Após cinco anos de discussões em congressos, a Fifa irá desregulamentar a profissão de agente de futebol. A partir de 1° de fevereiro de 2015, clubes e jogadores tratarão sobre negociações com intermediários, conforme determinação da instituição já especificada em um documento ao qual o L!Net teve acesso.
A entidade máxima do futebol, dessa maneira, se desvincula totalmente do papel de regulamentar a atividade, que já estava sob cuidados das 209 federações filiadas à Fifa desde 2001. A mudança trará impactos à situação de, ao menos, 6.882 agentes, que têm licenças. As permissões serão recolhidas por cada associado filiado até o ano que vem.
Em 2009, no 59º Congresso da Fifa, em Marrakesh, membros da Associação Europeia dos Agentes de Futebol (Efaa) iniciaram os debates para as mudanças relativas à atuação de empresários no futebol. O Brasil e os outros países da América do Sul foram representados por Marcos Motta, especialista em direito desportivo e consultor jurídico da Efaa.
Será de responsabilidade de clubes e jogadores checarem os critérios mínimos estipulados pela Fifa – como saber se o intermediário tem certidão negativa, por exemplo – antes de definir com quem irão negociar. Um contrato modelo de representação com respaldo da entidade, então, poderá ser assinado entre as partes.
As operações, portanto, serão registradas por meio desses contratos a partir das federações, informando as pessoas envolvidas nos negócios. Fato que tornaria os negócios mais transparentes, na visão da entidade.
A Fifa sugeriu que as comissões pagas a esses intermediários sejam de 3%. A imposição do percentual, porém, desagradou e a participação a qual esses profissionais têm direito fica como uma recomendação. Nos atuais moldes, quando essa taxa é especificada em contratos de transferência, o agente recebe 10% do salário bruto negociado para o jogador.
Dados fomentam as mudanças
Nas primeiras discussões sobre a desregulamentação da atividade de agente de futebol, a Fifa apresentou alguns dados para defender uma mudança na relação entre esses profissionais e clubes e jogadores: apenas 30% das atividades no futebol têm como intermediários empresários licenciados. Os outros 70% trabalhavam à margem no mercado, como terceiros.
Além disso, 98% das ações na Corte Arbitral do Esporte (CAS), cuja autoria era dos agentes, envolviam débitos relacionados ao recebimento de comissões.
Assim, na visão da entidade, não havia um fluxo do dinheiro dentro do próprio futebol e as despesas da instituição para regulamentar e manter uma comissão interna para julgamento de casos envolvendo os agentes não se justificavam.
A Fifa acredita que o intermediário, diferentemente do agente, pode ser o elo entre clubes em uma transação sem haver conflitos de interesse por ele, justamente, não ter vínculos com alguma das partes e ser apenas contratado.
Filiados podem estabelecer regras
A despeito de as relações para negócios serem conduzidas especialmente por clubes ou jogadores e intermediários, as federações não ficarão marginalizadas.
Um ponto debatido internamente pelos consultores da Associação Europeia dos Agentes de Futebol (Efaa) fala sobre os filiados á Fifa criarem um regulamento próprio para os intermediários.
Desde 2001, os associados da entidade credenciam os agentes e conduzem parte do processo para obtenção de licenças. Cada federação é responsável por elaborar 50% do conteúdo das provas. A outra metade fica a cargo da Fifa, apesar de a taxa cobrada para o exame ficar com as federações. Empresários já estão sendo recomendados a não renovarem as licenças.
O LANCE!Net tentou contato por telefone com o vice jurídico da CBF, Carlos Eugênio Lopes, para que ele comentasse sobre as mudanças, mas não obteve retorno.
AGRAVANTES PARA AS MUDANÇAS
> Apenas 30% da atividade mundial tem intermédio de agentes licenciados. Os outros 70% dos negócios são feitos à margem no mercado
> 98% das ações na Corte Arbitral do Esporte (CAS) que têm agentes como autores envolvem recebimento de comissões
> Na Inglaterra, em média, são gastos, por ano, de US$ 100 milhões a US$ 200 milhões com comissões a agentes de jogadores
COMO É COMPOSTA A ESTRUTURA ATUAL
> 209 federações filiadas à Fifa
> 6882 agentes têm licença das associações
> 246 desses agentes são brasileiros
PARA SE TORNAR AGENTE NO MODELO VIGENTE
> O candidato deve, primeiramente, apresentar documentos exigidos, entre eles certidão negativa e criminal e diploma de 2 grau. Ele paga para fazer um prova que contém 50% de questões elaboradas pela respectiva associação do país e 50% de perguntas feitas pela Fifa. O valor desembolsado vai diretamente para a federação.
