O abandono de campo no jogo contra o Joinville, em Santa Catarina, dia 18 de abril, pela primeira rodada da Série B do Campeonato Brasileiro, custou muito aos cofres da Portuguesa e de seus dirigentes, mas não resultou na exclusão do clube da competição.
Em julgamento que durou mais de quatro horas, na tarde desta quarta-feira, a 5ª comissão disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) determinou que os três pontos do jogo fossem dados para o Joinville (contabilizando vitória por 3 a 0), com multa de R$ 50 mil para a Lusa, suspensão de quatro jogos para o técnico Argel e gancho de 240 dias para o presidente Ilídio Lico e seu filho, Marcos Rogério, responsável por tirar o time de campo - eles ainda foram multados em R$ 100 mil e R$ 80 mil, respectivamente. Todos os valores precisam ser pagos em até sete dias. Mas a decisão do STJD nesta quarta-feira foi em primeira instância e cabe recurso.
A Lusa abandonou o campo do jogo contra o Joinville, aos 16 minutos do primeiro tempo, baseada numa liminar obtida por um torcedor (cassada dias depois pela CBF), que determinava que a entidade devolvesse ao clube os quatro pontos perdidos no STJD por conta da escalação irregular do meia Héverton, na última rodada da Série A do ano passado.
Em depoimento, Ilídio Lico, e o filho dele, Marcos Rogério, disseram estar arrependidos da atitude. A declaração mais impactante, porém, foi do técnico Argel, que disse ter "certeza de que o que estava fazendo era ilegal". Ele era contra a decisão de tirar o time de campo e contradisse Ilídio Lico - o presidente afirmou que Argel não sabia da liminar, mas o técnico admitiu ter conhecimento dela.
– Eu já sabia que tinha uma liminar. E tinha recebido uma ordem prévia de que o jogo deveria parar se a liminar chegasse. Mesmo não concordando, eu fiz. Era melhor não ter entrado em campo, do que entrar e sair no meio – disse Argel.
A Lusa foi denunciada em dois artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD): 205 (impedir o prosseguimento de partida que estiver disputando, por insuficiência numérica intencional de seus atletas ou por qualquer outra forma) e 231 (pleitear, antes de esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva, matéria referente à disciplina e competições perante o Poder Judiciário, ou beneficiar-se de medidas obtidas pelos mesmos meios por terceiro). Ambos os artigos preveem perda de pontos para o adversário, exclusão do campeonato e multa de até R$ 100 mil - em cada artigo.
Além disso, o clube foi enquadrado no artigo 69-2 do Código Disciplinar da Fifa (por ter se beneficiado por medidas obtidas na Justiça comum), o que também abria a possibilidade exclusão do torneio.
Três pessoas também foram denunciadas:Argel, Ilídio Lico e o filho dele, Marcos Lico, que tirou o time de campo. Os dois primeiros foram citados no artigo 243-A (atuar de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado). O treinador foi suspenso por quatro jogos. Os ganchos para o presidente e seu filho foram de 240 dias - e eles ainda foram multados em R$ 100 mil e R$ 80 mil, respectivamente.
José Luiz Ferreira, advogado da Lusa, iniciou a defesa pedindo um computador para poder exibir um vídeo no YouTube. Um dos relatores disponibilizou seu laptop. Mas ele travou...
– Volta no início e deixa carregando, é melhor - disse um dos relatores, enquanto todos os envolvidos permaneciam em frente ao computador para acompanhar a exibição. Houve também um problema no som do vídeo. Ferreira lamentou:
– As imagens mostram um fato, mas a complementação está no som. No YouTube é possível analisar isso.
Já Roberto Pugliesi Jr, advogado do Joinville, apareceu com um DVD com a transmissão da partida, mostrando o exato momento em que o time da Lusa deixa o gramado, aos 16 minutos do primeiro tempo. As imagens são do SporTV, mostrando detalhes ocorridos depois da paralisação da partida com entrevistas dos envolvidos ainda na Arena Joinville. Após a exibição das provas do Joinville, o advogado da Lusa abriu mão de sua prova de vídeo do YouTube por entender que eram as mesmas imagens.
Lico faz apelo
Na sequência, o presidente da Lusa, Ilídio Lico, foi chamado a depor. O presidente da 5ª Comissão Disciplinar, José Perdiz, esclareceu que Lico não era obrigado a dizer a verdade, porque não precisava produzir provas contra si mesmo. O dirigente foi parte da ação e não uma testemunha.
