Familiares de Barbosa, Ademir e Jair falam sobre a Copa do Mundo de 1950

Domingo, 29/06/2014 - 12:11
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Um dos jogos inesquecíveis da História das Copas. A primeira final entre dois países latino-americanos. De um lado, o campeão do mundo Uruguai. Do outro, o aspirante Brasil. Quem viveu o 'Maracanazo' não esquece. A frustação daquele 2 a 1 diante de 200 mil pessoas segue como uma ferida aberta. Passaram-se 64 anos, o Brasil sedia de novo um mundial e, com ele, há a possibilidade da redenção. Nenhum dos jogadores brasileiros de 1950, no entanto, poderá vivenciar novamente a emoção - do Uruguai, vive apenas Ghiggia, justamente o carrasco da seleção. Eles se foram, mas deixaram para seus descendentes valiosas lições. Se o Brasil entrar no mesmo Maracanã no próximo 13 de julho, seja qual for o adversário, a única certeza que se tem é a de que será preciso espantar nossos próprios fantasmas.

A maior lição que ficou da derrota foi que futebol não se ganha fora das quatro linhas. E essa Copa está aí para provar isso. O exemplo mais emblemático é o da atual campeã Espanha, que deu adeus ao sonho do bi ao ser eliminada no segundo jogo da fase inicial.

Em 50, a certeza de que o Brasil seria coroado - afinal, a seleção só precisava de um empate com o Uruguai para deixar a taça em solo nacional - fez com que o volante Bauer vendesse sua passagem de volta para São Paulo. Após a derrota, ele teve que voltar escondido, de penetra, no chão do trem.

- Um repórter convenceu meu pai a vender a passagem, pois iria seguir com ele, campeão, por um tour no mundo inteiro. Quando entraram no último jogo, já estava tudo combinado para o momento em que o Brasil ganhasse - conta Sylvia Bauer, filha do jogador que fez história na Copa e ficou conhecido como o "monstro do Maracanã" por suas brilhantes atuações. - Futebol é futebol, o resultado só é definitivo depois da partida.

A mesma história relata Carlos Eduardo Bauer, terceiro dos quatro filhos que Bauer teve com a esposa, Elza:

- Antes de a Copa começar, o prefeito do Rio na época (Mendes de Moraes) fez um discurso dizendo que tinha feito a parte dele ao entregar o Maracanã, e que os jogadores agora tinham que levantar a taça. Eu acho que esse foi um dos fatores que fizeram com que o Brasil perdesse.

O clima de já ganhou era tão contagioso que no dia anterior à final a seleção brasileira viveu uma comemoração antecipada. Por ironia, a única que teriam aqueles 11 jogadores. Em São Januário, onde a equipe ficou hospedada, políticos, repórteres e personalidades da época fizeram a festa com a seleção.

- Acho que a grande lição é mesmo não comemorar antes da hora - aconselha Luciane Ferreira de Menezes, sobrinha de Ademir Menezes, o artilheiro da Copa de 50, com nove gols. - O que os meus parentes diziam é que na noite anterior ao último jogo ninguém dormiu. Foram da farra para o Maracanã. Nem almoçaram antes do jogo.

Para os familiares de Bauer, Jair, Barbosa e Ademir Menezes, a lembrança da dor é enorme, mas não há espaço para assombração.

- Isso não tem nada a ver, era uma época diferente, não tem assombração nenhuma. Os jogadores são novos e não vão pensar nisso - diz Luiz Antonio Pinto, filho de Jair, meia da seleção em 50.

O que sobra, no entanto, é mágoa. Na segunda vez em que o Brasil sedia um Mundial, nenhuma homenagem, menção ou convite chegou até os familiares.

- Acho que eles têm medo de falar da Copa de 1950. Se o Brasil perder, só espero que os jogadores não sejam crucificados como naquela época. Eles sofreram muito - afirma Mariana Zaed Pinto, neta de Jair.

De lá para cá, a seleção brasileira conquistou cinco titulos e é a única pentacampeã do mundo, mas a lembrança daquela Copa segue intacta. Foi o primeiro vice-campeonato de um anfitrião em casa. Depois do Brasil, só a Suécia repetiu esse feito nada almejável.

De heróis, o técnico Flávio Costa e os 11 jogadores (Barbosa, Augusto, Juvenal, Bauer, Danilo, Bigode, Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico) viraram os grandes vilões da nação. Mas, sem dúvida, quem mais sofreu com a derrota foi o goleiro Barbosa. Ele foi considerado traidor da pátria, pois dizem - já que as imagens da época eram ruins e hoje é impossível analisar bem o lance - que o segundo gol do Uruguai, de Ghiggía, aos 34 minutos do 2º tempo, era defensável.

- Ele (Barbosa) dizia que a pena máxima no Brasil era de 30 anos e ele já estava pagando 50 - lembra Tereza Borba, filha de coração de Barbosa. - Ele não foi culpado, conquistou muita coisa no futebol. Temos que falar menos nesta Copa e não cometer os mesmos erros novamente. Principalmente para ninguém sair machucado. O que o Barbosa passou eu não desejo para ninguém.

Se o estigma colocado sobre Barbosa durou até a sua morte, em 7 de abril de 2000, o grande mestre do jornalismo esportivo, Armando Nogueira, sempre o absolveu.

"Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera", disse certa vez Nogueira, ao ser perguntado sobre aquele Mundial.

Tereza hoje vive para desfazer essa imagem do pai. Nas entrevistas, só consegue falar do orgulho que sentia do "Neguinho". Do próprio bolso, mandou fazer uma estátua para ele e, com apoio da prefeitura de Muzambinho, em Minas Gerais, propôs uma lei para a celebração do "Dia do Barbosa" em 25 de maio. A lei será votada no próximo dia 30.

Apesar de carregar a maior parte do fardo, Barbosa não foi o único a ter sua vida marcada pela derrota.

- O que eu sei é que aquilo praticamente acabou com a carreira dele - diz a sobrinha de Ademir Menezes. - Ele tinha uma mágoa muito grande porque falava que tinha feito muitas coisas pelo futebol, mas que sempre que era entrevistado a primeira pergunta era sobre a Copa de 50.

Segundo familiares de Barbosa, Ademir, Jair e Bauer, essa era a maior queixa dos craques. Sem antes nem depois, para eles, o tempo parou no dia 16 de julho de 1950.

- Eu acho que ele não tinha rancor por ter perdido aquela Copa. Tanto que em 1954 ele voltou a atuar pela seleção e foi capitão - lembra Sylvia Bauer. - O que o magoava eram as perguntas. Eles foram vice-campeões, mas para os brasileiros isso não vale nada.

Antes de a Brazuca rolar oficialmente nos gramados brasileiros, o zagueiro David Luiz declarou: "Grandes seleções mundiais como Alemanha e Itália ganharam uma Copa e perderam uma em casa. O Brasil só perdeu. Chegou a hora de ganhar?

Uma nova história, uma nova seleção e o mesmo desejo: que sejamos campeões.

- Eu torço muito para o Brasil ganhar. Gosto muito do goleiro Jefferson, mas acho que o Julio Cesar vai dar conta. Ele não vai falhar de novo - acredita Tereza.

- É claro que eu quero que o Brasil ganhe, para lavar a alma dos jogadores de 50 - diz Luiz Antonio Pinto fazendo, esperamos todos, uma bela previsão.



Fonte: O Globo A Mais