Um torcedor do Vasco, que se sentiu lesado com os acontecimentos de violência na Arena Joinville, em dezembro do ano passado, na partida entre o Cruzmaltino e o Atlético-PR, obteve uma importante vitória na Justiça. Baseando-se nos direitos do consumidor, ele conseguiu um recurso de agravo contra a decisão do juízo de Campo Grande (RJ) que havia entendido não haver relação de consumo entre o torcedor, a CBF, o Atletico-PR, seus dirigentes e o árbitro.
O mérito agora será julgado em data a ser definida. Este foi o primeiro resultado positivo de uma série de ações de vascaínos que estiveram naquele jogo e presenciaram de perto as cenas de barbárie entre as torcidas. A grande maioria deles está sendo defendida pelo advogado Luiz Roberto Leven Siano, que comemorou a decisão.
"É uma vitória do torcedor vascaíno e, na verdade, de todo torcedor brasileiro, pois que teve reconhecido sua legitimidade e condição de consumidor. O mérito ainda vai ser julgado, mas é um primeiro passo na defesa do interesse dos torcedores do Vasco", disse em um trecho de seu post numa de suas redes sociais.
Leven Siano que, na ocasião, ofereceu uma ajuda informal ao Vasco, não deixou de dar uma alfinetada no clube, que já declarou ser o de seu coração:
"Anote-se que esta diretoria do Vasco não me deu qualquer apoio nestas ações e que estou custeando todas as despesas necessárias por minha conta. Assim, torcedor vascaíno, você vai percebendo quem realmente te defende, e, para aqueles que encheram meu saco suspeitando que eu não estava fazendo nada e, para os mentores do Vasco que não apoiaram com medinho da CBF, vão lamber sabão!".
No entender do advogado, que se baseou em artigos do Estatuto do Torcedor e do Código de Defesa do Consumidor, tais torcedores têm direito a indenizações por serem consumidores. Ainda na concepção do profissional, a responsabilidade para que a briga generalizada tenha acontecido está diretamente ligada à CBF, ao Atlético-PR (mandante da partida), à arbitragem e às demais autoridades que estavam envolvidas na realização da partida.
Confira abaixo a íntegra da decisão da 26ª Câmara Cívil:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL/CONSUMIDOR
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0020095-61.2014.8.19.0000 (K)
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0020095-61.2014.8.19.0000
AGRAVANTE: REINALDO CARNEIRO DE FARIA
AGRAVADO: CONFEDERAÇAO BRASILEIRA DE FUTEBOL e OUTROS
RELATORA: DES. SANDRA SANTARÉM CARDINALI
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DO TORCEDOR.
RELAÇÃO DE CONSUMO. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 2º, 3º E 40 DA LEI 10.671/2003. COMPETÊNCIA DO FORO DE DOMICÍLIO DO RÉU, NOS TERMOS DO ARTIGO 101, I DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA FUNCIONAL ABSOLUTA DOS JUÍZOS DAS VARAS REGIONAIS. ARTIGO 94, § 7º DO CODJERJ.
RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO NA FORMA DO ARTIGO
557, § 1º - A DO CPC.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por REINALDO
CARNEIRO DE FARIA contra decisão do Juízo da 1ª Vara Cível Regional de Campo Grande - Comarca da Capital, que, nos autos da Ação Ordinária, proposta em face de CONFEDERAÇAO BRASILEIRA DE FUTEBOL e OUTROS,
declinou de sua competência, nos seguintes termos:
"Considerando a ausência de relação de consumo entre as partes,
nos termos dos arts. 2º e 3º da Lei 8.078/90;
Considerando que a competência do foro regional é absoluta por ser
funcional;
Declino da competência em favor de uma das varas Cíveis da Barra
da Tijuca, competente por distribuição, na forma do art. 94 do CPC.
(...)"