Lico admitiu que sabia da existência da liminar obtida pelo torcedor Renato de Britto Azevedo e que mandou o time a Joinville imaginando que ela seria cassada antes do jogo. A liminar havia sido obtida na 3ª Vara Cível do Foro Regional da Penha, em São Paulo. Mas apenas a 2ª vara civil da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, poderia emitir uma decisão contrária à do STJD.
Mesmo ciente da liminar, o presidente da Lusa relatou que chegou a dar entrevistas garantindo de que a equipe jogaria normalmente. Mas, depois da entrevista, passou a receber ligações que o aterrorizaram:
– Falavam que eu seria preso, que eu deveria tirar o time de campo, que estava descumprindo uma ordem judicial. Meu filho Ricardo começou a tremer, minha mulher passou mal. Segui as orientações de um conselheiro que é da Justiça, Fernando Guimarães, que fez um terror em mim. Peço que, se alguém tiver de ser penalizado, que seja eu – disse Lico.
O dirigente disse que a pressão no clube era para tirar o time de campo. Ele chegou a fazer um apelo aos relatores:
– Todos sabem o que a Portuguesa está passando desde o ano passado. Tenho 90 dias no cargo, e, se tiver que sair da presidência, não tem problema. Mas não penalizem o clube ainda mais, por favor.
O presidente tentou absolver Argel de qualquer culpa, dizendo que o técnico não sabia da liminar. Um dos relatores, porém, lembrou que a informação da liminar estava no site oficial da Lusa.
Na sequência foi a vez de Marcos Rogério Lico, filho de Ilídio, dar sua versão dos fatos. Foi ele quem chefiou a delegação da Lusa em Joinville e apareceu com a liminar do torcedor em mãos, mandando o time sair de campo. Ele disse que se sentia "respaldado por uma decisão judicial" e, assim como o pai, negou que o técnico Argel soubesse de algo. Marcos Rogério contou ainda que levou a liminar para o delegado da partida, Laudir Zermiani, a quem responsabilizou pela interrupção do jogo.
Argel contradiz Lico
O depoimento do técnico Argel foi na mesma linha - responsabilizando Zermiani pela interrupção e chamando o delegado de "despreparado". O treinador afirmou que era contra a paralisação do jogo e, de forma surpreendente, contradisse Ilídio Lico, garantindo que sabia da liminar.
– Eu tinha a convicção de que o que eu estava fazendo era ilegal. Eu queria voltar, chegamos a aquecer. Eu já sabia que tinha uma liminar. E tinha recebido uma ordem prévia de que o jogo deveria parar se a liminar chegasse. Mesmo não concordando, eu fiz. Era melhor não ter entrado em campo, do que entrar e sair no meio – disse Argel, justificando-se que apenas "cumpria ordens".
O técnico foi sabatinado pelos auditores e se mostrou incomodado. Por várias vezes, defendeu-se, dizendo ter "uma história séria no futebol". Dentre as muitas perguntas, uma chamou a atenção. Ao ser questionado se o elenco da Lusa era de Série A ou de Série B, Argel disse:
– De Série B.
Terminado o depoimento do treinador, o presidente da 5ª comissão disciplinar, José Perdiz, pediu uma pausa de cinco minutos. Na volta, após 13 minutos, Alessandro Kishino, representando a Procuradoria, pediu o acolhimento integral da denúncia:
– Todos puderam perceber pelas provas trazidas que a ordem judicial não tinha eficácia jurídica. O STJ já tinha determinado que qualquer pendência deveria ser apreciada pela 2ª vara do Rio de Janeiro. Vir no plenário e dizer que desconhecia essa decisão é uma afirmação leviana. A ordem foi obtida por um torcedor e não pela Portuguesa. Não era necessário o cumprimento.
Defesa e ataque
Na sequência, os advogados de Lusa e Joinville voltaram a se pronunciar.
– A defesa nega veementemente todas as imputações sacadas contra si, os diretores e o técnico da Portuguesa. Não houve simulação, não houve fraude. O que aconteceu foi o desrespeito do cumprimento de uma liminar por conta da CBF – afirmou José Luiz Ferreira, advogado da Lusa.
Ele disse ainda que o Flu também se aproveitou de liminares em 2013:
– O Fluminense também deveria ser penalizado ou denunciado naquela época porque também foi beneficiado por liminares envolvendo terceiros.
Enquanto o advogado da Portuguesa falava, dois dos relatores mexiam em seus celulares, parecendo dar pouca importância ao que ele argumentava.
