Rede de franquias de lojas oficiais do Vasco perde 9 de 20 unidades, gera reclamações e dá prejuízo a parentes de dirigentes
Em maio de 2010, o Vasco e a empresa SPR assinaram um contrato de oito anos com uma meta ambiciosa: inaugurar, em cinco anos, 100 lojas com a recém-criada marca Gigante da Colina. Os primeiros passos da parceria foram empolgantes: 16 unidades abertas (três delas fora do Rio de Janeiro) em meio à festa, investimentos e retorno aos cofres do clube, que vivia um momento de reconstrução no futebol após a queda para a Série B. Mas o sonho, aos poucos, se transformou em um efeito dominó no qual nove dos 20 estabelecimentos anunciaram o adeus à franquia.
Os motivos para a decadência do projeto passam pela nova péssima fase do time em campo e pelo mercado pouco aquecido, que fez até com que o último Natal tivesse média geral de venda no país inferior a outras temporadas. Mas, principalmente, de acordo com os lojistas, a falta de sintonia entre as partes envolvidas foi determinante para o cenário atual. A SPR virou alvo de ações na Justiça, distratos unilaterais e muitas críticas sobre fornecimento e omissão.
Na última semana, três destes locais fecharam as portas ou colocaram seus pontos à venda para evitar o acúmulo do prejuízo - havia quem tivesse que colocar até R$ 15 mil do próprio bolso para pagar funcionários, aluguel e material. Se antes o Vasco recebia cerca de R$ 500 mil de royalties (9,5% da arrecadação), hoje não bate R$ 40 mil mensais - quando é repassado. O departamento de marketing do clube esteve desfalcado de um vice-presidente por 11 meses e pouco agiu no período para tentar remendar a situação, que se mostra caótica desde que a administração de Roberto Dinamite caiu em descrédito com debandada de jogadores pela grave crise financeira.
Empossado diretor do setor há 15 dias, Bernardo Pontes, sob o comando do vice Victor Ferreira, assumiu o caso, foi a São Paulo conversar com a empresa e voltou com a promessa de esforço para buscar uma solução imediata para evitar que mais franqueados abram mão do negócio.
- Já identificamos o cenário, me reuni com a SPR, estamos buscando informações e pode ter certeza de que se todos estão saindo prejudicados, o Vasco é uma parte envolvida e atingida, claro. Vamos ter um conjunto de medidas nas próximas semanas, é o que eu posso passar como posição oficial agora. Trataremos com um olhar especial aqueles que estão abertos para pensarmos no futuro. Faremos nosso dever de casa - assegurou o novo diretor.
Entre as 11 que restam operando, pelo menos três já notificaram a SPR pelos diversos problemas das linhas exclusivas e cogitaram pular fora da nau. A questão é que para abrir e manter a loja todos tiveram que injetar entre R$ 350 mil R$ 500 mil, o que é capaz deixa qualquer um em dúvida sobre o que fazer.
- A fase do futebol não é boa, mas isso não mata o clube. O torcedor continua querendo comprar, por isso não estamos quebrados. Mas a procura é muito baixa por vários fatores, e quase todos ligados ao péssimo trabalho da SPR. Recebi uma linha inteira do São Paulo ao invés da do Vasco, o que acabou com meu Natal. Reclamei, me ignoraram, depois de um tempo veio o material incompleto. E sempre chega tudo tarde, peças da coleção deles também são manchadas, é um horror. Não tive treinamento, apoio, nada em dois anos e meio. A loja era um das melhores no início. Só na inauguração tivemos duas mil pessoas aqui. Agora, já tem dois meses que não compro nada. Boa parte do estoque segue emperrado, infelizmente - lamentou Luiz Roberto Fernandes, dono da loja de Brasília, que desistiu do projeto e vai ingressar com um processo assim que receber uma oferta por seu ponto no Conjunto Nacional.
Segundo o comerciante, a ação não foi movida ainda por falta de contrato.