O agravante afirma que o juízo negou vigência ao Estatuto do
Torcedor que prevê a figura do consumidor, para o torcedor, e do fornecedor
por equiparação, para a entidade responsável pela realização da competição.
O presente recurso foi redistribuído para esta Câmara Especializada
em razão do declínio de competência da 7ª Câmara Cível, às fls. 54/59
(indexador – 00054).
Trata-se ação proposta por torcedor do Clube Vasco da Gama, em
face da Confederação Brasileira de Futebol, Clube Atlético Paranaense, seus
dirigentes e o árbitro da partida ocorrida em 08 de dezembro de 2013.
SANDRA SANTAREM CARDINALI:000015389 Assinado em 11/06/2014 13:10:09
Local: GAB. DES. SANDRA SANTAREM CARDINALI
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Sustenta o autor que foi acompanhar o jogo "ATLÉTICO-PR x
VASCO" que originariamente seria realizada na cidade de Curitiba, mas foi
transferida para a cidade de Joinville, em razão da suspensão enfrentada pela primeira equipe, que lhe retirara o mando de campo.
Afirma que o local escolhido para a realização da partida vinha
descumprindo regras de segurança, sendo, inclusive, objeto de inquérito com posterior celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público.
Requer, por fim, a condenação dos réus o pagamento de
indenização por danos morais e a declaração de invalidade da partida, tendo em vista a falta de segurança que acarretou a briga e colocou em risco a vida dos torcedores.
A ação fundamenta-se na violação do dever de segurança previsto
no artigo 17 do Estatuto do Torcedor, Lei 10.671/2003:
"Art. 17. É direito do torcedor a implementação de planos de ação
referentes a segurança, transporte e contingências que possam
ocorrer durante a realização de eventos esportivos."
O próprio estatuto tem previsão expressa no sentido de que a
relação travada entre os torcedores e as entidades organizadoras dos campeonatos é de Consumo. Vejam-se os seguintes dispositivos:
Art. 2º Torcedor é toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a
qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a
prática de determinada modalidade esportiva.
Art. 3º Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos
termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade
responsável pela organização da competição, bem como a entidade
de prática desportiva detentora do mando de jogo.
Art. 40. A defesa dos interesses e direitos dos torcedores em juízo
observará, no que couber, a mesma disciplina da defesa dos
consumidores em juízo de que trata o Título III da Lei no 8.078, de
11 de setembro de 1990.
A jurisprudência não destoa:
ESTATUTO DO TORCEDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PÊNALTI NÃO MARCADO. COMPENSAÇÃO POR ALEGADOS DANOS MORAIS
DECORRENTES DE ERRO DE ARBITRAGEM GROSSEIRO, NÃO INTENCIONAL, AINDA QUE COM O CONDÃO DE INFLUIR NO RESULTADO DO JOGO. MANIFESTO DESCABIMENTO. ERROS "DE FATO" DE ARBITRAGEM, SEM DOLO, NÃO SÃO
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VEDADOS PELO ESTATUTO DO TORCEDOR, A PAR DE SER INVENCÍVEL A SUA
OCORRÊNCIA. NÃO HÁ COGITAR EM DANOS MORAIS A TORCEDOR PELO
RESULTADO INDESEJADO DA PARTIDA. DANO MORAL. PARA SUA
CARACTERIZAÇÃO É IMPRESCINDÍVEL A CONSTATAÇÃO DE LESÃO A DIREITO
DA PERSONALIDADE, NÃO SE CONFUNDINDO COM MERO DISSABOR PELO
RESULTADO DE JOGO, SITUAÇÃO INERENTE À PAIXÃO FUTEBOLÍSTICA.
1. O art. 3º do Estatuto do Torcedor estabelece que se equiparam a
fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor – para todos os efeitos legais -, a entidade responsável pela organização da competição, bem como aquele órgão de prática desportiva detentora do mando de jogo.
Todavia, para se cogitar em responsabilidade civil, é necessária a
constatação da materialização do dano e do nexo de causalidade.
