Um título estadual não era novidade para Rodrigo. Por onde passou, com exceções da Ponte Preta, clube que o revelou, e do Vitória, time pelo qual foi vice-campeão em 2012, comemorar tais êxitos sempre foi normal: Campeonato Paulista (São Paulo), Carioca (Flamengo), Gaúcho (Grêmio e Internacional), Goiano (Goiás). Em 2014, delineava-se mais um para a lista. Mais um no Rio de Janeiro. Desta vez, um efetivo, já que, por conta de uma fratura no braço, mal participou da conquista rubro-negra em 2008. Mas a história não seguiu a linha que estava acostumado na carreira. O Vasco vencia por 1 a 0. Aos 44 do segundo tempo, o músculo da coxa esquerda "parecia que havia estourado". O atendimento médico à beira do gramado fornecia uma visão periférica. Deitado, o zagueiro assistiu àquilo que nenhum vascaíno queria ver. Léo Moura cobrou escanteio, Wallace, que provavelmente estaria marcado por ele, cabeceou no travessão, e Márcio Araújo completou para o gol.
A posição irregular do autor do gol enfureceu os vascaínos, mas não havia tempo para mais nada. O título era do rival. Um dos questionamentos após a decisão foi se Wallace teria conseguido cabecear se Rodrigo estivesse em campo. Em entrevista ao GloboEsporte.com, na tarde da última segunda-feira em São Januário - antes da derrota para o Vila Nova na terça -, o zagueiro falou a primeira vez sobre o lance.
- Eu acho que nunca falei sobre isso depois da final. A forma como nós perdemos, ou melhor, a forma com a qual tiraram o título de nós foi cruel. Todo mundo ficou questionando se eu devia estar ali na hora ou não, mas é um lance de bola levantada na área que já treinávamos há muito tempo. Se assistirmos ao vídeo de novo, vamos ver que o Guiñazu, que é nosso primeiro homem de marcação, no primeiro pau, já sai muito para deixar o adversário impedido. Para que o bandeira não tenha nenhuma dúvida. Simplesmente, foi uma coisa que treinamos bem, e, por fim, o bandeira errou - explicou o defensor.
O Xerife, apelido que divide com o argentino Guiñazu no Vasco, parece ter superado a amarga final do Campeonato Carioca. Não só ela, como outros problemas que enfrentou durante a temporada: lesões. De volta à equipe, o titular absoluto de Adilson Batista enxerga o elenco cruz-maltino como "melhor do que alguns da Série A". O retorno à elite do futebol brasileiro é o principal objetivo e, segundo ele, tem tudo para se concretizar.
No dia 27 deste mês, Rodrigo completa 34 anos. Não fosse pelo outro Xerife, seria o mais velho do elenco. Com a postura firme e sisuda em campo - mas bem humorado fora dele - o zagueiro encara a própria experiência como benéfica para a garotada do Vasco e se diz um vinho - aquele que, segundo Rodrigo, "se toma no auge da maturidade".
Confira a íntegra da entrevista de Rodrigo.
O que te motivou a vir para o Vasco sabendo que o time disputaria a Série B do Campeonato Brasileiro? Recebeu outras propostas?
- Quando eu recebi o convite, o Rodrigo (Caetano) já estava aqui. Eu tinha algumas propostas, mas eram aquelas famosas propostas de boca, não tinha nada concreto. As conversas que mais avançaram e tiveram fundamento foram as com o Rodrigo, de vir para o Vasco. Independentemente da Série B, eu queria jogar aqui. É um time grande. Já estive lá do lado do nosso rival (Flamengo) também e ouvia falar que os dois times têm torcidas muito fortes aqui no Rio de Janeiro. Eu queria voltar a jogar em um time de expressão e vi a oportunidade no Vasco.
Na decisão do Campeonato Carioca foram dois golpes para você: a lesão e o lance que tirou o título do Vasco, em que você estava recebendo atendimento à beira do gramado. Se você estivesse em campo, estaria provavelmente marcando o Wallace. Você ficou repassando isso na sua cabeça?
