Ele surgiu como grande promessa no Coritiba e ajudou o clube a voltar à Série A do Campeonato Brasileiro em 2007. Mas, sete anos depois, a carreira de Pedro Ken não seguiu o rumo que a maioria - inclusive ele - imaginava. De promessa no Coxa a poucas chances no Cruzeiro, o jogador chegou a ser emprestado duas vezes (Avaí e Vitória) antes de se reencontrar no Vasco. Nome mais que mais vezes vestiu a camisa cruz-maltina na temporada passada, não precisou de muito tempo para reconquistar a vaga no time titular em 2014. E sua história até se confunde com a do Cruz-Maltino: ambos miram o título carioca como uma volta por cima. Para o clube, o fim de um jejum que está perto de chegar a 11 anos. Para Pedro, a certeza de ter tomado a decisão correta.
- No Cruzeiro acabei não tendo as chances que esperava e não consegui me firmar. Faz parte da vida, do futebol. Agora voltei a um grande clube e após um ano difícil em 2013 já começamos a dar a volta por cima. Queremos terminar bem o Carioca. Decidi ficar por causa da identificação com o clube. Acreditava que as coisas iam melhorar. Esse título seria a certeza de que tomei a melhor decisão - disse Pedro Ken, em entrevista ao GloboEsporte.com, sobre a renovação de seu contrato com o Vasco por mais um ano.
Para isso, ele precisou se reinventar dentro de campo. No lugar do meia que iniciou a carreira, um volante voluntarioso. Aliás, é assim que Pedro Ken quer ser visto de agora em diante, como um homem de marcação. E deseja também ser cobrado dentro dessa nova função.
- Mesmo jogando em uma posição defensiva, vejo comentários e notas sobre minhas atuações cobrando uma postura ofensiva. Ainda sou visto como meia nesses casos. É preciso saber separar o Pedro meia do Pedro volante. Só assim as pessoas vão analisar melhor as minhas atuações. Essa é a parte complicada de não ter uma posição definida, de ser polivalente. A cobrança por vezes não condiz com minha função em campo - frisou.
Nessa entrevista de quase 30 minutos, o agora volante deixou de lado as derrotas recentes em decisões contra o Flamengo, lembrou suas experiências bem sucedidas na Série B e fez um mea-culpa ao lembrar de jovens que surgiram quase ao seu lado no Coritiba e que hoje brilham na Europa, como Rafinha, Miranda e Adriano. E comentou até as dificuldades que passou no início da carreira por fugir do estereótipo tradicional do jogador de futebol.
- Não é porque um cara vem de família humilde que ele merece mais do que eu. Futebol é talento, é momento. Não só no futebol, aliás. As pessoas precisam ser tratadas da mesma forma. Quando eu era da base, ouvi treinador dizendo que eu não chegaria no profissional, que quando houvesse dificuldade no caminho eu não iria suportar. Passei por muita coisa e hoje estou aqui. É tudo questão de mérito - frisou o jogador, que chegou a iniciar a faculdade de Educação Física em Curitiba e precisou trancar a matrícula por causa do futebol.
Confira a íntegra da entrevista:
Como você analisa esse início de temporada do Vasco. O clube já pode ser coroado com um título carioca, algo que não conquista desde 2003?
O clima está bom. O grupo estava meio desacreditado no início do ano por tudo o que aconteceu no ano passado, mas nos unimos bastante. Nos comprometemos a trabalhar, focar, se concentrar totalmente nesse ano importante que o Vasco terá, um ano de reconstrução. Precisamos reerguer o clube e acho que estamos no caminho certo. Chegamos a essa final com méritos. Coletivamente o Vasco está bem. A defesa é eficiente, temos o artilheiro do campeonato. Isso tem nos ajudado muito. Estamos procurando jogar de forma diferente, com esse espírito que temos demonstrado nas partidas. Coisa de se doar mesmo em campo. Esperamos ser coroados nessa decisão.
Esperava uma volta por cima tão rápida do clube e do elenco depois de tudo o que aconteceu no ano passado?
Quando cheguei, fui um dos últimos a iniciar a pré-temporada. Vi como estava a situação do grupo em Pinheiral, a forma como todos estavam trabalhando e se dedicando. O elenco concentrado, com um ambiente bom, o Adilson procurando passar confiança para todo mundo, imprimir a filosofia dele. A partir daquele momento acreditei que as coisas estavam mudando, estavam entrando no caminho certo.
Você surgiu bem no Coritiba, foi vendido ao Cruzeiro e não conseguiu se firmar em Minas. Acabou emprestado duas vezes (Avaí e Vitória). Agora está novamente em um grande clube e pode ajudar a acabar com um jejum de 11 anos. Além de toda a importância que terá para o clube, esse possível título também vai ser especial para você caso seja conquistado?
