"É muita falta de consideração!
Nós valorizamos e tornamos conhecido o nosso país.
Jogadores só ganham uma fortuna hoje graças aos nossos títulos.
Estamos sendo desprezados porque envelhecemos.
Tratados sem a menor consideração.
O governo fez festa, anunciou que daria a nossa aposentadoria.
Chamou a imprensa.
E depois nos tirou o dinheiro.
Recompensa é recompensa.
Tudo é muito triste.
Estou revoltado.
O Brasil não tem consideração por ninguém.
Por ninguém..."
Foi com lágrimas nos olhos que Amarildo Tavares da Silva desabafou.
Mudei de assunto para ele não chorar.
A cena na Costa do Sauipe foi triste e inesperada.
Ex-atacante talentoso, ponta esquerda raçudo que marcou época.
Começou no Goitacaz, teve passagem rápida pelo Flamengo.
Mas marcou Botafogo, Milan e Fiorentina.
Encerrou sua carreira no Vasco.
Ele foi fundamental na conquista da Copa de 1962.
Substituiu Pelé, contundido.
Críticos da época dizem que Garrincha e ele 'ganharam' o Mundial.
Jogou as últimas quatro partidas, marcou três gols.
Dois contra a Espanha na fase de grupos.
E um na decisão contra a então Tchecoslováquia.
Amarildo está com 74 anos.
Tem dificuldade para andar.
Tomou muitas pancadas e infiltrações nos joelhos, tornozelos.
As consequências chegaram na velhice.
Mas a personalidade continua forte.
Continua justificando o apelido de "Possesso".
Antes era por enfrentar os adversários em campo.
Não se dobrava diante de marcadores violentos, tinha muita coragem.
Hoje se revolta com o INSS.
Com a suspensão do pagamento de sua pensão como campeão do mundo.
A história é simples.
Depois de décadas de promessas, o governo resolveu agir.
Em abril deste ano, o ministro Aldo Rebelo convocou a imprensa.
E disse que faria 'justiça'.
O governo pagaria um prêmio de R$ 100 mil a 63 campeões mundiais.
Aos de 1958, 1962 e 1970 uma aposentadoria vitalícia de R$ 4.100,00.
Desde que não tivessem renda superior a R$ 3.500,00.
Se por acaso passassem a receber, o benefício seria cortado.
Foi o que aconteceu com Amarildo.
Ele foi chamado a ser um dos representantes da Olimpíada de 2016.
E com vencimentos superiores a R$ 3.500,00.
O INSS cortou a sua aposentadoria vitalícia.
E o trabalho nas Olimpíadas durou apenas poucos meses.
De uma vez só, Amarildo ficou sem os dois vencimentos.
Está revoltado.
Não consegue reaver sua aposentadoria como campeão mundial.
Ele mostrou toda a mágoa, em entrevista exclusiva.
Como está a situação da sua aposentadoria, Amarildo?
Olha, a situação é vergonhosa. Quando o governo anunciou que iria valorizar os campeões do mundo fiquei feliz demais. Finalmente viria o reconhecimento pelo que fizemos por este país. O Brasil era um país desconhecido do resto do planeta. Joguei na Itália e sei o que estou falando. Nas Copas nós conseguimos mostrar o nosso talento, a nossa alegria. Representamos nosso país de maneira digna. Conquistamos títulos que têm preço. Se nossos jogadores ganham uma fortuna hoje no Exterior é porque nós abrimos as fronteiras. Fizemos um grande trabalho. E agora, na nossa velhice, somos humilhados, tratados sem a menor consideração.
Como assim? Vocês acabaram de ganhar a aposentadoria...
Ganhamos, nada. Ela já foi cortada. Minha e de vários outros jogadores. Disseram que seria pela vida inteira. Mas recebi apenas uns três meses. Hoje já não ganho mais nada. Eu e muitos outros companheiros. Não é certo. Porque estamos envelhecidos, temos família e muita gente que depende do nosso dinheiro. Não ganhamos na nossa carreira como os jogadores de hoje. Nem se compara. Muitos de nós passam por graves dificuldades, estão doentes. Foram anos esperando por esse dinheiro. E ele já não existe mais.
