Em meio à correria dos últimos preparativos para a abertura da Copa do Mundo do Brasil, na próxima quinta-feira, dia 12, em São Paulo, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, recebeu ÉPOCA para falar sobre o Mundial. Ele diz que, aos 45 do segundo tempo, só resta aos brasileiros torcer pela Seleção e pelo sucesso do evento. Num momento em que tantos brasileiros têm vergonha de abraçar a Seleção, por causa da desorganização do torneio e das denúncias de superfaturamento, Rebelo diz que não fez isso nem na ditadura. Ele acha também que a Copa não está aí para resolver os problemas do Brasil e afirma que a juventude que vai às ruas protestar contra o evento padece de “ignorância”.
ÉPOCA – O que o senhor sente quando vê a nova geração fazer manifestações contra a Copa?
Aldo Rebelo – É um pouco de ignorância do que representa o futebol para o país. O futebol é, no Brasil, a primeira grande plataforma de promoção social dos pobres e dos negros. Quando um país tão desigual na primeira metade do século passado conheceu a primeira celebridade, ela era pobre, mestiça, negra. Ela veio do futebol: Fausto, a maravilha negra da Copa de 1930, no Uruguai. Depois, vieram Friedenreich, Domingos da Guia, Leônidas da Silva, mais tarde Garrincha, Pelé, Didi. Essas pessoas se consagraram no país a partir do futebol. Devemos muito ao futebol. Tivemos o Vasco da Gama, enfrentando o preconceito contra os jogadores operários e negros, e o Palmeiras, enfrentando em São Paulo o preconceito contra os imigrantes. Isso tornou o futebol uma grande instituição, sem que o mercado ou o Estado tivessem participação relevante. Quando o Estado chegou ao futebol com a primeira regulamentação de 1940, de Getúlio Vargas, e criou o Conselho Nacional de Desportos, o futebol já era uma instituição nacional. Os grandes clubes já eram instituições consagradas, como Palmeiras, Corinthians, Flamengo, Vasco. Mais recentemente chegou o mercado, para beneficiar, por um lado, porque os jogadores passaram a ganhar mais, e o futebol passou a ter mais dinheiro. E também trouxe os riscos inerentes à mercantilização desse esporte tão universal e tão querido.
ÉPOCA – Isso está representado na Fifa?
Rebelo – Está representado em todo lugar, porque esse risco não é inerente só às promoções da Fifa. Esse risco é inerente à presença do mercado, que naturalmente transforma em mercadoria toda paixão, toda fantasia e todo afeto que liga o torcedor a esse esporte.
ÉPOCA – A França abriu e fechou sua Copa no mesmo estádio. O governo se arrepende da solução Itaquerão, que causou tantos atrasos e problemas?
Rebelo – A França não tem duas Paris. O Brasil se dá ao luxo de ter São Paulo e Rio de Janeiro. Portanto, com todo o respeito pela França, ela só tem essa grande metrópole que é Paris, e nós temos duas, que são a alma do Brasil. Uma fará a abertura, São Paulo, e outra fará o encerramento, o Rio de Janeiro.
ÉPOCA – O senhor acha que, se promessas como inaugurar um trem-bala fossem cumpridas e se mais obras de logística fossem entregues, o ânimo da população seria outro?
Rebelo – Não sei o que o trem-bala tem a ver com a Copa, sinceramente. Como se a Copa fosse não um torneio de futebol, mas sim uma instituição internacional ou nacional encarregada de resolver os problemas do Brasil. Sinceramente, não compreendo assim. Temos torneios de tênis, campeonatos de vôlei, agora é a Copa que tem de resolver os problemas do Brasil?
ÉPOCA – O senhor sabe se a presidente Dilma fará algum discurso na abertura?
Rebelo – Creio que não.
ÉPOCA – De alguma forma, o Planalto teme que ela seja vaiada, que se repita o que aconteceu na partida de abertura da Copa das Confederações, em Brasília? Caso isso aconteça, qual a imagem para o mundo?
Rebelo – Não importa temer vaia. Vaia não mata ninguém. Jogador é vaiado, técnico é vaiado, jornalista é vaiado. (O comentarista) Chico Lang é esculhambado dentro dos estádios (risos). Você já ouviu a saudação Chico Lang nos estádios?
