A fragilidade da base é apontada como um dos problemas que fizeram o Brasil cair do topo. Os profissionais dos primeiros degraus do futebol nacional pedem a mão à CBF para a seleção voltar a subir. Na sequência de um dos maiores tombos de todos os tempos em Mundiais, diante da Alemanha, a chance da inovação do comando da equipe principal ficou pelo caminho, assim como a criação de uma unidade nas divisões inferiores, uma escola de estilo de jogo brasileiro, perdido ao longo dos anos. Dirigentes de Fluminense e Vasco e o técnico do sub-20 do Flamengo pedem um campeonato brasileiro de base mais competitivo, maior qualificação dos quadros técnicos, proteção ao êxodo precoce e a valorização do talento em detrimento da força.
Formar jogadores que deem retorno técnico para clubes e seleções ou revelar simplesmente para vender? Manter o talento para recuperar o investimento a longo prazo ou priorizar o alívio financeiro imediato? As questões sobre os tesouros das bases nacionais são tão diversas quanto o método de ensino do futebol. Sem teoria definida, o Brasil deixou o estilo de lado para recuperar o tempo perdido em relação à política de resultado a todo custo praticada na Europa há anos. Quando os europeus resolveram jogar um pouco como os brasileiros jogavam no passado (Espanha, por exemplo), o país ficou ultrapassado. Novamente.
— Cada clube faz de um jeito, e isto dificulta a formação de uma identidade nacional, como aconteceu com a Espanha, com a Alemanha... Não há estilo de jogo definido, não há padrão brasileiro — declarou Marcelo Teixeira, gerente de futebol do Fluminense.
INVESTIMENTO EM INTERCÂMBIO
Clube com maior número de jogadores (Marcos Felipe, Marlon, Gérson e Kenedy) convocados pelo técnico Alexandre Gallo, da seleção brasileira sub-20, para o Torneio Internacional de Futebol, no próximo mês, em Valencia, na Espanha, o Fluminense precisa sair do país para mostrar aos seus jogadores o que, no passado, o Brasil costumava ensinar ao mundo. Atualmente, o time de juniores está na Alemanha, disputando amistosos para não correr o risco de ficar parado e defasado em relação ao restante do mundo.
— O Fluminense se especializou muito e pode ser considerado um dos melhores do Brasil em trabalho de base. Isto porque passamos a investir na internacionalização, no intercâmbio. Precisamos qualificar nossos jogadores lá fora, ao invés de ficarmos em Xerém e jogar só o Carioca sub-20. Na Europa, quase todo time grande tem uma equipe B para jogar a Segunda Divisão. Até no Paraguai, na Argentina e no Uruguai. É o básico, mas que não fazemos no Brasil. É uma questão cultural. O Real Madrid Castilla (time B merengue), por exemplo, era treinado pelo Fernando Morientes. Agora, o Zidane poderá assumir. Quando um cara da categoria deles aceitaria treinar a base no Brasil? Na Europa, qualquer clube tem ex-jogadores na comissão técnica. No Brasil, a maior parte é formada por profissionais de educação física, o que já chama a atenção — declarou Teixeira.
A constatação de que a força e o preparo físico podem ter prioridade na formação dos jogadores assusta quem esteve em campo. Coordenador das categorias de base do Vasco, o ex-zagueiro Mauro Galvão faz um alerta.
— A educação física não pode se sobrepor à técnica. Se ele não jogou, não tem como saber — ressalta Galvão, lembrando que, no Vasco, o ex-jogador Sorato é o técnico dos juniores.
Além da questão força x talento, o ídolo do Vasco, campeão da Libertadores, em 1998, identifica outros dois problemas que, há anos, pareciam acontecer somente com os outros países:
— Acreditamos nesta safra de jogadores, mas observamos um problema nela: existem deficiências em várias posições. No ataque, por exemplo, não temos jogadores com aquela aptidão para o gol, com o arranque do Careca, do Ronaldo, do Romário. Só temos jogadores que caem pelos lados. Outro ponto crucial é a saída prematura. Na nossa safra, por exemplo, revelamos o Philippe Coutinho, Alan Kardec e Alex Teixeira. Nenhum deles está mais conosco. Os clubes estão desprotegidos e precisam fazer uma engenharia danada para segurar o jogador. Aí, vem um cara, assina com ele e leva...
NECESSIDADE DE EXPERIÊNCIA
Técnico do sub-20 do Flamengo, Marcelo Buarque lembra que o maior ídolo rubro-negro foi inteiramente preparado pelo clube antes de estourar.
— O Zico “aconteceu”, mesmo, com 23 anos. Ele teve a sua formação toda feita na Gávea. Hoje, às vezes, os jogadores nem passam pelo juniores e já deixam o clube. Começam na base e, na hora da lapidação, vão concluir a formação no exterior, deixando o clube e a seleção sem um estilo de jogo definido. Depois, eles voltam para jogar uma Copa com a seleção e muitos brasileiros, a maioria, até, sequer viram um jogo deste jogador no país. Eles saem jovens e perdem a característica nacional — explicou Buarque.
Campeãs sub-21 do Torneio de Toulon, e da Panda Cup, na China (sub-20), as seleções de base ainda têm que mostrar a mesma eficiência em uma competição de maior peso. Para que se tornem realidade, os jogadores precisam de experiência no andar de cima. Dos 24 convocados recentemente por Alexandre Gallo, três jogaram na equipe principal. Gallo diz haver um vácuo que impede que alguns jogadores sub-20 de ganhem espaço na seleção principal e cheguem para disputar as Olimpíadas, título que o Brasil não tem, com experiência. E, mais importante, com a filosofia de jogo unificada.
— A discussão precisa ser voltada para a implementação de um modelo. As pessoas envolvidas têm que debater o problema. Os clubes precisam de um campeonato de base mais competitivo durante o ano — disse Buarque.
Fonte: O Globo Online