Rodrigo Caetano encerra no próximo domingo a sua segunda passagem por São Januário. Após o período entre 2009 e 2011, o diretor executivo de futebol reassumiu o cargo há 11 meses com o objetivo que foi alcançado no empate com o Icasa diante de um Maracanã lotado: recolocar o Vasco na Série A do Campeonato Brasileiro. Em seu terceiro acesso como dirigente (já tinha reconduzido o Grêmio e o próprio Vasco em 2005 e 2009, respectivamente), Caetano precisou driblar diversos problemas dentro e fora de campo - chegando até a ajudar financeiramente o clube em alguns momentos. Com o sentimento de dever cumprido, ele disse entender até mesmo as vaias que marcaram o retorno do Cruz-Maltino à elite do futebol brasileiro no último sábado. Mas rebateu os gritos de "time sem vergonha".
- A manifestação foi após o apito final. É um direito deles. Pedimos e os vascaínos compareceram. Se você me perguntar se a manifestação foi da forma adequada eu diria que, como líder desse time, não o acho sem vergonha. Mas tenho que respeitar a opinião da torcida. Principalmente porque ela nos respeitou durante todo o jogo - frisou.
Sem espaço na gestão Eurico Miranda, que começa oficialmente na próxima terça-feira, Rodrigo Caetano quer descansar com a família antes de um novo trabalho. Em uma de suas últimas entrevistas no cargo, o diretor executivo explicou a saída, disse que não houve sequer negociação com Eurico para uma possível permanência, analisou o trabalho na temporada 2014, manteve o mistério sobre o seu futuro e fugiu das polêmicas. Por mais que tenha deixado claro que o técnico Joel Santana poderia ter evitado algumas críticas nos últimos dias.
Confira a entrevista abaixo:
A sua saída se deu pela questão financeira?
Talvez tenha sido o maior motivo. Eu tenho que compreender. O clube vai passar por outra realidade e priorizar outras situações. Não saio com mágoa alguma, pelo contrário. Jamais sairia assim. Fui convidado para uma missão no início do ano, para colaborar com o retorno á Série A. Cumprimos a missão. Sempre penso em continuidade, mas ela não veio pelos motivos já expostos. Não foi por falta de afinidade. É preciso entender a nova realidade do clube. O que fizemos este ano não foi mirando apenas 2014. Ampliamos o contrato de todos os jogadores da base que estão no profissional, por exemplo. Quando cheguei, nomes como Lorran e Thalles tinham poucos meses restando. Contratamos nomes com contrato longo, como o Martin Silva. Não trabalhamos pensando apenas em 2014.
Mas do time considerado titular pelo menos metade fica sem contrato.
Depende de quem você considera titular. Rodrigo e Kleber tem contrato. Assim como Anderson Salles, Luan, Martin Silva, Guinãzu, Aranda, Thalles... Douglas Silva e Douglas ficam sem contrato, mas são livres para negociar. E tem mais: se você considerar que esse time muitas vezes foi contestado, abre-se a possibilidade de orçamento para buscar novos jogadores.
Chegou a haver negociação com a diretoria na reunião de transição?
Não houve negociação. Até porque as conversas anteriores já mostravam que a continuidade seria improvável, para não dizer impossível. Não tinha porque debater essa possibilidade ( de continuar).
O Vasco confirmou o acesso e ouviu uma grande vaia no Maracanã. O discurso oficial sempre bateu na tecla de que o objetivo foi alcançado. Mas como você viu essa manifestação da torcida que esperava muito mais de um clube da grandeza do Vasco na Série B?
Foram dois rebaixamentos em cinco anos. Nosso risco era grande (de ter problemas), não? Primeiro para conseguir montar um time, por exemplo. São muitos os problemas financeiros. Nossa meta era clara: tentar ganhar o Estadual e voltar à Série A. Talvez tenhamos montado uma equipe muito técnica para a competição que teríamos pela frente. Mas como reagiria o torcedor se, após duas quedas, o time contratasse desconhecidos ao invés de jogadores com trajetórias vitoriosas, consagrados? Traz orgulho ter o goleiro da seleção uruguaia, um meia que ganhou muitos títulos como o Douglas, o Kleber... Veio ainda o zagueiro que mais se destacou no Brasileirão de 2013 (Rodrigo). A expectativa era grande, mas tivemos problemas que refletiram no campo. Nem falo da parte financeira apenas. Teve o componente político, que por mais que lutemos sempre acaba respingando. Ainda acho que o torcedor se comportou bem durante o jogo. A manifestação foi após o apito final. É um direito deles. Pedimos e os vascaínos compareceram. Se você me perguntar se a manifestação foi da forma adequada eu diria que, como líder desse time, não o acho sem vergonha. Mas tenho que respeitar a opinião da torcida. Principalmente porque ela nos respeitou durante todo o jogo.
