Ao comentar últimos episódios de ofensas raciais no futebol brasileiro, sociólogo lembra luta do Vasco da Gama contra a discriminação

Sexta-feira, 07/03/2014 - 19:51
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As recentes ocorrências de agressões racistas ao juiz Márcio Chagas da Silva e ao apoiador Arouca, do Santos, foram classificadas pelo sociólogo Maurício Murad como manifestações do que existe de estupidez e preconceito na sociedade brasileira. Com uma longa carreira dedicada à sociologia do esporte, Murad considera que, de certa forma, nunca deixaram de haver questões racistas no futebol brasileiro e na sociedade brasileira.

— O racismo é um problema estrutural e histórico no país. Foram 350 anos de escravidão, e o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão. Além disso, não tivemos políticas de inclusão dos ex-escravos nem de incorporação dos valores e da cultura negra, em aspectos como canto, dança e o próprio futebol — diz ele, professor titular de Sociologia dos Esportes do Mestrado da Universidade Salgado de Oliveira e professor aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. — Isso que acontece no Brasil é uma estupidez, um crime inafiançável e imprescritível.

Murad lembrou que a primeira legislação sobre o tema, no Brasil, foi a Lei Afonso Arinos, de 1951, que considerava o racismo uma contravenção. Em 1989, já depois de promulgada a nova Constituição Federal, a nova lei passou a considerar este tipo de ato como um crime.

— A realidade brasileira apesenta ocorrências de racismo em nível inaceitável. Essas pessoas têm de ser punidas. Essa estupidez têm de ser punida criminalmente. Fico contente que o Ministério Público gaúcho já tenha convocado o Esportivo, e que o clube esteja pedindo à torcida que identifique os autores. O racismo é um problema estrutural, e o nosso maior problema estrutural é a impunidade — analisa, recordando que o futebol tem sido um lugar de afirmação do valor e de ascensão social de negros, mestiços e brancos pobres.

— O racismo vem de fora dos gramados. Vem da sociedade, que não incorpora os negros. Estes foram aceitos nos clubes por sua competência, pelos valores que trouxeram, melhorando o estilo brasileiro de jogar, com movimentos da capoeira, do samba, do maxixe. Assim, ajudaram a mudar o futebol brasileiro e a fazer dele o maior evento da nossa cultura popular. Entretanto, como nossa sociedade não os aceita, negros, e também mulheres ganham menos que os brancos. O Índice de Desenvolvimento Humano do país sem os negros e mestiços é um, e com negros e mestiços, cai drasticamente. Isso, apesar de toda a demonstração de que negros são tão capazes quanto os brancos.

A meses de sediar a Copa do Mundo pela segunda vez, o futebol brasileiro parece voltar na história a uma época pouco conhecida em que preconceitos raciais e sociais imperavam também em campo.

— Historicamente, o futebol brasileiro foi racista, elitista e excludente nas três primeiras décadas (do século 20). Houve algumas iniciativas, como a do Bangu, no Rio, em 1905, e do Corinthians, em São Paulo, não com negros, mas com brancos pobres e imigrantes. Mas, de fato, a pedra de toque foi o Vasco, no Rio, ns anos 20. O Vasco foi o primeiro a efetivamente incorporar a luta contra o racismo como parte de sua política, ao passo que os outros tiveram isso como algo eventual, pontual. Já o Vasco teve um papel proeminente nesta história — relata Murad. — Em 1933, com a adoção do profissionalismo, foi uma maneira de se incluir negros e pobres. A partir do anos 40 e 50, o futebol brasileiro se firma como o maior evento popular do país, graças também a conquistas internacionais da seleção, do Botafogo de Garrincha, do Santos de Pelé.

Especialista em pesquisas sobre a origem do futebol e também sobre a violência das torcidas, Murad lançou há pouco a obra “Para entender a violência no futebol”. Em seu entender, mais do que apenas um esporte, o futebol é uma maneira de se compreender o próprio país.

— Através do futebol, se entende o Brasil. A história do negro mostra, por meio do futebol, o que é o Brasil, com sua estupidez e com tentativas de inclusão. É algo revelador das nossas raízes. É preciso punição criminal (a quem pratica ofensas racistas) e uma campanha de conscientização ampla, por meio da mídia, para incluir valores, falar de cidadania e enfrentar o preconceito — conclui Murad.

Fonte: Globo Online