Paulo Miranda relembra Vasco x Paraná que acabou antes do tempo regulamentar em 1999

Sábado, 02/08/2014 - 09:39
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No dia 19 de setembro de 1999, Vasco e Paraná Clube se enfrentavam pela décima-quarta rodada do Campeonato Brasileiro, ainda no sistema antigo em que se classificavam as oito primeiras equipes para o mata-mata da fase final, com aquele falido sistema de rebaixamento através da média de pontos conquistados entre os torneios de 1998/99.

Como o Paraná tinha escapado da Série B em 1998 na última rodada, era obrigado a realizar uma campanha quase perfeita no ano seguinte para poder permanecer na primeira divisão, e cada partida era encarada como uma final. O Vasco, por sua vez, tinha um elenco de luxo, com Mauro Galvão, Juninho Pernambucano, Edmundo, Donizete e Paulo Miranda, atleta formado na base do Tricolor e que engrenava uma carreira vitoriosa em grandes clubes. O time carioca também vinha como pleno favorito a ganhar este campeonato, já que nos dois anos anteriores tinha conquistado o Campeonato Brasileiro de 1997 e a Libertadores de 1998.

Para a “Batalha de São Januário”, o clima começou com a festa dos mais de 30 mil torcedores que ocuparam o recinto da Colina e viram a homenagem prestada ao, então técnico vascaíno, Antônio Lopes, que completava 500 partidas no comando da equipe do Rio de Janeiro e ganhou uma placa do polêmico presidente Eurico Miranda. Tudo lindo até o apito inicial, nas mãos do jovem Paulo César de Oliveira, que se destacava como uma das grandes revelações da arbitragem brasileira e acabara de ingressar no quadro da FIFA.

O Vasco foi superior nos primeiros minutos, e ainda na etapa inicial abriu o placar com um belo gol de Edmundo. O Paraná tinha um time forte, vinha de um vice-campeonato paranaense (perdido inexplicavelmente contra o time verde) e um vice da Copa Sul, recheado por craques da base como Reginaldo Vital, Everaldo e Milton do Ó, junto a experientes ícones como Jorginho, Washington, Pingo, Fernando Diniz, e o eterno ídolo Régis. Jogando de igual para igual, o Tricolor teve a primeira vantagem no jogo depois que Juninho Pernambucano foi expulso após receber o segundo cartão amarelo por simulação de pênalti. A partir daí, os ânimos começaram a se exaltar.

Correndo atrás do placar, o Tricolor foi pra cima e pressionou com personalidade chegando a merecer o empate já no começo do segundo tempo. O meia do Vasco, Alex Oliveira, também foi expulso depois de receber o segundo amarelo, e com dois jogadores a mais, a zaga ficou exposta para o Paraná. O nosso técnico era Valdir Espinoza, que leu bem a partida e ingressou o garoto Everaldo em campo como um talismã, que minutos depois empataria a partida com um gol de cabeça, e abriria o caminho de uma grande virada.

Quando aos 42 minutos da etapa final o Vasco teve seu terceiro jogador expulso, depois que Mauro Galvão esqueceu da bola para agarrar o jogador tricolor na entrada da área, aconteceu uma das situações mais vergonhosas da história do futebol brasileiro. O “chefão”Eurico Miranda simplesmente invadiu o gramado, foi em direção ao árbitro e criou uma confusão que poderia ter passado a maiores pelo contágio que causou na ensandecida torcida vascaína, que também quase copiou a atitude do seu presidente. Chamando Paulo César de Oliveira de irresponsável, por causa das suas expulsões, Eurico Miranda não deixou o jogo continuar, e faltando pelo menos uns sete minutos (com os descontos) em que o Paraná tinha todas as condições para vencer o jogo, impediu a vitória do Tricolor e deixou uma mancha negra (das milhares) na organização do futebol nacional.

Como já era esperado, o resultado de 1×1 foi mantido. O Vasco não perdeu os pontos da partida e o Paraná acabou sendo rebaixado neste ano sem esta provável vitória que poderia ajudar o clube a permanecer na elite por mais um ano. Bom, depois veio a palhaçada da Copa João Havelange que no final foi até benéfica para o Tricolor, que acabou conquistando seu segundo título brasileiro na segunda divisão do ano 2000. Por algo as coisas acontecem. Só que este acontecimento de quase 15 anos atrás ficou marcado, e agora, 2014, enfrentando novamente o Vasco em São Januário (estádio que nos rebaixou em 2007 também), nenhum dirigente poderá tirar do Tricolor esta vitória que pode ser a guinada para o nosso acesso. Ainda acredito! Falta muito chão pela frente.

