 x 1 Palmeiras, pela Sul-Americana de 2010. Marquei um pênalti e tive que voltar atrás, pois o assistente teve dúvida da posição de impedimento no lance. Fiquei quase dois anos sem arbitrar na Conmebol.
E a decisão do Carioca de 2014, na qual foi validado um gol em impedimento, aos 45 do segundo tempo, que resultou no título do Flamengo sobre o Vasco?
Ainda não consigo apitar e marcar impedimento. Todos que estavam no Maracanã acharam o gol legal. Torcedores, narradores... Só pelo replay, em câmera lenta, se viu que o gol foi do Márcio Araújo, em impedimento. Minha atuação individual na decisão foi excelente.
A tecnologia é um adversário do árbitro?
Ela ajuda o bom árbitro e é inimiga do mal árbitro. Eu a aprovo e gosto muito.
Você é a favor da profissionalização da arbitragem?
Sim. Somos os únicos amadores em um esporte cada vez mais rico. Não temos direito a nada, somos voluntários remunerados por serviço prestado. Só lembram da profissionalização quando há um grande erro em uma decisão e depois esquecem. Falta lei específica que garanta direitos e deveres.
Que outros árbitros você destaca no país?
Sandro Meira Ricci, Ricardo Marques, Leandro Vuaden e Anderson Daronco. No Rio, Graziane Maciel, Patrice Maia, Wagner Magalhães e Péricles Bassols.
Que recado daria a um jovem que deseja ser árbitro?
Que só entre nessa atividade se tiver coragem para enfrentar obstáculos, com amor à atividade. Que respire futebol, pois há mais espinhos do que flores. Mas que saiba que é muito prazeroso estar inserido no futebol pentacampeão mundial.