Vasco pode repetir feito do Expresso da Vitória ao vencer o Estadual após inauguração do Maracanã

Domingo, 13/04/2014 - 13:46
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Na lista de orgulhos proclamados pelos vascaínos ocupam destaque os feitos históricos e pioneiros do clube. A luta contra o racismo, a construção de São Januário e os recordes do chamado "Expresso da Vitória" são alguns dos mais marcantes. Entre as centenas de títulos, nacionais e internacionais, um Campeonato Carioca jamais será esquecido, mesmo se o tempo, implacável, tentar apagar. Trata-se do título de 1950, o primeiro do Estádio Municipal. Sim, é da época em que o Maracanã ainda não era o popular Maracanã. Quis o destino que, após a maior reforma pela qual o palco já passou, o mesmo time da cruz de malta estivesse lá, com a mesma firmeza de sua tradição, pronto para reviver este capítulo, neste domingo, às 16h. As cores do rival desta batalha é que estão diferentes: sai o America, entra o Flamengo.

Na realidade, embora o endereço seja o mesmo, o cenário também é outro. Virou arena, ganhou novo estilo e desenho interno e se adequou para sua segunda Copa do Mundo. Agora, porém, o resultado ainda não é conhecido, já que as seleções só entram em campo em junho. Portanto, além do tamanho da responsabilidade da estreia oficial dos clubes, aquela competição carregava o peso de reabrir o "Maior do Mundo", recheado de amargura pela derrota para o Uruguai. Base do escrete canarinho, o Vasco em campo tinha oito participantes da tragédia naquela tarde de 28 de janeiro de 1951 - o estadual só acabou no ano seguinte justamente por causa do Mundial.

Cabia a Barbosa, Augusto, Ely, Danilo, Ademir, Alfredo II, Chico e Maneca provar que não eram vilões, e sim os heróis de uma torcida que já estava cansada de levantar taças desde 1945. Dos titulares que superaram o America apenas Alfredo II pode estar vivo, aos 94 anos . A reportagem do GloboEsporte.com entrou em contato com o clube, parentes dos ex-jogadores, historiadores e torcedores antigos, mas ninguém é capaz de indicar seu paradeiro ou confirmar seu óbito.

A viúva de Ademir Menezes, então o maior craque do país, garante que o companheiro falava muito da importância de ter deixado seu nome gravado no sagrado estádio após o pior momento de sua carreira. Eles se casaram apenas em 1962, mas dona Vilma, aos 76 anos, conta detalhes como se tivesse estado no vestiário durante a campanha redentora pelo Vasco.

- Ele sempre falava que teve vários títulos na vida e só lembravam daquela tragédia de 50. Mas outra alegria, logo no campeonato seguinte, os vascaínos puderam ter. O Ademir se apaioxonou pelo clube. Era uma época diferente, de mais respeito. O Vasco era a casa dele. Tanto que foi chamado a vida toda de Ademir do Vasco. Era um sobrenome (risos) - conta.

Queixada, como era chamado, tentou ser técnico, mas "parecia que só fazia inimigos, diferente de quando jogava" e passou para a função de comentarista. Uma curiosidade a respeito do artilheiro do Carioca de 1950, com 25 gols, era que sua idade real permaneceu em dúvida até para alguns familiares. Oficialmente, consta que Ademir nasceu em 1922. Mas, segundo Vilma, a idade teria sido alterada por dirigentes para jogar na base. Ele lhe confidenciou que é do ano de 1924 e teria morrido, portanto, com 71 anos, em 1996, e não 73, como sempre foi noticiado.

Entre os outros personagens daquela decisão está Barbosa, de longe o que mais sofreu com o vice-campeonato da Copa por ter supostamente falhado no gol derradeiro de Ghiggia. Tanto que mudou-se para o litoral de São Paulo atrás de sossego. Não aguentava mais ser humilhado. Lá, encontrou um relativo anonimato, um pouco de paz e uma nova família. Tereza Borba o acolheu em sua casa depois da morte da esposa dele e virou uma filha para o ex-goleiro.

