"Estou em hora extra". Com o conhecido bom humor, Ricardo Gomes repete o quase mantra desde que recebeu alta do hospital após o grave AVC sofrido em agosto de 2011. Prestes a se despedir oficialmente do cargo de diretor técnico do Vasco, o profissional inicia em fevereiro a tentativa para voltar a ser treinador de futebol o quanto antes. A missão é tratada com otimismo, mas o próprio admite a possibilidade de não alcançar o objetivo e exercer novamente a função de dirigente caso não retorne ao banco de reservas em um ano.
Em entrevista ao UOL Esporte, Ricardo Gomes reconheceu que a função em São Januário dificultou sua recuperação por "zerar" o tempo dos tratamentos, mas ajudou a sentir-se capaz de trabalhar novamente. Ele deve realizar até oito horas de exercícios diários a partir de fevereiro para recuperar o máximo possível dos movimentos no lado direito e concretizar o sonho.
Confira abaixo a entrevista com Ricardo Gomes:
UOL Esporte: Como é deixar o Vasco pelo sonho de voltar a ser treinador?
Ricardo Gomes: É fácil explicar. Voltei como diretor técnico e virei executivo. Trabalhei bastante, mas sinto que fechei a minha missão no momento. Atuar novamente como treinador sempre esteve na minha cabeça. Permanecer no Vasco seria um obstáculo razoável para isso por conta do tempo necessário para uma melhor recuperação do AVC.
UOL Esporte: O que falta para sentir-se apto a realizar as funções imprescindíveis de um treinador?
Ricardo Gomes: O futuro pertence a Deus. Estou bastante otimista e sentindo uma melhora diária. Por exemplo: hoje escrevo apenas com a mão esquerda. Preciso trabalhar e recuperar o lado direito. Vou fazer exercícios para zerar essas sequelas. Vamos ver o resultado a partir de seis meses.
UOL Esporte: O árduo trabalho pela difícil situação do Vasco dificultou o seu tratamento? Qual acompanhamento realizou no último ano?
Ricardo Gomes: Passei a me preocupar bastante com a saúde depois do acidente, mas diminui os meus estímulos com o trabalho no Vasco. Não tive tempo para o tratamento ideal de fisioterapia. Isso me atrapalhou no processo de recuperação. Vivi 24 horas dos meus dias para o Vasco nos últimos meses e dei uma pausa na evolução.
UOL Esporte: Você trata o seu problema de saúde sempre com bom humor. O que pretende fazer caso não se sinta à vontade para desempenhar a função de técnico? Qual o prazo? Pode abandonar o futebol?
Ricardo Gomes: Sei que posso não alcançar o objetivo. Por isso, não tomei essa decisão de forma definitiva. É uma tentativa importante de vida e trabalho com o prazo de um ano na cabeça. Caso não consiga, vou pensar em uma nova função e posso até voltar a ser dirigente em algum clube ou no próprio Vasco. Ninguém sabe o dia de amanhã. Acho muito difícil abandonar o futebol. Construí a minha vida inteira no esporte.
UOL Esporte: Quanto tempo de fisioterapia será necessário a partir de agora para tentar alcançar o mais próximo possível de uma recuperação completa?
Ricardo Gomes: É difícil estimar isso. Porém, pode ser um trabalho de fonoaudiologia e fisioterapia de até oito horas por dia. Ainda não sei. Preciso me dedicar bastante a essa tentativa. Quero melhorar a parte fina da coisa, tudo o que envolve escrita, contato... A parte motora já trabalhei bastante. Mas sei que é um processo muito lento e depende apenas do dia a dia.
UOL Esporte: Você ainda trabalha no Vasco na tentativa de solucionar a situação dos jogadores que não são aproveitados. Quando será a despedida oficial do clube?
Ricardo Gomes: Estou trabalhando muito para tentar ajudar o Rodrigo Caetano [diretor executivo de futebol]. Não existe uma data exata para a saída. Vamos ver. É sempre um momento delicado na carreira. Mas será em fevereiro. A diretoria já foi informada sobre isso e agradeço muito o apoio que me deu ao entender o desejo.
UOL Esporte: A situação delicada do Vasco e o rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro influenciaram em algum momento na decisão? Foi difícil conviver em meio ao desgaste?
Ricardo Gomes: Isso acontece no futebol. Tivemos 14 meses de receitas bloqueadas, fato que dificulta qualquer trabalho. São obstáculos que precisamos vencer. O clube vai se reestruturar e tentar superar os riscos. Da mesma forma que vou tentar ser treinador e posso não conseguir. O Vasco é um gigante do futebol brasileiro e isso jamais será apagado. O meu carinho pelo clube, pelas pessoas, tudo o que fizeram por mim, é indescritível. Serei grato eternamente ao Vasco e aos seus torcedores.
UOL Esporte: O Vasco está bem entregue ao técnico Adilson Batista e ao diretor Rodrigo Caetano?
Ricardo Gomes: Não tenho dúvida e torço bastante para que tudo dê certo. O Rodrigo é meu amigo, um cara reconhecido no mercado e só tem a colaborar no Vasco. O Adilson prova a sua competência a cada jogo, teve mais tempo para trabalhar e as coisas vão funcionar. O Vasco vai dar muita alegria ao torcedor em 2014.
UOL Esporte: O time aparenta ter embalado no Campeonato Carioca após duas goleadas. Gostou do que viu?
Ricardo Gomes: Bastante. O Vasco surpreendeu. Temos jogadores jovens e um espírito de união fundamental no futebol. É lógico que a missão principal é a disputa da Série B, mas o título estadual seria importante para empolgar a torcida e trazê-la cada vez mais para perto do time.
UOL Esporte: E a amizade com o Cristóvão Borges? Alguma chance de reeditarem a parceria em sua nova fase?
Ricardo Gomes: Chance zero [risos]. O Cristóvão merece tudo de bom na vida e traçou o seu próprio caminho no futebol. Ele já está em outro patamar como treinador. Fez dois trabalhos excelentes [Vasco e Bahia]. Falar dele é muito fácil. Anteontem mesmo saímos para jantar. Amigos são muito importantes na vida. Estamos juntos apesar da separação profissional.
Fonte: UOL