Três anos depois da prisão de integrantes de um bando que ficou conhecido como Gangue do Rolex, a Polícia Civil investiga uma nova quadrilha especializada em roubar relógios de luxo na Zona Sul e na Barra da Tijuca. Nos últimos dois meses, pelo menos oito assaltos foram registrados, mas há a suspeita de que o número de roubos seja bem maior, já que nem sempre as vítimas vão a uma delegacia para informar o crime. É o caso do comentarista esportivo e ex-jogador Pedrinho, atacado no último dia 18, quando chegava ao estúdio da TV Bandeirantes, em Botafogo. Uma dupla de ladrões que estava numa motocicleta abordou o táxi no qual ele viajava e levou seu Hublot, marca que tem modelos avaliados em até R$ 400 mil. Duas semanas antes, o técnico do Flamengo, Vanderlei Luxemburgo, também foi roubado por dois homens na Ponte Lúcio Costa, na Barra. Eles fugiram com seu Rolex.
— Não fui a uma delegacia. Os ladrões levaram e pronto, acabou. Não sei se me reconheceram. Mas tenho medo desses assaltantes que procuram relógios. Um dos caras apontou um revólver para mim e disse que só queria o Rolex. Só que, no susto, esses rapazes podem atirar — disse Luxemburgo.
De acordo com investigadores, os ladrões de relógios de luxo têm comparsas que observam potenciais vítimas dentro de aeroportos e shoppings. Segundo um inspetor de uma delegacia da Zona Sul, que está trabalhando na identificação de receptadores da quadrilha e pediu para não ter o nome revelado, esses comparsas telefonam para bandidos que ficam em ruas próximas e fazem uma descrição de quem pode ser atacado. A equipe de reportagem do GLOBO conversou com o taxista que levou Pedrinho para Botafogo no dia do assalto. Sob condição de anonimato, ele contou que trabalha num ponto do Aeroporto Santos Dumont, onde o comentarista embarcou. O motorista lembrou que seu carro começou a ser seguido pelos criminosos no Aterro.
— Percebi que estávamos sendo seguidos, mas, na hora, achei que era coisa da minha cabeça, que a motocicleta poderia apenas estar pegando o mesmo caminho que o nosso. Mas, quando chegamos a Botafogo, os ladrões pararam meu carro. Um deles estava armado e disse “só queremos o relógio”. Acho mesmo que tem gente no aeroporto passando informações sobre passageiros que desembarcam no Rio com relógios caros — afirmou o taxista.
Um registro feito sexta-feira passada na 14ª DP (Leblon) indica que a mesma dupla que atacou Pedrinho agiu em Ipanema. Por volta da 1h30m, dois jovens em uma moto vermelha levaram o Rolex de um homem na esquina das ruas Barão da Torre e Joana Angélica. O relógio valia R$ 58 mil. Na delegacia, a vítima informou que, ao parar seu carro em frente ao prédio onde mora, um dos assaltantes bateu com um revólver no vidro da porta do motorista e exigiu a entrega do relógio.
Um caso semelhante ocorreu poucos dias antes na Barra: um empresário holandês procurou a Delegacia de Atendimento ao Turista (Deat), no Leblon, para comunicar o roubo de um Hublot avaliado em R$ 113 mil. O relógio também foi levado por dois homens que estavam numa motocicleta.
— Ele saiu do Shopping Leblon com um motorista particular. Os bandidos o seguiram até a Avenida das Américas, onde anunciaram o assalto. O motorista do turista relatou que, assim que retirou seu relógio do pulso para entregá-lo à dupla, um dos ladrões disse que não queria saber de acessório brasileiro, que só levaria o Hublot — informou Clemente Braune, delegado-assistente da Deat, acrescentando que a Polícia Civil cruzará dados de todos os assaltos para tentar descobrir se foram realmente praticados pela mesma quadrilha.