2. "Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou
de terceiros". (REsp 967623/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 29/06/2009)
3. É sabido que a Fifa tem vedado a utilização de recursos tecnológicos, por isso que o árbitro de futebol, para a própria fluidez da partida e manutenção de sua autoridade em jogo, tem a delicada missão de decidir prontamente, valendo-se apenas de sua acuidade visual e da colaboração dos árbitros auxiliares.
4. O art. 30 da Lei n. 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor), atento à
realidade das coisas, não veda o erro de fato não intencional do árbitro, pois prescreve ser direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões. Destarte, não há falar em ocorrência de ato ilícito.
5. A derrota de time de futebol, ainda que atribuída a erro "de fato" ou "de direito" da arbitragem, é dissabor que também não tem o condão de causar mágoa duradoura a ponto de interferir intensamente no bem-estar do torcedor, sendo recorrente em todas as modalidades de esporte que contam
com equipes competitivas. Nessa esteira, consoante vem reconhecendo doutrina e jurisprudência, mero dissabor, aborrecimento, contratempo, mágoa - inerentes à vida em sociedade -, ou excesso de sensibilidade por aquele que afirma dano moral, são insuficientes à caracterização do abalo,
tendo em vista que este depende da constatação, por meio de exame
objetivo e prudente arbítrio do magistrado, da real lesão a direito da
personalidade daquele que se diz ofendido.
6. De fato, por não se verificar a ocorrência de dano a direito da
personalidade ou cabal demonstração do nexo de causalidade, ainda que se trate de relação equiparada a de consumo, é descabido falar em compensação por danos morais. Ademais, não se pode cogitar de inadimplemento contratual, pois não há legítima expectativa - amparada pelo direito - de que o espetáculo esportivo possa transcorrer sem que ocorra erro de arbitragem, ainda que grosseiro e em marcação que
hipoteticamente possa alterar o resultado do jogo.
7. Recurso especial não provido.
REsp 1296944 / RJ - Relator Min. LUIS FELIPE SALOMÃO - QUARTA
TURMA. DJe 01/07/2013
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Dessa forma, estabelecida a relação de consumo entre as partes,
passo a análise da competência.
A faculdade conferida ao consumidor quanto ao foro competente
para julgamento e processamento da demanda que venha intentar contra pessoa jurídica, decorre da interpretação lógico-sistemática dos dispositivos processuais, legais e infralegais concernentes às regras de organização de
competência e não exonera aquele de obediência a tais regras.
Ou seja, a regra de competência do domicílio do autor consumidor,
insculpida no art. 101, I, do CDC, não é obrigatória, cuidando-se de faculdade legal, não obstando, assim, que o autor opte pela interposição da ação no foro do domicílio do réu, segundo as regras de competência geral constantes do Código de Processo Civil (artigos 94, caput e 100, IV, "a", "b" e "c").
No entanto, optando o autor por ingressar com a ação em seu
domicílio, segundo lhe faculta o art. 101 do Código do Consumidor – CDC, deve ser observado o art. 94, § 7º do CODJERJ, ou seja, que a competência dos Juízos das Varas Regionais, fixadas pelo critério funcional-territorial, é de natureza absoluta, podendo a incompetência ser declarada de ofício ou a
requerimento dos interessados, independentemente de exceção.
Na hipótese, o autor reside no bairro de Campo Grande, área de
abrangência do Foro Regional de Campo Grande, onde foi corretamente distribuída a demanda, merecendo reparo a decisão recorrida.
Posto isso, estando os argumentos do agravante em conformidade
com a jurisprudência dominante desta Corte, nos termos do art. 557, § 1º - A, do CPC, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para declarar a competência da 1ª Vara Cível Regional de Campo Grande para processamento e julgamento da
ação.
Rio de Janeiro, 11 de junho de 2014.
DES. SANDRA SANTARÉM CARDINALI
Relatora
66
Fonte: UOL