Sessão solene nesta 2ª-feira na sede da Lagoa lembrará os 90 anos da 'Resposta Histórica'

Sábado, 05/04/2014 - 13:02
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Num momento em que casos de ofensas racistas vêm se tornando cada vez mais frequentes, na Europa, nas Américas e até mesmo no Brasil, o Vasco promoverá na segunda-feira, dia 7 de abril, às 19h, na Sede Náutica da Lagoa, o Dia da Consciência Vascaína. O ato será uma homenagem aos 90 anos da carta enviada pelo clube à diretoria da extinta Associação Metropolitana de Esportes Atléticos, a Amea, anunciando que entre a opção de ter de excluir 12 atletas negros e pobres sob pena de não ser aceito nessa liga, o Vasco preferia não participar da Amea.

Na história do clube, essa carta, enviada a 7 de abril de 1924, é conhecida como A Resposta Histórica, assinada pelo então presidente vascaíno, José Augusto Prestes. Um ano antes, em 1923, na Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) o Vasco havia se tornado o primeiro time campeão carioca com atletas negros e de classes sociais mais baixas, que não eram aceitos nos demais clubes. Quando Fluminense, Flamengo, América, Botafogo idealizaram a Amea, fizeram várias exigências aos vascaínos, como a de excluir atletas, o que não foi aceito. Uma cópia da carta de recusa se encontra até hoje no Salão de Troféus do clube. Por causa da crise em 1924, houve duas ligas naquele ano, a Amea, em que o Fluminense foi campeão, e a LMDT, em que o Vasco foi bicampeão invicto. Os negros, na realidade, só foram aceitos nos clubes de elite, assim mesmo como empregados, a partir dos anos 30, com o regime profissional. Embora o Bangu tenha tido atletas negros antes, em 1905, o fato de o Vasco ter sido campeão com jogadores negros e de classes populares, e de ter lutado para mantê-los, teve na época o peso de uma revolução por meio do esporte, principalmente levando-se em conta que a Abolição da Escravatura ocorrera em 1888, poucas décadas antes dos episódios de 1923 e 1924, e que os preconceitos raciais e sociais eram fortíssimos naquela época.

A ideia da homenagem é de João Ernesto da Costa Ferreira, vice de Relações Especializadas e diretor do Centro de Memória vascaíno.

— O objetivo era o de celebrar os 90 anos da Resposta Histórica, que por coincidência, vem num momento de tantas manifestações racistas no futebol. Mas não se trata de oportunismo, mas de uma homenagem à nossa segunda Lei Áurea, que democratizou o futebol brasileiro — explicou João Ernesto.

Na solenidade de segunda-feira, haverá discursos do presidente Roberto Dinamite, do próprio João Ernesto, sobre a importância da Resposta Histórica para a consolidação da grandeza do Vasco e para a democratização do futebol brasileiro; do Professor Ricardo Pinto, do Centro de Memória, sobre como era futebol antes e depois da Resposta; do sociólogo Maurício Murad, da UERJ e da Universo; do Professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, da UFRJ; e do historiador Walmer Peres, do Centro de Memória, que apresentará sugestões para que se celebre sempre o Dia da Consciência Vascaína. Haverá também números musicais e homenagens a representantes da diretoria de 1924 (bisneto do presidente José Augusto Prestes), descendentes dos atletas que seriam excluídos e a vários torcedores vascaínos de diversas idades que sempre se posicionaram contra os preconceitos sociais e raciais na sociedade brasileira, além de coquetel.

Abaixo a íntegra da carta:

Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.

Ofício nr. 261

Exmo. Sr. Dr. Arnaldo Guinle

M.D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos

As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação a que V.Exa tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número dos nossos associados.

Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma por que será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.

Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.

Estamos certos que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se à AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923.

São esses doze jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles, com tanta galhardia, cobriram de glórias.

Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V.Exa. que desistimos de fazer parte da AMEA.

Queira V.Exa. aceitar os protestos de consideração e estima de quem tem a honra de se subscrever, de V.Exa. At. Vnr. Obrigado

(a) Dr. José Augusto Prestes

Presidente

Coragem. Com negros e brancos pobres, o primeiro time campeão carioca pelo Vasco, em 1923. O clube preferiu não entrar na liga a ter de eliminar atletas


Fonte: O Globo Online