Qual o diagnóstico do elenco que você vai passar para a futura diretoria?
Já estou passando. A função de executivo não se limita apenas a montar o elenco. Vai muito além. Passa por liderar pessoas, por fazer com que os problemas não se tornem maior do que eles já são. No Vasco vocês nunca viram jogador sem comprometimento, indisciplinado... Tivemos coisas positivas. Sobre o futuro, posso dizer que em 2014 reduzimos a folha salarial em 50% para a Série B. Talvez não tenhamos conseguido reduzir o ideal, mas foi bastante. Fizemos ainda parceria com outros clubes, o que nos ajudou demais. O futebol tem hoje a certeza de que o Vasco está ativo, com jogadores nas seleções de base e se destacando, por exemplo. O diagnóstico está sendo passado. A nova diretoria vai corrigir o que não saiu da forma correta e manter o que caminhou bem. É uma avaliação de quem trabalha e convive no dia a dia do Vasco. O que o doutor Eurico faz a décadas. Ele sabe os problemas, não sou eu que vou identificar isso publicamente.
Você disse que a sua saída não foi questão de afinidade, mas opção de orçamento. Ao mesmo tempo, a filosofia de trabalho do Eurico, da última palavra ser sempre dele, porque quem paga a conta é quem manda, como ele diz, não caberia com você?
Não sei se não caberia ou se não caberia. Normalmente onde eu trabalhei sempre participei de decisões técnicas, de conceitos técnicos. Nessa questão aí, não sei se lamentavelmente ou não, também ajudei a pagar (a conta). Isso em casos emergenciais, tamanho o nível que a gente acaba se envolvendo, se comprometendo com o clube.
Mas não seria mais fácil trabalhar com alguém que tem a personalidade do Eurico, que comandaria o clube e te deixaria pensar apenas no futebol?
Tive uma experiência diferente no Grêmio. E isso vai muito também da minha característica. Eu também me faço presente, gosto de me envolver com todas as questões relacionadas ao futebol. Não tenho como fugir dessa responsabilidade. Às vezes você acaba indo um pouco mais para a linha de frente, outras vezes nem tanto. Só tenho a agradecer aos pares que tive no Vasco, aos vice-presidentes, ao Ercolino, ao Roberto. O diretor executivo tem como obrigação se adaptar o mais rapidamente possível à estrutura do clube, à cultura dele, ao estatuto. Identificar as peculiaridades de cada clube é o pulo do gato. A primeira coisa que faço é ler o estatuto para saber como funcionam as leis do clube.
Já está lendo o estatuto de outro clube? Você teve a procura do Palmeiras e de outros clubes, como do Flamengo, que você nunca comentou…
Ainda não. Do Palmeiras eu nunca neguei. Houve esse contato, até aquela foto (Rodrigo cita a foto que circulou na internet ao lado de um dirigente do Palmeiras) foi quando conheci as pessoas que vieram falar comigo, até o presidente Paulo Nobre. Trataram o assunto com respeito, falando da possibilidade de sair do Vasco depois das eleições, que seriam em agosto. Agora, ninguém sabe o futuro. Aconteceu outras vezes durante o ano, para todos a resposta foi a mesma. Dizia que tinha compromisso com o Vasco. E só aceitava falar a partir de algumas situações, quando me desvinculasse do Vasco e quando não tivesse nenhum profissional na função, aí sim, OK, vamos conversar.
Até por que o Brunoro (José Carlos, diretor executivo) já está de saída do Palmeiras…
Mas essa conversa não foi para uma saída do Brunoro, era para modificar a função.
Encarar outra Série B não te deixaria com essa marca?
Bom... Saí do Fluminense em dezembro no fim do ano passado, dia 15 por aí. Poderia muito bem ter segurado um pouco e ter talvez tivesse demorado mais para voltar. O Vasco tinha ingredientes, o carinho que eu tenho, independente da divisão. Mas não vejo dessa forma (de marca de Série B). Tem que ver o potencial desse clube, de crescimento, tem que olhar a gestão, uma série de fatores.
Durante a Série B, mesmo com tantos tropeços, o Vasco ficou o campeonato quase inteiro no G-4. Alguns jogadores, como o Douglas Silva após a derrota para o América-RN, disseram que precisava de mais vontade. Outros tiveram queda de rendimento e até aparentaram perderem um pouco na forma física, como Douglas, Diego Renan e Thalles. Houve uma certa acomodação nessa competição?