Acho que sim. É uma grande chance estar em um clube como o Vasco, uma potência, com a grandeza que tem. Ainda mais conquistando títulos e ficando marcado na história. Tem toda essa questão do jejum no Campeonato Carioca, sem nem chegar na decisão. Para mim vai ser muito importante. No Cruzeiro acabei não tendo as chances que esperava e não consegui me firmar. Faz parte da vida, do futebol. Agora voltei a um grande clube e após um ano difícil em 2013 já começamos a dar a volta por cima. Queremos terminar bem o Carioca. Decidi ficar por causa da identificação com o clube. Acreditava que as coisas iam melhorar. Esse título seria a certeza de que tomei a melhor decisão.
Sua posição de origem é apoiador, mas você se destacou no Vasco como volante e já declarou que quer continuar jogando mais recuado. Quando percebeu que era a hora de mudar?
Na minha carreira inteira eu sempre joguei em várias posições, sempre fui versátil, coringa. Mas do meio para o fim do ano passado, comecei a jogar mais como volante e passei a me destacar, a jogar melhor. Na realidade, acho que a posição condiz mais com minhas características de jogo, de marcação, qualidade do passe, chegando às vezes como homem surpresa. Hoje sou volante. Mas ainda vejo uma questão complicada por não me verem como tal. Mesmo jogando em uma posição defensiva, vejo comentários e notas sobre minhas atuações cobrando uma postura ofensiva. Ainda sou visto como meia nesses casos. É preciso saber separar o Pedro meia do Pedro volante. Só assim as pessoas vão analisar melhor as minhas atuações. Essa é a parte complicada de não ter uma posição definida, de ser polivalente. A cobrança por vezes não condiz com minha função em campo.
Finais contra o Flamengo não trazem boas recordações para a torcida vascaína. Foram algumas derrotas em sequência. Isso entra em campo? Os jogadores conversam sobre o assunto?
Isso fica para trás. Ninguém do atual elenco estava no clube quando isso aconteceu. É um momento novo, um grupo novo, um ambiente diferente... É isso que a gente pensa. Não podemos carregar esse peso extra para dentro de campo. Sabemos tudo o que envolve essa decisão, essa rivalidade. Temos que estar ficados no nosso objetivo, no título, sem ficar pensando em tabus ou coisas parecidas.
A união é o principal jogador do Vasco no Carioca?
É muito importante, tanto a união como o comprometimento da equipe. Nosso entrosamento é muito bom também, defensivamente e ofensivamente. Aqui todos deixam a vaidade de lado de forma humilde para ajudar o Vasco e isso tem feito a diferença. Não somos apenas um time, e sim um grupo muito forte, sempre trabalhando para não deixar perder o foco. Sabíamos que teríamos um ano difícil pela desconfiança, pelo descrédito, mas precisávamos enfrentar isso juntos. É o que tem feito a diferença. O Adilson sempre está ao nosso lado e procura ajudar. É um cara que tem feito a diferença.
Você disse recentemente em uma coletiva de imprensa que os jogadores dão sempre as mesmas respostas porque os repórteres fazem sempre a mesma pergunta. Acha que o futebol hoje em dia está chato? Que qualquer declaração diferente pode gerar uma polêmica desnecessária? Você tem medo de falar alguma coisa que pensa, por exemplo?
Não vejo dessa forma. As respostas são as mesmas, porque as perguntas são as mesmas e as pautas também. Não tem como fugir muito. E não tenho medo de falar nada, é uma questão de respeito. Infelizmente o povo brasileiro nem sempre consegue interpretar as palavras da forma correta. Pode virar provocação. Aí o torcedor leva isso para fora do estádio, pode até incitar a torcida adversária. É mais precaução mesmo do que podemos ou não podemos falar. Não diria medo. É cautela.
Você foge um pouco do estereótipo do jogador de futebol. Teve boa condição financeira na infância, chegou a começar a faculdade, é mais esclarecido do que a maioria... Já sentiu algum preconceito por ser diferente no meio?
Tive mesmo uma boa educação, uma boa família, uma formação escolar diferente da maioria, cheguei a iniciar a faculdade de educação física na PUC de Curitiba, mas já passei por algumas situações sim. Hoje vejo tudo de forma mais tranquila. Realmente fujo do estereótipo tradicional do jogador. Mas todo mundo tem que ter os mesmos direitos, merece ser tratado da mesma forma. Existe um respeito maior hoje em dia. Não é porque um cara vem de família humilde que ele merece mais do que eu. Futebol é talento, é momento. Não só no futebol, aliás. As pessoas precisam ser tratadas da mesma forma. Quando eu era da base, ouvi treinador dizendo que eu não chegaria no profissional, que quando houvesse dificuldade no caminho eu não iria suportar. Passei por muita coisa e hoje estou aqui. É tudo questão de mérito. Levo na boa.
