Filha adotiva conta histórias curiosas de Barbosa, que afirmava: 'A única cruz que carrego no peito é a cruz de malta'

Quinta-feira, 12/06/2014 - 14:35
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Acostumado a ouvir perguntas e mais perguntas de jornalistas sobre a derrota na Copa de 1950, os olhos de Barbosa brilharam quando um homem o reconheceu em Praia Grande, litoral santista, e fez referência ao goleiro histórico do Vasco. Aquele do Expresso da Vitória, do Campeonato Sul-Americano invicto de 1948, de tantos títulos pelo clube de São Januário e das glórias pela Seleção. Das lembranças mais bonitas, um troféu que parecia um pedaço do destino: a Taça Teresa Herrera, a tradicional competição de verão na Espanha que o Vasco venceu em 1947 e leva o nome da "filha" que decidiu colocar no colo o goleiro injustiçado pelo Brasil. Teresa Borba e seus amigos deram outro sentido aos últimos anos da vida de Barbosa.

A história que só ela conhece, o “neguinho”, como se chamavam carinhosamente, que só ela viu de perto, e muitos causos divertidos, curiosos e surpreendentes você vai conhecer no relato emocionado de Teresa. Nesta quinta, o Brasil começa a escrever uma nova história, que pode até apagar a decepção da final de 1950. Mas Barbosa não pensaria assim.

- Ele nunca foi triste. Essa cruz ele jamais carregou. Ele dizia: “A única cruz que carrego no peito é a cruz de malta.”

O início de uma amizade

Vim morar em Praia Grande em 1991. Logo depois, Barbosa também chegou por aqui e ele gostava de vir tomar uma bebida na minha barraca na Praia de Ocean. Ele chamava de birinight, que era um drink com (cachaça) 51 e um Martini. E uma vez meu marido, que é vascaíno louco, o reconheceu. Quando perguntou se ele era o goleiro do Vasco, nossa, os olhos dele brilharam, era impressionante. Ele estava tão acostumado a responder sobre 1950 que quando falou de Vasco percebi na hora a felicidade dele. Aí deitou a contar história, falou do Expresso da Vitória, do título sul-americano de 1948 e brincou comigo: disse que o troféu pelo qual ele era mais apaixonado tinha o meu nome, o Teresa Herrera.

Do Rio para Praia Grande

A irmã da esposa dele, a dona Clotilde, morava em Praia Grande, e quando o Barbosa passou por dificuldades financeiras a irmã o convidou para morar em Praia Grande. Como o Barbosa tinha perdido tudo na loja de pescas que tinha em Ramos, já estava aposentado e reclamava que muita gente não parava de aporrinhá-lo, resolveu vender a casa e veio para Praia Grande, onde vivia no anonimato. Estava morando com a cunhada e a Clotilde.

A perda da mulher

A Clotilde ficou doente. Ela estava com câncer e ele foi gastando dinheiro, gastando muito com remédios, lembro que deu R$ 14 mil para uma coisa do tratamento, eram remédios muito caros. E um dia, nunca me esqueço, cheguei na casa deles e encontrei meu neguinho triste. Perguntei o que havia acontecido. Ele disse: “Clotilde foi embora.” Nunca o vi triste por nada, nem por causa de comentários da Copa de 1950, nada. Ele viveu 56 anos ao lado da Clotilde. Ela se foi no dia 23 de maio de 1997. Ele se apagou, e o pior ainda estava por vir. O sobrinho dele e a cunhada resolveram vender o apartamento. Resultado: ele ficaria sem casa para morar. Barbosa me disse que tinha 10 dias para desocupar o apartamento. Falei para ele vir para minha casa, ficar num quarto enquanto não arrumasse nada. Ele veio, mas minha casa fica a 15 minutos da praia e precisava atravessar uma avenida muito movimentada para ele ir até a praia caminhar, que era o que gostava. Ele dizia que não queria me dar trabalho e só queria um canto com quarto e cozinha. Eu dizia para ele que Deus ia dar um jeito. Aí pintou um repórter do "Jornal do Brasil", que ficou sabendo da história e publicou matéria sobre a situação do Barbosa.

A ajuda de Eurico

O Vasco queria fazer uma festa para homenagear os campeões de 1948, do título sul-americano. O Eurico Miranda ligou para minha casa, eu atendi e ele queria falar com o Barbosa. Dei o telefone, conversaram, deram risadas, e ele convidou Barbosa para vir ao Rio. Ele me perguntou, eu disse: “Vamos lá, neguinho.” E ele dizia sempre: “Veja lá o que você vai aprontar!” Então fomos ao jogo, teve a festa, fomos muito bem tratados e no dia seguinte conversamos com o Eurico e eu entrei no assunto sobre o apartamento dele, que ele tinha ficado sem casa. Ele disse que ia ajudar, para que eu visse um apartamento em Praia Grande, que ajudaria. O Barbosa chegou para mim e disse: “Neguinha, você sabe que filho feio não tem pai, mas quando filho é bonito tem um monte de pai.” Eu entendi o que ele quis dizer. Quando se tem um bem, sempre aparece alguém da família querendo aproveitar, infelizmente às vezes é assim. Então, em vez do apartamento, ele preferia que o Eurico enviasse dinheiro para ele se sustentar todo mês. E assim foi feito, alugamos um apartamento para ele.

O anjo negro palestrante

Ele me ensinou muita coisa, era como se fosse não, ele já era parte da família, um anjo negro que apareceu na minha vida. Depois, para procurar alguma atividade que lhe desse prazer, dei a ideia de ele fazer palestras. E ele adorou. Foi na USP falar com alunos de jornalismo, recebeu estagiário para fazer entrevistas, íamos para tudo que é canto. E ele falava sem papel, sem nada anotado. Contava as histórias do Vasco, as glórias e eu sempre ali o acompanhando. Ele tinha quebrado a perna e por isso não foi para a Copa em 1954, então tinha dificuldade para andar e eu ia sempre com ele. Além de jornalistas, palestrava para cursos de geografia, contava das viagens pelo mundo. Adorava a nova mentalidade que conheceu de jornalistas, porque ele tinha impressão terrível, de jornalismo marrom, daquela coisa que fizeram em 1950, de colocar o Brasil como campeões do mundo um dia antes do jogo. Era uma nova geração e ele começou a ver o lado mais humano dos jornalistas. A gente recebia as pessoas na minha casa, no quiosque. Ele adorava.



Fonte: GloboEsporte.com