- Nem contrato eu tenho na mão. Tenho pedido a eles, mas ninguém envia. Disseram que havia sido assinado errado na época e que iriam corrigir. E esqueceram do assunto. Como errado se veio um representante da empresa e me passou os documentos? Foi erro deles.
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INCENTIVO DO CORINTHIANS
A entrada da empresa no esporte foi através do Corinthians, que havia sido rebaixado em 2007. A marca Poderoso Timão foi lançada e ganhou força a ponto de incomodar a Nike, fornecedora do clube paulista. Depois foi a vez do Vasco ficar fora da elite. Houve troca de informações entre as diretorias e surgiu a indicação da franquia para alavancar a marca com novos produtos. Um vínculo de oito anos foi assinado e logo a ideia se proliferou e rendeu frutos. A SPR adiantou R$ 2,5 milhões ao Cruz-Maltino para pagar dívidas, que seriam abatidos nos lucros futuros.
O início promissor, porém, ficou para trás já em 2012. Segundo relatos, outras lojas não autorizadas - físicas e na internet - vendiam material exclusivo da franquia Gigante da Colina por um preço mais barato. Há a suspeita de que a empresa passou a cortar intermediários e negociar no varejo para minimizar os danos. Isso teria contribuído ainda mais para diminuir o público das lojas vascaínas, já que não é possível fazer promoções sem o aval da matriz. A Penalty, que não comercializa produtos da linha da SPR em sua unidade particular de São Januário, bateu de frente algumas vezes e virou a saída para os que não querem abandonar o Vasco, mas não admitem negociar com a empresa paulista.
- Foram seis meses de negociação. Tudo muito desgastante. Emagreci 43 quilos nesse processo, embora minha intenção fosse sair de escritório para ter mais qualidade de vida. Quero continuar na loja, pois injetei muito dinheiro e, como todos, compramos um projeto por amor ao Vasco, mas desse jeito não foi possível - explicou um lojista que pediu para não ser identificado.
Outra reclamação recorrente é sobre a omissão do clube. Em reunião de janeiro de 2013, já para discutir o rumo negativo que o trabalho vinha tomando, o diretor de marketing Henry Cantfield fez uma breve apresentação e deixou o local para que os lados se acertassem, o que revoltou os investidores, que dizem que "o Vasco não abraçou a causa" como deveria quando a situação se complicou e que "não queria os pepinos do projeto". No período, a única ação publicitária de sucesso foi a presença de jogadores nos locais, o que chamava a torcida atrás de autógrafos. Mas mesmo este expediente pioneiro foi pouquíssimo explorado no último semestre. Reza o contrato que o montante de 1% das vendas estava reservado para publicidade. Mas praticamente nada foi feito em relação à divulgação, seja na mídia ou em espaços dentro e fora do estádio. O Internacional, por exemplo, fez um comercial na TV com os jogadores como vendedores.
- Há um bom tempo temos tentado vender ingressos nas lojas oficiais. E não resolvem isso. Só que outras lojas que não têm nada a ver com o Vasco ou com a franquia Gigante da Colina vendem, aí é complicado. É um momento de reestruturação, por isso eu aposto que ainda pode dar certo - explicou um lojista que tem dois pontos (Shopping Iguatemi e Guadalupe) que resistem às dificuldades.
De fato, o clube só libera bilhetes para os jogos na loja do Norte Shopping, no bairro do Caxambi. Coincidência ou não, ela é de propriedade da família do presidente Roberto Dinamite. Além das sedes, posto de gasolina e um clube português, os seguintes estabelecimentos sem ligação direta aparente com o Cruz-Maltino comercializam os ingressos para o duelo com o Resende, na próxima quarta-feira, pela 12ª rodada da Taça Guanabara, e aproveitam a movimentação: Loja Carioca F.C., no Shopping Méier, Loja Fanática, no Lagoa Shopping, em Araruama.