Para relembrar este fato grotesco na cronologia do Paraná, ninguém melhor que um jogador que esteve lá em São Januário em 1999, jogando no lado contrário, mas com raízes no Tricolor por ter sido revelado na base estadual mais vitoriosa dos anos 90. Paulo Miranda fez parte da safra que produziu craques como Ricardinho e Lúcio Flávio, entre outros, e depois de ter rodado por vários clubes importantes na sua carreira (menos um), até na Europa, hoje passou para o outro lado do gramado trabalhando como técnico neste seu novo desafio. Ainda está engatinhando na profissão, treinando atualmente o Francisco Beltrão na disputa da Série Prata do Campeonato Paranaense, depois de passagens pelo futebol catarinense e rondoniense. Gentilmente, contou como foi esta batalha no Rio de Janeiro, e ilustrou mais ainda o seu sentimento nesta insólita partida do futebol brasileiro.

Como foi o seu sentimento naquela partida vendo tudo o que aconteceu com a invasão de campo do Eurico Miranda, jogando pelo Vasco e contra o Paraná, time que te revelou para o futebol?

Aquela partida foi muito difícil. São Januário estava completamente lotado e era a partida de número 500 do Antönio Lopes, o nosso treinador, que ganhou uma placa também. Então, teve toda aquela movimentação, aquela festa, grande quantidade de policiais…o Vasco tinha uma equipe muito forte naquela época, e o Paraná também tinha uma boa equipe. Foi um jogo muito confuso, com vários expulsos, pênaltis não marcados, de marcação forte. Eu lembro que após o jogo, conversei muito com meus companheiros, analisando que se o Eurico Miranda não tivesse invadido o campo, o Paraná podia muito bem ter ganho aquela partida. Mas todos sabiam como o Eurico era, um vascaíno nato, que protege muito o Vasco, e naquele momento ele achou que a equipe seria prejudicada. Claro que foi errado o que ele fez, mas nós que estávamos defendendo a camisa do Vasco, mesmo pensamos que o Paraná tinha muitas chances de acabar vencendo aquela partida.

No final do jogo, você deu uma entrevista dizendo: “dirigente deles, estádio deles, eles fazem o que quiserem”. Parecia que você também estava em desacordo com aquela invasão do Eurico, falando até em terceira pessoa, como se também tivesse sido prejudicado. Foi esse o seu sentimento? Teve um pouco de ironia na sua declaração?

Naquele momento, defendendo a camisa do Vasco, um clube em que eu conquistei vários títulos, é lógico que qualquer jogador ou torcedor não gostaria de ver um dirigente entrando dentro do estádio, coisa que hoje em dia é quase impossível de acontecer. O Eurico Miranda é muito vascaíno, defende muito o Vasco e naquele momento achou que era o certo entrar dentro de campo. Naquele momento, no final do jogo, eu dei a entrevista e disse aquilo porque não gostei da atitude do Eurico, mas como atleta, e sabendo da paixão dele pelo Vasco, eu entendi porque ele invadiu o campo, mesmo sabendo que era errado. Lógico que ainda faltavam alguns minutos e tanto o Paraná como o Vasco poderiam fazer um gol ainda. Mas foi um momento inesquecível para mim, jogar contra o Paraná, que era um baita clube naquele momento, onde eu me criei nas categorias de base e tenho muito carinho. Então, na entrevista, quando eu disse aquilo, talvez tenha vindo uma lembrança da minha infância no Paraná Clube.

Como estava o clima entre os jogadores entro de campo? Teve muito atrito e provocações?

Como aquela partida era muito importante, dentro de casa o Vasco era muito forte e tinha uma torcida que cobrava muito, era muito exigente, então era uma decisão mesmo, com o estádio lotado. É claro que entre os atletas tinha um marcaçao mais forte, de repente acabava tendo alguma provocação ou xingamentos entre os atleta. Dentro de campo foi um jogo muito pegado e teve provocação dos dois lados. O árbitro também deixou a desejar em alguns lances, prejudicou as duas equipes, e se ele tivesse controlado melhor a partida talvez tivesse sido diferente o final.

O Eurico Miranda conversou com vocês no vestiário depois do jogo?

O Eurico sempre foi assim, falando muito alto no vestiário, sempre com aquele charuto na mão, estilo chefão, e ele entrou feliz no vestiário, dizendo que em São Januário era muito difícil prejudicar o Vasco, porque ele protegia muito os atletas e o clube. Era o jeito dele.

O Eurico Miranda vai tentar se eleger novamente presidente do Vasco este ano. Você acha que se ele ganhar, pelo histórico que tem, pode haver alguma ameaça ao futebol brasileiro de que eventos como este de 1999 voltem a ocorrer?

Eu acredito que como tudo mudou no futebol, pode ser que ele tenha mudado também. Eu não vou falar sobre as polêmicas dele porque todo mundo já sabe. Ele é um vascaíno doente, um dirigente que defendo o Vasco, ele montou aquele elenco forte que tinha Romário, Edmundo, Junior Baiano.., disputamos um Mundial com ele, e o Eurico marcou muito o Vasco, tanto positiva como negativamente. Eu, sinceramente, não posso reclamar dele no tempo que eu joguei no Vasco, porque ele sempre defendeu muito os atletas, sempre me elogiou, fui vendido para o Bordeaux-FRA através dele. E hoje, com o Roberto Dinamite na presidência, as coisas não andaram muito bem e isso exige mudanças, como o Eurico que está concorrendo e é um grande nome para conquistar a presidência do Vasco. Tem que votar como nós fazemos ao eleger o presidente do Brasil, saber quem que realmente pode fazer bem para o seu clube ou país. Mas ele voltando vai ser como ele sempre foi, protegendo o Vasco e colocando o time onde jamais deveria ter saído, defendendo a instituição, com organização, como o Vasco era. Então, eu espero que possa ou ele voltar, ou outro presidente, mas sempre buscando a melhoraria do Vasco, que é um clube muito grande e que eu aprendi a gostar também.