Quais são seus hobbys fora de campo?
Gosto também de ir à praia e recentemente subi a Pedra Bonita. Gosto muito de ler também. É um hábito que tenho há muito tempo. Leio de tudo, mas gosto muito de biografias. É algo mais real e serve de inspiração. Li algumas de atletas como Lance Armstrong, Michael Phelps, quero ler a do Senna. No momento estou lendo um livro esotérico chamado "A Profecia Celestina".
Você gosta desse assunto?
Tenho esse lado esotérico, acredito em coisas do pensamento, em energia. Sou espírita e costumo frequentar um centro no Leblon perto da minha casa.
Sentiu alguma energia diferente antes da final? Algo para deixar os vascaínos mais confiantes?
(Risos) Sinto um clima diferente, bem mais leve. Todos acreditando, confiantes. Temos que mentalizar coisas boas.
Você entrou como investidor em um projeto no ano passado. Virar empresário é uma ideia para o futuro? Não pensa em seguir no futebol após a aposentadoria?
Foi uma ideia que começou com mais três amigos. Trata-se de uma franquia alemã que combate os sintomas da abstinência ao cigarro com um soft-laser. Acabamos comprando a representação aqui no Brasil e vendemos as franquias no país. Abrimos uma clínica em Curitiba, a Facilitas Healthcare. É algo que já existe em quase 30 países. Entrei como investidor para aprender, estar no meio e ganhar experiência para o futuro. É uma das minhas ideias quando parar de jogar futebol. Vou deixar para decidir mais para frente porque não me vejo totalmente fora do futebol. É algo que vivi minha vida toda e que posso passar de positivo para outras pessoas.
Você surgiu no Coritiba ao lado de nomes promissores como Keirrison, Rafinha, Miranda, Henrique e Adriano. Normalmente, os jogadores ofensivos são mais badalados. Mas dessa lista, Miranda, Henrique, Adriano e Rafinha hoje jogam na Europa, enquanto você e Keirrison estão no Brasil. Você pensa nisso? Achava que aos 27 anos estaria em uma situação diferente?
Claro que no início a gente sempre pensa grande. Mas até hoje eu acredito e continuo pensando assim. Não é porque hoje tenho 27 anos que vou deixar de sonhar e querer coisas boas. Mas no futebol certas situações fogem da nossa mão. Operei o joelho no meu melhor momento no Coritiba. Fiquei sete meses sem jogar e isso atrasou todo o processo. Ainda assim fui vendido ao Cruzeiro, mas infelizmente não tive a sequência que imaginava diante do investimento feito e do tempo do contrato que foi assinado. Vivi bons momentos lá, fiz gol em Libertadores... Eu era muito novo. Se tivessem me dado confiança, eu podia ter vivido lá o que vivo hoje no Vasco. Mas me emprestaram logo no segundo ano de contrato. São coisas que acontecem. Às vezes o treinador não gosta de tal jogador, tem preferência por outro... São coisas que fogem do nosso controle. É claro que eu também tenho responsabilidade em tudo isso. Talvez não tenha jogado tão bem quanto eu queria. Mas posso garantir que não tenho frustração alguma em relação ao que vivo hoje e ao que poderia ter vivido. Cada um segue seu caminho e fico feliz por ver amigos nessa situação. Eu também estou muito feliz no Vasco.
A lesão no joelho mudou sua carreira? Acha que as coisas seriam diferentes?
É difícil falar assim. Não dá para saber. Claro que qualquer lesão grave atrapalha. Eu era novo e interrompeu um bom momento que eu vivia. Realmente me atrapalhou, mas vários outros passaram por isso. O Ganso se machucou e demorou para voltar a jogar bem. Mas não vejo isso como desculpa.
Você disputou a Série B de 2007 pelo Coritiba e foi campeão. Em 2012, defendeu o Vitória na campanha que levou o time baiano de volta à Série A. Essa experiência pode ajudar a resgatar o Vasco agora?
É realmente um campeonato muito diferente, com um jogo mais corrido, mais truncado. As equipes menores procuram vencer na disposição, procuram se doar mais. O Vasco, como equipe grande que é, precisa igualar nesses quesitos porque já vai se sobressair na qualidade individual. Precisamos ter dedicação, vontade e foco. Assim teremos um caminho menos difícil nesse acesso. Se achar que já subiu, que vai ganhar só na qualidade, acaba se complicando. Temos de ter humildade e comprometimento.