Mãe de Dener relembra contratação pelo Vasco e histórias da infância do craque

Quarta-feira, 16/04/2014 - 16:50
comentário(s)



Janeiro de 1994. A Portuguesa aumentava o preço de venda de Dener. Pouco antes da negociação com o Vasco, por empréstimo, o então presidente do Corinthians, Alberto Dualib, fizera a proposta definitiva para levar o "Reizinho do Canindé": US$ 2 milhões, mais o passe de cinco jogadores, entre eles Tupãzinho, autor do gol do título brasileiro de 1990 do Timão. São-paulino na infância, mas com avô corintiano fanático, Dener era um dos mais animados para a transferência. Ele dava entrevistas dizendo que já havia passado seu tempo na Lusa, ainda mais depois do título gaúcho pelo Grêmio, e reforçava que queria respirar novos ares por seis meses.

Mas o Conselho de Orientação e Fiscalização, o COF da Portuguesa, decidira que Dener valia mais do que US$ 2 milhões e estipulou em US$ 3 milhões a cláusula de saída pelo passe do craque rebelde. Foi quando o Vasco apareceu na jogada. Para o aperto de um coração de mãe. Dona Vera Lúcia lembra com detalhes desse dia.

- Foi no dia 1º de janeiro de 1994. O Eurico (Miranda) ligou no almoço lá em casa, eu que atendi o telefone. Ele queria falar com o Dener, que ficou muito animado, mas eu não. Estava rezando para ele continuar no Sul - lembra ela, que foi cozinheira de colégio municipal e fazia bico em casas de diretoras e professoras da escola para completar a renda da casa.

O sentimento inexplicável de mãe dizia que as tentações da Cidade Maravilhosa tirariam Dener do caminho. Dona Vera conta que apenas “uma ou duas vezes” ele ligou e contou que tinha ido ao teatro ou que estava em casa e que tinha parado para ler um livro. Eram festas, churrascos, escolas de samba e um sonho: jogar a Copa do Mundo de 1994.

- Grupo fechado eu só conheço um, o Grupo Votorantin. Só sei que posso jogar ali. Tenho que mostrar isso - dizia Dener ao chegar ao Vasco, com bom humor e fazendo graça das remotas chances que tinha com o técnico Carlos Alberto Parreira.

Dona Vera recrutou a irmã mais velha de Dener, Adriana, para morar com ele no Rio. Mais para frente, Juninho, amigo dos tempos de futebol de salão do Vila Maria, que faleceu precocemente antes dos 40 anos, também foi morar com o craque do Vasco. Entre idas e vindas, brigas e reconciliações, Luciana Gabino também estava perto de se mudar para o apart-hotel Barra Bella, que ficava de frente para a praia da Barra da Tijuca. No mesmo prédio, morava Ricardo Rocha, que invariavelmente acordava o então companheiro para os treinos.

- Eu já conhecia, né? Dizia para ele: “vambora, vambora, conhaque é conhaque e trabalho é trabalho” - recorda o zagueiro, que seria tetracampeão no Mundial de 94 e estava em Paris, a serviço da Seleção, quando o Mitsubishi de Dener se chocou contra a árvore no bairro carioca da Lagoa e levou o jogador no dia 19 de abril de 1994.

Com quatro anos de idade, o pequenino Dener (“era raquítico, feinho”, recorda, com bom humor, a mãe) jogava na categoria fraldinha dentro da delegacia do 39º DP na Vila Gustavo, vizinho à Vila Ede, onde a família Rodrigues de Souza se separava por um quintal. Num sábado, dona Vera levou o pai - avô do menino - para assisti-lo. Ao sentarem na quadra, ouviram um cochicho. Bem ao lado, as pessoas comentavam sobre um "neguinho" que parecia o saci. “Tem que ver como ele joga”. Os dois se entreolharam e o avô coruja exclamou: “Acho que estão falando do nosso garoto”. Na mosca.

- Quando a garotada entrou na quadra, as pessoas falaram: “Ah lá, olha o menino que te falei” - lembra a mãe.