- Eu acho que nunca falei sobre isso depois da final. A forma como nós perdemos, ou melhor, a forma com a qual tiraram o título de nós foi cruel. Todo mundo ficou se questionando se eu devia estar ali na hora ou não, mas é um lance de bola levantada na área que já treinávamos há muito tempo. Se assistirmos ao vídeo de novo, vamos ver que o Guiñazu, que é nosso primeiro homem de marcação, no primeiro pau, já sai muito para deixar o adversário impedido. Para que o bandeira não tenha nenhuma dúvida. Simplesmente, foi uma coisa que treinamos bem, e, por fim, o bandeira errou. Mas apesar de nós não termos conquistado o título, acho que resgatamos um bom ambiente para o clube no Campeonato Carioca. Quando cheguei aqui, o clima estava pesado. Com a queda do ano passado, o ambiente realmente estava ruim. O estadual foi fundamental. A torcida reconheceu tudo o que fizemos, o empenho de todo mundo e o nosso conjunto dentro de campo.
Desde que chegou ao Vasco, você sofreu mais de uma lesão. No Flamengo, jogou pouco por causa da fratura no braço. Como lida com isso? As lesões causam medo e insegurança ou é algo que já trata com naturalidade?
- Medo nenhum. Até quando eu tive aquela lesão mais grave, os profissionais já me deixaram tranquilo depois dos exames. Eu acho que trabalho muito bem com pressão. Em toda a minha carreira, nunca tive uma área de conforto. Comecei na Ponte Preta, e lá é difícil de jogar, eles têm uma torcida exigente. No ano passado, eu joguei quase todo o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil. Acho que só fiquei de fora de três partidas no ano com o Goiás. Vim para o Vasco e já comecei a jogar novamente, quarta e domingo. A coisa foi sobrecarregando, e aconteceu a lesão. Bem na final do Carioca. Depois eu tive outra lesão e, na volta da paralisação para a Copa, eu parei por uma semana para fazer um reforço. Todo mundo tratou como uma nova lesão, mas eu na verdade estava fazendo um reforço. Pretendo não me lesionar mais. Essa parada para a Copa me ajudou bastante.
Você foi uma das pessoas que mais defendeu o Adilson Batista quando o técnico foi criticado ao longo da temporada. Como você analisa o trabalho dele no Vasco?
- Tudo o que eu falei defendendo o Adilson está se mostrando verdade agora. O problema do nosso time não era o Adilson, e sim outros problemas, as lesões, os mandos de campo que perdemos. Não jogávamos em São Januário, onde somos muito fortes. Sofremos muito. Quando os resultados não aparecem, tudo vai para cima do treinador. Mas teve a parada para a Copa, recuperamos todos que estavam machucados, e chegaram os reforços. Assim, o Adilson pôde continuar o trabalho que estava fazendo bem no Carioca.
De umas rodadas para cá, o Adilson mudou o esquema de três volantes e começou a colocar o Dakson ao lado do Douglas. Você acha que a zaga fica mais desprotegida? O que muda?
- Eu acho que não fica. Nosso time tem uma característica de todo mundo marcar. Quando não estamos com a bola, ficamos muito compactos. Esse é o segredo. Faltam coisas, mas encontramos um padrão de jogo. Eu cito muito o estadual, porque aquele era o nosso caminho. É a forma que jogamos desde o começo do ano. Mudaram alguns jogadores, mas não mudou a nossa forma.
O Vasco tem a defesa menos vazada da Série B. Você, Douglas Silva e Luan são os nomes mais presentes na defesa durante a temporada. Qual a sua contribuição para o rendimento do Luan, um jogador que é mais novo do que você?
- Eu já tinha uma experiência bacana com um cara mais novo do que eu, que era o Ernando, no Goiás. Bem dizendo, só mudou o jogador. Eu gosto de jogar com o Luan, porque ele é um cara que ouve o que você fala. Às vezes, você fala algo para um garoto, entra por um ouvido e sai pelo outro. O Luan manteve o foco, mesmo aparecendo mais no mercado. Acho que isso o ajudou a estar no patamar de hoje, de titular do Vasco. Uma coisa contribuiu com a outra. Eu com a experiência, ele com a juventude e também com a vontade de aprender. Para estar no Vasco, tem que ter qualidade. Depende muito da consciência do jogador. Tem que pegar o momento e aprender.
Você disse que a defesa formada por você e Luan junta experiência e juventude. E você e Douglas Silva? Seria a zaga da experiência?
