"Saio da vida para entrar na História", escreveu Getúlio Vargas há exatos 60 anos, pouco antes de, com um tiro no coração, cometer um suicídio que abalou a política brasileira e marcou, como ele próprio previu, a História do Brasil. Para sempre a trágica morte do ex-presidente foi lembrada. Esqueceu-se, porém, que no mesmo dia, outra tragédia aconteceu, se não na política, no esporte. Um jogador da Portuguesa morreu em campo, vítima de um derrame cerebral em plena partida pelo Campeonato Paulista de 1954. Uma tragédia esquecida das manchetes e da História pela importância da outra. Enquanto o Brasil sempre lembrou de Getúlio, foi se esquecendo de Walter.
O zagueiro Walter jogava na Portuguesa de Desportos, recém mudado para São Paulo, quando sua morte veio, não por vontade própria. Mas foi no Rio, onde Getúlio se matou no mesmo dia, em que mais sentiram a tragédia, já que o jogador tinha origens na capital federal da época.
O jogador se formou na base do Flamengo, chegando a jogar no time em 1948 como ponta esquerda, para depois ser transferido para a defesa e para a Zona Norte da cidade. Em 1950 foi jogar no Madureira, depois no Vasco, para, finalmente, se transferir para a capital paulista e Portuguesa em 1953, onde era visto como um "cidadão respeitoso" e um "bom valor" do futebol brasileiro. Não pôde provar muito. Com 26 anos, teve a carreira interrompida em pleno jogo.
Portuguesa e Ypiranga jogavam pelo Campeonato Paulista de 1954. O relato é da época.
"Decorriam 35 minutos da primeira fase quando Walter sofreu uma falta do meia-direita Feijão, do Ypiranga, e foi ao solo. Imediatamente o zagueiro levantou e ele mesmo executou a cobrança da falta. Com a bola nas proximidades da área do Ypiranga, Walter adiantou-se no campo e somente com o rechaço da bola, foi que olhei novamente para o campo luso e vi Walter estendido no chão. O jogo seguiu, e vi Walter se levantar, mas ficou poucos minutos de pé, caindo pesadamente no solo", narrou com frieza, há 60 anos, Telémaco Pompeu, o juiz da fatídica partida.
Walter foi atendido pelo médico da Portuguesa e pelo massagista do clube, o famoso Mário Américo, que seria campeão do mundo com a Seleção quatro anos depois. Foi constatada a morte do jogador, que teria sofrido um derrame cerebral em campo de acordo com o diagnóstico da morte que ficou esquecida no passado.
O juiz e os jogadores só souberam do falecimento do colega após a partida, vencida pela Lusa por 3 a 0. O árbitro declarou aos jornais que, se soubesse antes, teria suspendido a partida temendo "dolorosa repercussão". E de fato a morte de Waltr seria a grande tragédia do dia, do mês, talvez do ano, não fosse tão importante o homem que resolveu meter uma bala no próprio peito naquela madrugada.
Os jornais cobriram a tragédia política com muito fervor, como era de se esperar. "O Globo" estampou a notícia do suicídio em letras garrafais. A morte do jogador da Lusa ficou tão sem espaço que o jornal voltou a falar sobre o derrame em campo dois dias depois, com mais espaço. Nem mesmo as suspeitas de que a falta de Feijão, meia do Ypiranga, teria sido capaz de matar Walter despertaram a atenção em uma semana que ficou marcada pelo luto pela morte do presidente da República.
O suicídio de Getúlio o fez sair da vida e entrar na história, e fez a morte de Walter cair no esquecimento do grande público.
Fonte: ESPN.com.br