Na sequência, Roberto Pugliesi Jr, advogado do Joinville, criticou a atitude da Lusa, pediu os pontos do jogo, os ressarcimento dos prejuízos daquela partida e a exclusão da Portuguesa do torneio:
– O Joinville está aqui como vítima, mas a principal é o futebol brasileiro. É ridículo. Senti tristeza quando vi a situação. É inexplicável um time sair de campo em um Campeonato Brasileiro, com transmissão ao vivo, estádio cheio. Acontece em campeonato amador. Houve violação ao espírito esportivo. A Portuguesa fez a pior escolha que ela poderia fazer. Entrou em campo e depois abandonou o jogo. É pior do que não ir a campo. Faltou respeito.
Voto a voto
O auditor-relator José Nascimento derrubou todas as teses elaboradas pela Portuguesa e lembrou que o filho do presidente, Marcos Rogério Lico, não tinha poder para paralisar o jogo com a "cópia de uma liminar". Nascimento disse também que a decisão da diretoria "desrespeitou os torcedores" e que "a história da Portuguesa foi arranhada". Ele votou por multar o clube em R$ 50 mil e dar os três pontos do jogo ao Joinville, com vitória por 3 a 0. Sobre Argel, o auditor-relator pediu suspensão de quatro partidas. Ele pediu ainda suspensão por 240 dias para o presidente Ilídio Lico e para o filho dele, Marcos Rogério Lico - além de multa no valor máximo para o pai, de R$ 100 mil, e R$ 80 mil para o filho.
– O comportamento da Lusa tem mais relação a amadorismo do que a vontade de manipular o resultado – disse Nascimento.
Na sequência, o auditor Marcio Amaral citou o Tribunal de Nuremberg, responsável pelos julgamentos dos crimes cometidos pelos nazistas durante a II Guerra Mundial:
– Desde aquela época as maiores atrocidades do mundo já eram justificadas com a frase "me mandaram fazer". Isso não existe – disse Amaral.
O auditor, porém, também não pediu a exclusão da Lusa da competição. Ele acompanhou o voto do auditor-relator, com três pontos para o Joinville, multa de R$ 50 mil para a Lusa, suspensão de quatro jogos para Argel e suspensão de 240 dias para os dois dirigentes, com multas de R$ 100 mil a Ilídio e R$ 80 mil a seu filho.
– A Portuguesa ganhou sua vaga em campo e, infelizmente, a perdeu nos tribunais por um erro. Mas não peço o rebaixamento para a Série C. O STJD não tem que ter destaque. Tem que resolver as questões e ficar atrás do holofote – disse Amaral.
O terceiro a votar foi o auditor Matheus Gregorini, e ele também acompanhou o voto do auditor-relator.
– A Portuguesa é vítima de equívocos e erros. A sequência deles se mostrou na denúncia e, para a minha surpresa, foram confirmados hoje quando deveriam ser combatidos – disse.
Na sequência, foi a vez de o auditor Otávio Noronha acompanhar o voto do relator. Por último, o presidente da 5ª Comissão Disciplinar, José Perdiz, proferiu o seu voto, também acompanhando o relator:
– Esse julgamento não tem nada a ver com o caso de 2013, que culminou com o rebaixamento da Portuguesa. Todas as liminares, seja a favor de qualquer clube, estão valendo. O que ocorre é a questão da eficácia, hierarquia. Acho estranho o delegado (Laudir Zermiani) da partida não ter sido denunciado.
Sestário
Osvaldo Sestário Filho, advogado que representou a Portuguesa no julgamento do meia Héverton, antes da última rodada do Campeonato Brasileiro do ano passado, também esteve no STJD nesta quarta-feira. Ele, que costuma defender vários clubes no tribunal, trabalhou em quatro outros casos, um na sequência do outro - defendendo América-MG, Luverdense, Cuiabá e Atlético-GO (todos foram apenas advertidos por atraso na entrada de campo).
No fim do ano passado, em meio à polêmica sobre a decisão do STJD de tirar quatro pontos da Lusa por conta da escalação irregular de Héverton, Sestário chegou a ser acusado pelo então diretor jurídico da Portuguesa, Valdir Rocha da Silva, de omitir a informação sobre o resultado do julgamento de meia - daí o fato de o jogador ter sido escalado na última rodada, diante do Grêmio, no Canindé. Na época, Sestário foi acusado também de ter ligação com Fluminense e CBF - o advogado negou. Para tentar provar que havia, sim, comunicado o dirigente da Lusa sobre a suspensão de Héverton, o advogado chegou a abrir seu sigilo telefônico.
Fonte: GloboEsporte.com