- Quando chegou aqui, ele estava se recuperando de uma cirurgia no joelho, se não me engano. Ele precisava de um ritmo. E foi na minha saída que ele conseguiu ir bem no time. Eu sigo a mesma linha de pensamento do Adilson. Ele conta com nós três. Eu gosto de frisar que vaidade não tem espaço no nosso time. Não tem essa de tirar e o cara ficar bravinho. Se você fica assim, acaba não treinando bem, pensa que o treinador está de sacanagem. Isso não aconteceu com o Luan, com o Douglas Silva, nem com ninguém da zaga.
Daqui a uma semana, você completa 34 anos. Você se sente um velho perto da garotada? Eles brincam com você em relação a isso?
- Não parece que vou fazer 34, né? Eu sou um vinho! (risos). Se toma no auge da maturidade. Eu tive passagens por times grandes e acabei pegando alguma coisa. Nós aprendemos um pouco aqui e ali. Não me sinto velho, e o pessoal não me zoa, porque tem outros aí também (risos). Tem o Guiñazu, o Kleber, o Douglas, e nós entramos nas brincadeiras dos mais novos. Nós temos um ambiente muito bom. Mas tem hora que você tem que entrar com sua seriedade. Muita brincadeira, às vezes, pode não ser bom. Tem vezes que pedimos para segurar, mantemos a concentração.
E o apelido de “xerife”? Você e Guiñazu acabaram dividindo essa alcunha. São merecedores?
- Eu gosto. Eu e Guiñazu brincamos com isso. No campo, ali atrás, se você não falar e orientar, o pessoal fica perdido. O Guiñazu fala: “Vamos, Xerife, vamos falar”. Senão, morre, dá aquela baixada no clima da turma. Mesmo que não saiba o que falar, tem que gritar, pedir pelo amor de Deus (risos). É bacana essa liderança.
Pela sua postura firme dentro de campo, muitas pessoas acham que você é marrento. Já te falaram isso?
- Não, cara! (risos) A turma vê muito isso dentro de campo, eu falando sério, gritando, mas eu sou muito tranquilo. Na rua, fico mais na minha, porque no Rio tem mais de uma grande torcida, e eu evito piadinhas. Coloco meus óculos escuros e sigo em frente. Se não me chamar ou chegar perto, eu não vou dar bola.
Você e Douglas são muito amigos, ele próprio fala isso. Como é a parceria de vocês?
- Eu joguei com ele no Grêmio, em 2009, e nós já passamos de amigos. Ele é meu compadre. Temos um laço de família, passamos final de ano juntos, viajamos juntos. Quando eu estava para vir para cá, ele foi uma das pessoas com quem conversei. Um ajuda o outro com o maior prazer.
Ano passado, com o Goiás, você eliminou o Vasco na semifinal da Copa do Brasil. O que acha do elenco para essa edição? Acredita que as contratações como o Kleber e até o Maxi Rodriguez deixam a equipe em um novo patamar?
- Eu vejo muitas opiniões divididas. Tem gente que diz que temos um elenco de Série A, mas que joga na Série B. Outros não acham isso. Não é só porque o Vasco está na Segunda Divisão, mas eu acho que nós temos elenco melhor do que alguns times da Série A. Uns cinco vêm à minha cabeça, não vou falar os nomes. Mas não deixamos a desejar. Tem uns aí que, olha... Difícil. Eu gosto de ver futebol. É difícil ver um jogo como o que fizemos contra o Ceará no sábado passado (vitória do Vasco por 2 a 0) e pegar um ruim de Série A no domingo.
Com essa turbulência política no clube e a aproximação das eleições, você teme mudanças?
- Olha, o que nós jogadores sabemos é que o presidente é o que está no cargo, que é o Dinamite. O que sabemos é que temos um presidente. É difícil ficar opinando no que não estamos por dentro. Lemos algumas coisas aqui e ali, mas o que fazemos mesmo é respeitar quem está no cargo.
O Vasco deve um mês de salário para os jogadores. Essa questão te preocupa?
- Tudo o que é falado é cumprido. Você não vai me ver falando de salário, porque o Rodrigo (Caetano), que trata disso diretamente com os jogadores, cumpre tudo o que fala. Se está falado, se é tal dia, é tal dia. Se não vai dar para ser, não vai ser.
O que dá para ver é que vocês confiam no Rodrigo Caetano. Em um momento de instabilidade, chegou a se falar em uma possível saída dele. Como vocês reagiram a essa especulação?
- Quando aparece uma notícia como essa, não temos motivos para questionarmos um profissional como o Rodrigo. Pelo caráter dele, se fosse sair, falaria com todo o grupo.
Fonte: GloboEsporte.com