ÉPOCA – O torcedor apoiará a Seleção? O senhor acha que um mau resultado da Seleção em campo poderá contaminar o ambiente político em relação à Copa?
Rebelo – Não creio. O Brasil nunca alterou suas preferências políticas por causa de futebol. O Brasil ganhará porque é o favorito natural, embora outras seleções tenham tradição e força. Ninguém pode subestimar uma seleção como a Itália, ou a própria Alemanha, Uruguai, Argentina, ou França e Espanha, sucessos futebolísticos mais recentes. São seleções muito boas. Mas o Brasil tem essa vantagem – que dá a qualquer seleção uma perspectiva maior de vitória –, que é jogar em casa. O Brasil para para ver a Copa, quando ela é realizada em outros países. Na Copa do Japão e da Coreia, todo mundo acordava de madrugada para acompanhar os jogos. Imagina, então, nesta Copa? Tendo o peso de ser realizada no Brasil?
ÉPOCA – Nos tempos da ditadura militar, o senhor torcia pela Seleção?
Rebelo – Sempre torci. Nunca levei em conta aquela história de que torcer pela Seleção era favorecer a ditadura. Embora só tivesse 14 anos em 1970, fui para a rua, torci pela Seleção, festejei, celebrei. Fiz o mesmo em 1974, 1978 e 1982, e nunca deixei de lutar pela Constituinte, pela anistia e pela democracia por causa disso.
ÉPOCA – O senhor chegou a comparar a Copa ao Carnaval. Podemos dizer então que, finalmente, a escola de samba está pronta para entrar na avenida?
Rebelo – As providências para preparar o país para a Copa foram todas adotadas. Temos estádios maravilhosos, já testados. Não há nada mais moderno em todo o mundo. Temos investimentos em infraestrutura que melhoraram bastante a mobilidade urbana, temos os aeroportos. Nem todas essas obras foram entregues, mas as que não serão entregues até o dia 12 serão entregues logo depois, até o fim do ano. O país, agora, tem de respirar o clima da Copa.
ÉPOCA – Políticos adoram dar palpite em futebol. Quando era ministro da Saúde, José Serra quis dar palpite no Palmeiras, e o técnico Felipão disse que ele tinha de tomar conta da Saúde, que a Saúde do Brasil não ia bem. O ex-presidente Lula foi falar do peso de Ronaldo, em 2010, e Ronaldo não gostou. E o senhor, o que diz da Seleção atual? O senhor dará cornetadas ao longo da Copa? Acha, por exemplo, que William deve entrar no lugar do Oscar?
Rebelo – Confio muito no Felipão. Ele tem uma base sólida para montar o time para a Copa, o time vitorioso da Copa das Confederações. Ele tem mais condições de avaliar quem está em melhor situação para ser escalado do que eu. Tenho confiança nele, e acho esse time muito bom. Do goleiro ao ponta-esquerda. Aliás, hoje não tem mais ponta-esquerda, né?
ÉPOCA – Qual seria a final dos sonhos do senhor?
Rebelo – O mundo merecia uma final Brasil e Argentina. Já tivemos Brasil e Alemanha, Brasil e Itália, Brasil e França... A Argentina tremeria. Uma revanche contra a França também não seria mau negócio, não. Claro que, ao imaginar uma final, a gente se imagina ganhando, porque imaginar derrota dá uma tristeza. O Brasil perder da França ou da Argentina em casa seria uma anomalia estatística. Contra a Argentina ou contra a França numa final – até mesmo contra a Alemanha –, seríamos favoritos.
ÉPOCA – Depois dessa caminhada toda para preparar a Copa, com que sentimento o senhor chega a esta reta final rumo à abertura do evento?
Rebelo – De torcedor. É o que resta, né? Torcer.
ÉPOCA – E, como torcedor, qual a expectativa do senhor?
Rebelo – A melhor possível, porque o Brasil tem uma boa Seleção. O Brasil tem um atacante excepcional, o Neymar. E será o único país que joga em casa, com sua torcida. Os irmãos latino-americanos, no máximo, jogarão na casa dos “primos”. Quem joga em casa mesmo somos nós.
Fonte: Época