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EMPRESA CRESCE NO PAÍS
A grave situação, no entanto, não se estende para outras área de atuação da parceira do Vasco. Com o nome estabelecido no mercado, a SPR fechou com camisas de peso recentemente, como São Paulo (40 lojas), Cruzeiro (10 lojas) e Inter (16 lojas), além de ter trabalhos diferentes com Botafogo e Vitória. Nenhum destes clubes vive drama semelhante. Ao contrário, tem crescido a estrutura a cada mês. O próprio Corinthians renovou o compromisso e já possui 120 pontos.
Em defesa, o representante André Giglio admite falhas com a franquia Gigante da Colina, mas não crê que a queda das vendas e o fechamento em sequência das lojas seja responsabilidade de sua empresa. O dirigente enumerou os obstáculos e pediu mais paciência.
- Não acho que houve negligência em hipótese alguma. Há pontos a serem melhorados, como sempre vai existir. Mas outras questões devem ser elencadas: mercado pouco aquecido, gestão do local, ponto comercial. O ano foi ruim, ficou aquém da expectativa, mas isso aconteceu com o mercado geral. Nesse meio é assim: você olha para trás, aprende e tenta mudar. O problema é que às vezes a expectativa do franqueado é impossível de se atender e não estão dispostos a esperar acontecer. Alguns têm outras atividades e sequer pisam na loja - argumentou.
Giglio disse ainda que a Penalty foi a culpada no caso do material do São Paulo que foi enviado por engano a Brasília. A fornecedora também presta serviços ao Tricolor. E deu como exemplo as lojas da Ilha do Governador e do Shopping Carioca, que eram administradas pela SPR mas foram negociadas com um empresário que, hoje, estaria com rendimento satisfatório.
- Este franqueado veio com a mente aberta e, digamos, sem querer ouvir as "profecias do Apocalipse". E está dando certo, se dedicando muito, sem pensar em fechar - apontou.
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DIRIGENTES LEVAM PREJUÍZO
Com a abertura de tantas lojas em 2011, dirigentes do Vasco também se interessaram em participar. E apontaram familiares para assumir o estabelecimento com o objetivo de evitar o conflito ético. São os casos do ex-vice de finanças, Nelson Rocha, do ex-vice de patrimônio, Fred Lopes, do próprio presidente Roberto Dinamite (cuja loja do Norte Shopping, citada acima, é gerida por sua filha e segue aberta) e o atual vice de futebol, Ercolino de Luca. Sua filha, Priscila, fechou as portas na unidade da Tijuca na quinta-feira e desabafou em uma rede social.
"E assim acaba mais um projeto e sonho de vida. Hoje estou com uma mistura de sentimentos, mas com uma certeza: fiz tudo o que podia para seguir em frente. Cada canto dessa loja foi idealizado com amor, carinho e vontade de dar certo (...) Fechei o portão pela última vez e me segurei para não chorar", publicou.
O assunto, aliás, foi uma das razões para que as brigas internas se intensificassem. Antes da SPR, o Cruz-Maltino tinha vínculo com a Braziline, outra companhia do ramo. Ficou definido que este acordo não seria renovado em 2012, mas Dinamite, isoladamente, decidiu estendê-lo sem avisar seus pares. O ato foi tratado uma traição, causou revolta e deixou o clima de desconfiança no ar. A SPR não contestou judicialmente, até porque a Braziline não chegou nem a rivalizar. Explica-se: apesar do contrato em vigência, em rápida pesquisa em sites é possível constatar que os produtos do Vasco ligados à ela estão indisponíveis e fazem parte de linhas antigas.
Se considerar romper com a SPR, o clube precisaria pagar multa de R$ 100 mil por cada loja aberta, o que hoje representaria mais de R$ 1 milhão. Mas essa não é a intenção da diretoria, que enxerga a parte positiva da nova queda para a Série B, a exemplo do que ocorreu em 2009.
- Tem essa propensão a alavancar por causa da Série B. As vitórias vão aparecer de novo, o torcedor vem junto na hora que precisa. Isso pode ser importante. Tanto que temos pedidos de várias partes do Brasil para abrir novas lojas - revelou Bernardo Pontes.
Fonte: GloboEsporte.com