Dener estudava no colégio onde a mãe trabalhava. E jogava bola sozinho no pátio enquanto Dona Vera terminava o serviço. Um dia bateram na cozinha e perguntaram de quem era aquele menino jogando bola lá fora. O homem desconhecido avisou a Dona Vera:

- Cuida bem dele porque eu já vi que ele vai ser um grande jogador.

Ela cuidou a vida toda. Desde as simpatias de pé de seringueira que os pais faziam para o garoto superar uma bronquite, passando por colocar dente de alho no bolso dele antes de jogos importantes, até levar o menino num médico endocrinologista para saber por que Dener não crescia. Vera saiu do doutor com uma receita inusitada: miolo de cabeça de boi, que seria refogado para alimentar o craque precoce.

- Ele me disse: “Está louca, mãe, não quero isso, não. Credo. Estou com nojo.” Além de pobre, era metidinho.

Assessora de imprensa caseira

Dener dizia para a mãe que, se não fosse jogador, seria marinheiro. Queria conhecer o mundo todo. Como lembra a tia Vanda, irmã de Dona Vera, ele, mesmo garoto, corria atrás de tudo, de testes de futebol até informações para a Marinha. Com nove, 10 anos, ligava para saber com quantos anos teria que se alistar. Era a segunda opção para o caso de não vingar como jogador.

- Mãe, já pensou quando eu jogar no Maracanã, mãe. Todo mundo me vendo, vai ser bom demais! - suspirava Dener desde pequeno.

De dentro de campo, Dener ouvia dona Vera na arquibancada. A noção do campo e a malandragem com a bola no pé permitiam que desse um drible por baixo das pernas - o preferido da vasta coleção de fintas do craque - e olhasse para cima.

- Quando ele dava no meio da perna dos caras, ele me procurava, olhava e ficava dando risadinha para mim. Isso no profissional já. E eu gritava, falava para ele ir para cima dos jogadores, depois ele me dizia: “Mãe, fala mais baixo que dentro de campo escuto sua voz" - recorda dona Vera.

As brigas de moleque e também na juventude, seja na rua, na noite ou no campo, eram tema de conversa entre mãe e filho. Vera comprava todos os jornais, mesmo quando ele jogou no Grêmio e no Vasco - ia até a rodoviária para conseguir exemplares dos periódicos gaúchos e cariocas - e despachava com o filho. Vera lembra que o filho tinha um “geninho ruim mesmo, que era briguento”.

- Mas tinha uma coisa: ele não mentia. Se falasse: “Quem começou a briga?”. Ele dizia: “Fui eu, mãe” - lembra Vera.

As confusões no Canindé eram mais frequentes. Estrela da companhia, Dener chegava constantemente atrasado, mas na maior parte das vezes passavam a mão na cabeça dele. Leão, que foi técnico no seu início da Portuguesa, já não era tão flexível assim. Ele o retirava de treinos e, se preciso, até de jogos pelas indisciplinas. Em casa, também não tinha moleza.

- Ele queria saber de tudo que estavam falando. Quando fazia besteira já chegava dizendo: “Meteram o pau em mim, né, mãe?!”. Chamava, dizia que ele estava sujando a imagem, que não devia dar motivo para o povo falar dele - recorda a mãe.

Dona Vera alertava o filho sobre o fato de ser uma pessoa pública:

- Uma vez ele foi num pagode, tocou instrumento e saiu no jornal. Ele chegou bem abalado, mas eu disse para ele: “Daqui para frente é assim, as coisas mudaram, não é mais eu faço o que quero, tudo pode”.

Série especial

O GloboEsporte.com traz um especial para relembrar Dener e um webdoc sobre vida e morte do craque. Depoimentos de amigos, família, ex-companheiros e técnicos. Casos dentro e fora das quatro linhas. Dribles e polêmicas. A história interrompida ainda nos seus primeiros capítulos.

Momentos de Dener ao longo de sua infância, sempre com troféus por perto



Fonte: GloboEsporte.com