Há quem rejeite o uso da tecnologia no futebol pelas discussões de bar e polêmicas sem fim após um erro decidir uma partida dentro das quatro linhas. O erro do bandeira Luiz Antonio Muniz de Oliveira, que não viu o impedimento no gol de Márcio Araújo que decidiu o Carioca de 2014 para o Flamengo, efetivamente ainda alimenta discussões. A mais forte delas, porém, passa longe das ruas e está nos tribunais. Mesmo com chances quase nulas de mudar o resultado da decisão do estadual, o departamento jurídico vascaíno ainda luta pela anulação do empate por 1 a 1 contra o Rubro-Negro. A realização da partida completa exatamente um mês nesta terça-feira e deve ser, finalmente, "decidida" em julgamento previsto para a próxima semana.
Ao longo desses 30 dias, Vasco e o Tribunal de Justiça Desportiva do Estado do Rio de Janeiro (TJD-RJ) viveram animosidades e troca de farpas pelas letras frias de decisões e dos recursos no tribunal. Segundo o advogado do Vasco, Marcello Macedo, que anunciou estratégia jurídica no dia seguinte ao empate por 1 a 1 no Maracanã, resultado que deu o 33º título estadual ao Flamengo, o clube quer, pelo menos, provocar o debate sobre como uma falha humana pode interferir no dia a dia de um clube e de seus torcedores. Para o julgamento, o departamento jurídico do clube pede que sejam ouvidos os presidentes da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj), Rubens Lopes, e da comissão de arbitragem carioca, Jorge Rabello. O Vasco também pediu a presença do trio de arbitragem daquele domingo no julgamento - e, aliás, ainda aguarda resposta do procurador geral do tribunal sobre a punição aos juízes da partida.
- Nós vamos insistir, vamos até o final. Dizem: "Ah, porque as chances são reduzidas". Olha, vai ter um momento que isso vai ter que ser mudado. É preciso haver transparência, é preciso que se minimize as possibilidade de erros - diz o advogado vascaíno.
Sem se importar com quem diz que o clube está entrando num jogo perdido ou ainda com a avaliação de que o Vasco está "jogando para a galera" com a insistência nos campos jurídicos, o advogado, que representa o Vasco na área cível, cita ainda outro comentário comum quando o assunto são as falhas decisivas no futebol.
- Tem aquele papo de que "o futebol é um esporte centenário, que sempre foi assim, que o erro traz emoção ao esporte, que o erro é humano". Claro que é humano, mas não é assim, as coisas evoluem. Não se pode prejudicar um clube desta maneira. Hoje há um quantia enorme de dinheiro que envolvem essas competições. Por que que um erro, que todos viram ter acontecido, não pode ser alterado? - questiona Marcello Macedo.
A batalha vascaína fora dos campos começou no dia 16 de abril com o pedido de impugnação do jogo e de não homologação da partida. Em 28 de abril o presidente do Tribunal José Teixeira Fernandes manteve o resultado da partida e não aceitou o recurso vascaíno. Em seguida, novo recurso e uma vitória parcial do Vasco, com a aceitação de um julgamento sobre o pedido de anulação do jogo. Nem assim Macedo ficou satisfeito. Ele viu na decisão escrita pelo presidente do TJD, além de uma aceitação a contragosto do recurso vascaíno, uma antecipação e pré-julgamento na questão.
- Ele fez questão de conceder (o direito a julgamento) e, simultaneamente, opinar que vai julgar contra. Que Justiça é essa que opina pela legalidade no recebimento do Recurso e logo em seguida lhe abandona para declarar o voto? Assim, ele assinou seu impedimento para participar do julgamento. Vou pedir que ele não participe do julgamento. Ele não é parte, não é torcedor, é o presidente do tribunal que vai julgar o processo. Onde ficam a isenção e a imparcialidade?
Montesquieu, Ruy Barbosa e ministros do STF
Chega próximo ao consenso nos corredores do tribunal e no meio jurídico desportivo que as chances de anulação da partida pelo Vasco são reduzidas. Personagens do dia a dia do TJD, ouvidos pelo GloboEsporte.com, citam casos recentes de pedidos de impugnação de jogos que não obtiveram sucesso nos tribunais. Em 2012, a mão do argentino Barcos, então no Palmeiras em partida contra o Internacional, só teria sido sinalizada pelo trio de arbitragem após uma repórter de TV avisar ao quarto juiz do jogo - neste caso, porém, o resultado do jogo não foi homologado até o julgamento descartar a anulação do jogo.
O Vasco ainda tentou um pedido de reconsideração da decisão do presidente do TJD de não mudar a questão da homologação do resultado da final - o que já foi novamente negado -, mas o clube ainda estuda entrar com mandado de segurança para este último movimento. O jurídico do clube se apoia no Código de Brasileiro de Justiça Desportiva que diz no artigo 84: "O Presidente do Tribunal, ao receber a impugnação, dará imediato conhecimento da instauração do processo ao Presidente da respectiva entidade de administração do desporto, para que não homologue o resultado da partida, prova ou equivalente até a decisão final da impugnação."
Na decisão em que aceitou parcialmente o recurso vascaíno, José Teixeira Fernandes citou o político e filósofo iluminista francês Charles-Louis de Secondat, conhecido como Montesquieu, além do jurista brasileiro Ruy Barbosa. Com frases de efeito, escreveu que "a injustiça que se faz a um, é uma ameaça a que se faz a todos" e apoiou sua decisão "em nome dos pilares da teoria tridimensional de que o Direito é fato, valor e norma". Do outro lado, a artilharia vascaína dos tribunais veio com citações dos ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e Celso de Mello e outros juristas renomados. Tudo pela "adoção da ampla defesa" no tribunal desportivo. Na semana que vem, um dos últimos momentos desse embate que começou no Maracanã e vai terminar no tribunal promete mais confrontos, rivalidades, mas bem menos emoção.
Fonte: GloboEsporte.com