Mas a aposentadoria não era para quem não tinha renda?
O benefício foi dado como definitivo. Um prêmio não se toma de volta. Recompensa é recompensa. Esses R$ 4.100,00 são importantes para a nossa vida. Somos poucos ex-jogadores (35) que teriam direito a esse dinheiro. Nós merecíamos por tudo o que conseguimos para o Brasil. E mais: foi promessa das autoridades. Não tem cabimento o INSS fazer isso com a gente. Ninguém fala nada, mas eu assumo. O país deveria ter reconhecimento pelos títulos mundiais. Nos ajudar a ter um final de vida mais tranquilo. As autoridades têm ideia de quanto custa um plano de saúde para quem é velho neste país? Esse dinheiro dava para pagar o plano de saúde e comer. Temos família, há pessoas que dependem da gente ainda. Por isso temos de buscar outra fonte de renda. E somos punidos. A aposentadoria foi cortada. Eu não me conformo.
O que você sentiu quando viu que a aposentadoria foi cortada?
Muita vergonha. De mim e do meu país. Não é possível que no fim da vida, nós sejamos tratados dessa maneira, sem a menor consideração. Outros jogadores estão na mesma condição que a minha. Perderam a sua aposentadoria. E ela faz uma falta enorme. Me sinto mal por ter de cobrar pela imprensa. Mas não há outra saída. O ministro ou quem quer que seja precisaria prestar atenção no que está acontecendo. Não merecemos passar por isso. Só trouxemos alegria e orgulho ao Brasil. E esse está sendo o pagamento.
Você não ganhou muito dinheiro como campeão do mundo?
Nem jogando no futebol italiano, no Milan, na Fiorentina?
Naquela época, na década de 60, o salário e os prêmios eram muito baixos. Ninguém ganhou fortuna e perdeu, não. O dinheiro era curto. Os clubes pagavam pouco. Mesmo no Exterior, que era um pouco melhor. Pode pesquisar. O jogador de futebol só é valorizado agora. Principalmente o brasileiro. O que a gente fez foi abrir as portas. Criar a fama. O dinheiro ficou para essas novas gerações. Você acha que é confortável para mim falar desse assunto? Cobrar aposentadoria pela imprensa? Peço porque acreditava que teria tranquilidade nesta minha velhice. Que finalmente o governo reconheceria o nosso esforço. Foi difícil demais ser campeão do mundo. A aposentadoria veio e em seguida foi cortada. A decepção foi até maior do que se nunca tivesse vindo.
Mas vocês têm um grande porta-voz, de alcance mundial.
O Pelé.
Porque ele não reclama dessa situação?
Pelé? Ah, deixa o Pelé para lá... Ele tem outras preocupações... Sua vida...Deixe ele para lá... Eu falo por mim e por meus amigos em dificuldades. Ninguém me cala. Não tenho medo de nada. Nunca tive. Por isso me chamavam de Possesso. E hoje eu digo, precisamos de reconhecimento. Mas de verdade. Muitos de nós não conseguem dinheiro para comprar remédios, que são caríssimos para velhos. Não falam porque não têm coragem. Sofrem calados, esquecidos. Não tenho o menor orgulho em ter de contar para jornalista o que estamos passando. Mas não tem outro jeito.
(Dos campeões do mundo, Tostão foi o mais radical.
Avisou que não queria nada, dinheiro algum.
Nem um centavo.
"Não há razão para isso. Podem tirar meu nome da lista, mesmo sabendo que preciso trabalhar durante anos para ganhar essa quantia. O governo não pode distribuir dinheiro público. Se fosse assim, os campeões de outros esportes teriam o mesmo direito. E os atletas que não foram campeões do mundo, mas que lutaram da mesma forma? Além disso, todos os campeões foram premiados pelos títulos. Após a Copa de 1970, recebemos um bom dinheiro, de acordo com os valores de referência da época.."
Outra postura, outra visão das coisas...
Talvez, outra realidade...)
Fonte: Blog Cosme Rímoli - R7