COMO FICARÁ
> Clube ou jogador serão responsáveis pela contratação do intermediário. Antes, porém, deve se fazer uma checagem dos antecedentes do contratado, que precisa atender critérios mínimos exigidos pela Fifa. Um documento de representação, então, é assinado. Tal contrato será padronizada pela Fifa.
> Caso exista algum problema em uma eventual operação, clube ou jogador podem ser sancionados pela entidade.
> Federações filiadas implementarão as mudanças sob monitoramento da Fifa. Se algum associado descumprir a determinação, poderá sofrer uma punição que varia entre uma simples advertência ou até mesmo desfiliação da entidade.
REMUNERAÇÃO
> No atual modelo, agentes ganham 10% do salário bruto do novo contrato firmado pelo jogador com o clube para o qual ele foi transferido. Quando não há essa especificação no acordo, o pagamento deve ser de 5%, segundo determina a Fifa.
> Para 2015, a entidade recomenda o pagamento de 3% a intermediários. O percentual, entretanto, que pode variar a partir do acerto entre as partes.
CRONOLOGIA DA REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE DE AGENTE DE JOGADORES
> 1991: O primeiro regulamento criado pela Fifa para regulamentar a atividade
> 1994 e 1995: adaptações são feitas ao regulamento
> 2001: a entidade deixou de licenciar agentes, função que passou a ser de responsabilidade das federações nacionais. Desde então, portanto, o termo “agente Fifa” estava abolido
> 2009: no 59º Congresso da Fifa realizado no mês de junho, em Marrakesh, começaram as discussões para a desregulamentação da atividade de agentes de jogadores. Quatro princípios, então, foram colocados em debate para justificar a medida: transparência, valores pagos de comissão, conflitos de interesse e novo sistema de registro
> Fevereiro de 2015: entrará em vigor a desregulamentação do agente de futebol. Todas as licenças serão recolhidas e a relação entre clubes e jogadores acontecerá por meio de intermediários.
OPINIÕES
Jorge Moraes
Presidente da Associação Brasileira de Agentes de Futebol (Abaf)
Foram sete, oito reuniões em quase três anos e em vários lugares. Mostramos para a Fifa que não tem como descaracterizar a figura do agente, que é imprescindível em uma negociação de um atleta. Como um jogador de nível, como Cristiano Ronaldo, irá negociar? Precisa ter uma situação de apoio, uma assessoria financeira, jurídica... A Fifa não que administrar. Isso pode ser passado, depois, para a Efaa e as federações funcionarem como um cartório. Mas acho difícil o agente terminar. Estamos tentando regulamentar isso no Brasil perante o governo.
Há quase dois anos a CBF não aplica mais provas, sendo em que outros países o processo não parou. A Fifa havia dito que o processo de setembro do ano passado seria o último e algumas coisas seriam discutidas a partir de julho de 2014, depois da Copa do Mundo.
Eduardo Uram
Empresário
Há dois pontos sobre a questão da desregulamentação. Por um lado é negativo porque tanto jogador quanto agente perdem proteção da esfera esportiva e, caso exista algum problema, terão de recorrer à Justiça Comum. Por outro lado, você deixa de ter algumas limitações que são encontradas hoje. Os contratos, por exemplo, podem ser de apenas dois anos. Há também um valor já determinado para a comissão e você fica preso ainda a valores de multa rescisória. Pelo lado positivo, portanto, esses itens podem ser arbitrados entre agente e clientes.
Se recolherem as licenças e o empresário não ser reconhecido como agente do jogador, poderá ser feito um contrato de prestação de serviço com o jogador. Seria um contrato privado de assessoria, mas de livre arbítrio e fora das normas de regulamentação.
Marcos Motta
Consultor jurídico da Efaa e representante legal da América do Sul
Há um ponto que ainda precisa ser analisado com relação à mudança. A Fifa, hoje, tem a jurisdição e competência para julgar os agentes licenciados. Com a mudança, como intervir em uma disputa entre partes de nacionalidades diferentes? Você pode ter jogador, clube e agente dentro de uma negociação que são de países distintos.
Para que um laudo arbitral possa ser efetivado, a parte que sofrer alguma sanção, por exemplo, precisa que o seu país esteja alinhado a uma convenção internacional. No atual modelo a Fifa tem como homologar as decisões do CAS por ainda não está fora.
Pode ser que um sistema de solução de disputas seja efetivado, como uma espécie de comitê arbitral internacional ou mesmo a elaboração de um tratado ou propostas de novos regulamentos.
Fonte: Lancenet