- Até me arrepia pensar nessa final e em como o meu anjo negro gostaria de ver e ser lembrado agora pelos feitos positivos dele. Lembro que ele contava que nunca recebeu o prêmio para o goleiro menos vazado da competição em 1950. Queria muito, procurou as pessoas depois, mas não entregaram. Com aquele título pelo Vasco, parece que foi a hora de lavar a alma. O Barbosa era um vascaíno louco, doente. Adorava aquele time e aqueles amigos. Infelizmente, a casa dele era só São Januário. O Maracanã, por tudo o que aconteceu, era um monstro para ele. Era muito dolorido: Ele lamentava: "Imagina o silêncio de 200 mil pessoas. Ficou tudo quieto, Tereza".

Mais dois craques tinham histórias de sobra para dividir sobre a redenção de 1950. Ipojucan, meia-atacante de 1,90m, perdeu um gol feito no primeiro tempo e viu o rival empatar logo em seguida. Levou às mãos à cabeça e causou estranheza aos companheiros pelo comportamento nos minutos seguintes. No retorno do vestiário para o gramado, alegou que estava passando mal e que não poderia mais jogar. O filme da derrota no Mundial voltava à sua cabeça, paralisando-o.

- Eu vou morrer. Estou sentindo falta de ar - relatou o jogador, segundo jornais da época.

Foi convencido pelo técnico Flavio Costa, que também comandou a Seleção na ocasião, a superar seu temor. No fim, deu a assistência para o gol de Ademir e pôde dividir as glórias de herói da conquista após o 2 a 1 no placar. Já Alfredo II foi dispensado pelo Vasco na temporada anterior. Aos 29 anos, foi julgado como ultrapassado. O Flamengo se aproveitou e fez um convite. Na hora de assinar o contrato, ele teria se debulhado em lágrimas por estar traindo o clube do coração. Na mesma hora, o presidente rubro-negro ligou para Cyro Aranha, que comandava o rival, e avisou que estava mandando o atleta de volta. Aceito na Colina, Alfredo II foi à Copa e defendeu a cruz de malta com categoria até 1956, quando se aposentou.

A decisão em questão não era exatamente como a de logo mais. Era campeão quem somasse mais pontos. E o Vasco arrancou no returno após um começo irregular até chegar com a vantagem do empate diante do America, na última rodada, que era justamente o segundo colocado. Isso deu ares de final à partida, que recebeu mais de 104 mil torcedores. Na época, foi batido o recorde de renda da história do futebol carioca. Apenas a Seleção atraiu mais público.

O pioneirismo impregnado na marca Vasco se estendeu para as arquibancadas na ocasião. Motivado por um samba criado pouco antes, a torcida adaptou a canção e berrou a plenos pulmões no Maracanã, em ato que, segundo o historiador Alexandre Mesquita, era inédito:

"Oi zum-zum-zum zum-zum-zum-zum! Vasco dois a um!
Ademir pegou a bola,
e desapareceu
Foi mais um campeonato,
que o Vasco venceu!"

- Depois da cantoria da famosa "Touradas de Madrid" na Copa de 50, talvez tenha sido a torcida do Vasco a primeira a entoar um cântico em jogos de clubes: a não menos famosa marchinha do Carnaval de 51 e que se referia ao "rush" (arrancada) de Ademir - conta Alexandre.

Ex-atacante e técnico, Evaristo de Macedo jogava pelo juvenil do Madureira. Encarou o Expresso da Vitória em seus últimos momentos, a partir de 1952 (quando o Vasco também garantiu o caneco). Mas, apesar de flamenguista confesso, admirava o fino trato que seu adversário dava à bola.