LADRÕES DISPENSAM PORSCHE
Na 16ª DP (Barra da Tijuca), foram feitos três registros de roubos de relógios de luxo. No mês passado, um advogado esteve na delegacia para informar que — outra vez — uma dupla numa motocicleta levou seu Rolex. Ele contou que, ao ser abordado, na Avenida das Américas, pensou que os assaltantes queriam seu Porsche conversível. Ele chegou a tirar a chave do veículo para entregá-la aos criminosos, mas um dos ladrões disse ‘‘o carro, não; só o relógio’’. Os outros dois boletins de ocorrência são referentes a casos ocorridos no Recreio.
Segundo a polícia, os ladrões de relógios de luxo têm contatos no exterior para negociá-los. A maior parte dos receptadores estaria na Argentina, nos Estados Unidos, em Israel, em países árabes e no Leste Europeu. Com equipamentos de ponta, eles raspam e alteram a numeração que aparece em caixas de relógios de séries limitadas. Esse código é remetido aos fabricantes quando um lojista fecha uma compra. Mas nem sempre o golpe é bem-sucedido: um relógio roubado este ano em São Paulo, avaliado em R$ 500 mil, foi encontrado em uma vitrine nos Estados Unidos. Os relógios que retornam ao Brasil com numeração alterada são entregues a pessoas que os vendem por valores até 40% mais baixos que os de mercado.
Segundo o Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM), que presta serviços a joalherias, relógios de séries limitadas chegam a custar R$ 2 milhões. São a marca, o material usado e a complexidade do mecanismo que determinam o valor de um acessório de luxo. No Shopping Leblon, há um Rolex à venda por R$ 1,3 milhão.
— São 500 peças em um relógio de 40 milímetros de diâmetro. Isso agrega mais valor que diamantes — disse uma vendedora.
SEGURO, SÓ COM CLÁUSULA DE ALTO RISCO
Apesar de os preços serem altos, é difícil conseguir fazer uma apólice de seguro para um relógio de luxo. Procuradas pelo GLOBO, três grandes empresas do Rio informaram que só aceitam contratos para peças que pertencem a acervos históricos ou que serão mostradas em exposições. Uma das únicas companhias que oferecem seguro em território nacional e também no exterior é a Shilton, sediada em São Paulo. De acordo com o corretor Eduardo Aizenstein, que trabalha há 25 anos no segmento, a empresa tem, hoje, 50 clientes que moram no Rio.
— Os relógios são incluídos em apólices que abrangem imóveis e carros. Entram numa cláusula que chamamos de “all risk” — disse Aizenstein.
O empresário Roger Duvivier, que mora no Leblon e tem um Rolex de R$ 180 mil, afirmou que o momento não é bom para usar seu relógio no Rio.
— Não tenho coragem. Lembro que a antiga gangue assassinou um arquiteto em Ipanema. Hoje, meu Rolex não sai do cofre. Só o coloco no pulso quando cruzo o portão de embarque do Galeão-Tom Jobim — afirmou Duvivier.
ANTIGO BANDO FOI ACUSADO DE HOMICÍDIO
Em 2011, a Polícia Civil desarticulou uma quadrilha que ficou conhecida como Gangue do Rolex, à qual foi atribuída a autoria de um assassinato. Naquele ano, foram presos Márcio Henrique Meira Silva, Cristiano Rodrigues de Andrade e Maria de Jesus Martins, acusados de serem os principais integrantes do bando. Porém, até hoje o esquema de receptação do grupo, que costumava agir em Ipanema e no Leblon, não é conhecido.
Márcio e Maria de Jesus foram localizados por investigadores na Praça General Osório, em Ipanema. Policiais encontraram o casal após a prisão de Cristiano, que estava foragido da Justiça há dez anos, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
De acordo com a polícia civil, Márcio participou da tentativa de assalto que resultou na morte do arquiteto Rômulo Castro Tavares. Ele foi assassinado com um tiro de pistola ao esboçar uma reação em frente à sua casa, na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, em 3 de setembro de 2011.
Fonte: O Globo online