Você acha que o Paraná tem chances de ganhar do Vasco lá no São Januário, este sábado próximo?

O futebol mudou muito. Hoje em dia, com uma tática muito obediente, um time deve ter jogadores com qualidade para enfrentar qualquer adversário. Não é fácil jogar contra o Vasco em São Januário, a torcida em cima, principalmente depois de estarem tanto tempo longe do estádio pela suspensão que o clube teve. Mas eu acho que o Paraná tem sim chances de chegar lá e jogar de igual para igual. O Vasco pode ter tradição, mas o Paraná também tem, e se jogar da maneira como tem jogado nos últimos jogos, pode muito bem sair com uma vitória.

Analisando a atualidade do Paraná Clube, o que você acha deste caminho da comissão técnica em resgatar a base do clube e utilizar vários jogadores jovens no time profissional?

Principalmente hoje, que eu virei treinador já há um ano, observo muito o futebol, e acho que a situação para resgatar o Paraná é essa: trabalhar a base. O Paraná sempre revelou muitos jogadores na base, vários jogadores muito bons surgiram da base, o Paraná tinha uma estrutura muito grande junto com jogadores experientes como o Saulo, o Adoílson, João Antônio…e ganhávamos tudo. Uma época muito boa. Eu vejo que o Claudinei entende bastante da base, assim como o Luciano, que faz parte da comissão da base do Paraná e jogou comigo nos juniores. Eles estão vendo que a solução é essa, de resgatar a base. Aquele trabalho simples que tinha e hoje não tem, e tem que ter paciência com a base, montar uma equipe jogando nos juniores como se joga no time profissional, para que quando o jogador suba de categoria esteja preparado. Então, eu acho que o caminho é esse para o Paraná, um clube que eu aprendi muito a gostar quando estava lá, comprei um camarote para ajudar o clube, e tenho um enorme carinho. Eu sofro muito quando vejo estas notícias de atraso de salários, e tomara que a administração seja para este lado, resgatando a base e acabando com esta má fase.

Como está sendo encarar este seu recente desafio como técnico de futebol?

Sinceramente, antes eu não tinha este pensamento de ser treinador. Tinha o objetivo de seguir no futebol, quem sabe agenciando jogadores, mas eu tive uma conversa com o Abel Braga, a mais ou menos um ano e meio atrás, quando ele estava no Fluminense disputando um torneio nos Estados Unidos, e eu tive a oportunidade de conversar com ele e fazer um estágio. Também estive com o Marcelo Oliveira, porque o Cruzeiro estava lá no mesmo torneio dos Estados Unidos, na época da Copa das Confederações, em 2013. Eu vi que tinha o perfil, e de lá pra cá treinei o Oeste de Santa Catarina, da terceira divisão, para aprender, e as coisas foram acontecendo rápido. Treinei o Gênus, lá em Rondônia, e fizemos uma boa campanha. E hoje eu estou no Francisco Beltrão, na segunda divisão do Paranaense, comecei agora, faz 20 dias, e estamos montando uma equipe ainda. Jogamos contra o Nacional de Rolândia agora no fim e semana, e no campeonato, de oito times se classificam seis, e esperamos fazer uma boa campanha para eu mostrar também meu trabalho como treinador. Mas não tenho pressa, estou trabalhando, aprendendo bastante e usando a experiência que eu tive como atleta para quem sabe um dia ter muito sucesso na profissão.

Qual foi sua partida inesquecível como jogador do Paraná?

Acredito que pela importância, jogando fora de casa, foi contra o Flamengo (1996). Conquistei vários títulos pelo Paraná, todos importantes, mas tínhamos uma grande equipe, e quando chegávamos na final era quase certo que conquistaríamos o campeonato. Mas se tratando de jogar no Maracanã, na época, contra uma grande equipe como o Flamengo, ganhar por 4×1 com um gol meu, outro do Ricardinho, que estava começando no profissional também, e marcou um gol com um passe meu, esta partida foi inesquecível para mim.

O futebol realmente mudou, e o Vasco já não é mais este bicho-papão da época do Paulo Miranda. Mesmo jogando fora de casa, acredito muito na vitória do Tricolor, e espero que esta mescla de equipe, com jogadores experientes e talentos da base, possa fazer ressurgir a nossa hegemonia dos anos 90. Ainda dá! Fé no acesso!



Fonte: Blog Pra semPRe meu amor - GloboEsporte.com