- Desde garoto eu era Flamengo. Mas obviamente via o Vasco pela rivalidade e porque o time era excelente. Era como um Brasil x Portugal ainda na época. Existia isso. Mas não extrapolava muito o campo. Era uma coisa mais desportiva, desde o remo - destacou Evaristo, hoje com 82 anos.

Chefe do centro de memória do clube e vice-presidente de relações especializadas, João Ernesto não era nascido na época da conquista, mas lembra-se do que seu pai e avô contavam e se baseia também na literatura pouco abrangente sobre o assunto.

- Foi especial e causou uma comoção porque era o Maracanã. Foi um campeonato diferente. Quem perdeu pode dar pouca importância, mas a verdade é que todos queriam o título. Para nós, diminuiu muito a tristeza pela Copa. Houve a ratificação de que aquele time era excepcional e que o gol sofrido pelo Barbosa contra o Uruguai foi uma fatalidade, não merecia ser visto como culpado. Aquilo o atingiu de maneira sórdida, mas ele deu a volta por cima - afirmou o dirigente.

Os heróis da vitória do título carioca de 1950:

Barbosa - goleiro - morreu em 2000, em Praia Grande (SP), aos 79 anos

Augusto - zagueiro - morreu em 2004, no Rio de Janeiro, aos 83 anos

Laerte - zagueiro - sem informações oficiais sobre a data do óbito

Ely do Amparo - meio-campista - morreu em 1991, no Rio de Janeiro, aos 69 anos

Danilo - meio-campista - morreu em 1996, no Rio de Janeiro, aos 75 anos

Jorge - meio-campista - morreu em 1998, no Rio de Janeiro, aos 74 anos

Alfredo II - meia-atacante - não há confirmação sobre seu paradeiro. Estaria com 94 anos.

Ademir Menezes - centroavante - morreu em 1996, no Rio de Janeiro, aos 74 anos ou 72 anos

Ipojucan - meia-atacante - morreu em 1978, em São Paulo, aos 52 anos

Maneca - meia-atacante - morreu em 1961, no Rio, aos 35 anos. Suicidou-se com veneno.

Dejayr - meia-atacante - morreu em 2006, no Rio de Janeiro, aos 72 anos

Confira a ficha técnica da partida decisiva:

Vasco da Gama 2 x 1 America
Data: 28/01/1951
Local: Estádio Municipal - Maracanã
Árbitro: Carlos Monteiro, o "Tijolo".
Gols: Ademir (aos 4' do primeiro tempo e aos 29' do segundo), e Maneco (aos 40' do primeiro).
Expulsões: Osmar e Godofredo (do América); Eli e Laerte (do Vasco).
Público pagante: 104.067 pessoas
Público presente: 121.765 pessoas.
Renda: CR$ 1.577.014,00.

Vasco da Gama: Barbosa; Augusto e Laerte; Eli, Danilo e Jorge; Alfredo, Ademir, Ipojucan, Maneca e Dejayr. Técnico: Flávio Costa.

America: Osni; Joel e Osmar; Rubens, Osvaldinho e Godofredo; Natalino, Maneco, Dimas, Ranulfo e Jorginho. Técnico: Délio Neves.

Curiosidades sobre o título:

- O Maracanã ainda era conhecido apenas como Estádio Municipal

- O Vasco manteve uma sequência de ser campeão carioca só em anos ímpares: 1945, 1947, 1949 e 1951, já que a final foi em janeiro

- Durante a competição, Laerte, Alfredo II e Dejayr barraram Wilson, Tesourinha e Chico, respectivamente

- Em 1961, Maneca se suicidou com veneno. Foi o único titular a morrer antes dos 50 anos de idade

- O America, rival na final, era conhecido como "tico-tico no fubá" pelo toque de bola e falta de objetividade do ataque

- Na época, não havia troféu, apenas diploma e um pequeno bastão. A partir de 1952 (também com título vascaíno) é que a taça foi criada



Fonte: GloboEsporte.com