Não vejo assim. Nossa equipe foi montada baseada na qualidade técnica, muito em cima da trajetória vencedora de alguns jogadores. Tínhamos um objetivo que era imediato que era vencer o Carioca. Achávamos que talvez com essa equipe tecnicamente superior poderíamos ter mais facilidade na Série B, que demonstrou ser um campeonato à parte. Mais, digamos, de contato físico, de força, do que de qualidade. Nossa equipe sofreu por causa disso, é o que eu identifico. No estadual jogamos cinco clássicos, perdemos um de maneira absurda, daquela bola que o árbitro não viu que entrou contra o Flamengo. Todos os demais jogos fomos iguais ou superiores aos adversários. Para a Série B, trouxemos Kleber e Maxi. Que avaliação um gestor faria depois desse time que, sem esses jogadores, chegou a uma final depois de tanto tempo, 10 anos? Qual o parâmetro de avaliação? Mas entendemos que era uma competição diferente.
Joel após o jogo citou algumas vezes a montagem do elenco, disse que ele não contratou, que não montou o elenco. Isso pareceu transferir uma culpa da campanha para seu ombro. Você viu dessa maneira?
Não encaro como culpa, encaro como mérito então. Se fosse assim, se estivéssemos falando de um objetivo não alcançado, tudo bem. OK, temos a frustração de não subir como campeão, mas não vou avaliar as palavras do Joel e sim a minha convicção. Montamos o melhor elenco possível na nossa condição que tínhamos. Vale lembrar que quem subiu foi o Vasco, que passou por uma preparação com outro técnico muito capaz, o Adilson, que também tem os méritos desse acesso com a colaboração de toda a comissão, todos funcionários. Vale lembrar que o Vasco já estava no G-4 quando o Joel chegou. A goleada contra o Avaí foi um ponto fora da curva. Todos que chegaram (de contratados), vieram com o aval de todos nós. Mas não vejo dessa forma, eu valorizo o grupo que esteve comigo desde Pinheiral (pré-temporada) até agora. Foi um ano difícil, agradeço a todos que trabalharam pela ajuda. Em especial ao Cristiano Koehler pela sobrevivência financeira do clube durante o ano.
Quando você acha que define seu novo clube? Está na hora de sair do Rio de novo?
Não tenho essa previsão, com toda honestidade. Sigo trabalhando até o dia 30 com o Vasco, depois vou dar uma saída de uma semana com a família. Tenho um filho de 7 meses que, se somado todo tempo que fiquei com ele desde que nasceu, não dá dois (meses). Então, vou ficar com a família esse tempo. Na volta, se algumas dessas sondagens se transformarem em propostas, vou pensar com carinho independentemente do estado da equipe. Vai depender dos clubes que me procurarem não terem profissionais exercendo a minha função.
O Kleber era uma aposta sua de desequilíbrio nessa Série B, mas não é, há um tempo, aquele mesmo jogador que brilhou por São Paulo e Cruzeiro. Joel até disse isso após o acesso contra o Icasa. Você pensa dessa maneira?
Olha, Kleber vem de duas cirurgias. Talvez se estivesse no ápice da sua condição não viria disputar a Série B no Vasco. Por essas e por outras que valorizo muito quem está aqui. Como valorizei o grupo de 2009 de 2011, que foi um ano espetacular. Acho que o Kleber terminou bem o ano. Ele não fez pré-temporada, fez uma intertemporada, que não é a mesma coisa. Mas tem ingrediente do futebol dele que tem a ver com o Vasco, com o clube, que é a questão da entrega, que mesmo o torcedor não vendo um jogo brilhante, o Kleber luta, ele treina do mesmo jeito que joga. Tem comprometimento, briga, é o que o torcedor quer ver. Por exemplo, a torcida tratou de forma diferente o Douglas, que tem outro estilo, mas são características de jogadores, são funções diferentes, Douglas é o cara que pensa o jogo.
O vazamento dos vídeos quebrou a confiança entre Joel e o grupo? Dali para frente o elenco e o treinador pareceram ficar mais distantes.Recentemente ele ainda definiu o vazamento como um "ato de covardia".
Todas as vezes que tivemos algum tipo de polêmica, veja bem, não vou dizer problema, eu fui dar a entrevista para esclarecer. Naquele dia falei que tínhamos tomado atitude, que não concordávamos com o que foi feito, inclusive porque isso estava previsto em cartilha. É natural que o Joel não tenho gostado, eu também não gostaria. Mas foi um fato que conduzimos e acho que não precisaria vir à tona agora, depois que os jogadores deram tantas respostas positivas a ele em campo. Não vejo quebra de confiança. Joel sempre teve relação boa com eles. É preciso cuidado com as palavras, porque elas podem gerar dupla interpretação. Se nós definimos a forma de agir, para mim é pagina virada. Daquela data para frente não aconteceu mais isso (vazamento de vídeos de preleções).
Fonte: GloboEsporte.com