Edmundo já sofreu. Ainda sofre. Hoje com menos intensidade do que em 2008, mas mesmo assim dói, incomoda. Como comentarista de TV, não pode explodir com a situação do Vasco como na época de jogador. O destino parecia não muito parceiro do então atacante quando, na sua última temporada como atleta (aos 37 anos), justamente com a camisa do seu time de coração, pregou nele uma peça. O rebaixamento há cinco anos feriu o Animal, mas o tempo lhe deu tranquilidade para entender que certas coisas precisam acontecer.
Neste domingo, às 19h30m (horário de Brasília), ele não poderá estar no Maracanã para torcer para o Vasco contra o Santos. A nova profissão fará com que trabalhe pela TV Bandeirantes no jogo Inter x Botafogo. O seu time de coração tenta vencer e sair da zona de rebaixamento do Campeonato Brasileiro - é o 17º, com 36 pontos. A diretoria espera mais de 60 mil pessoas. Edmundo não poderá ir, o que não quer dizer que não deixará de fazer parte da corrente contra uma possível queda.
- Essa é uma atitude bacana demais que a torcida está tendo, de lotar, empurrar o time. Na verdade, quem sofre é o torcedor. Os jogadores, quando há o rebaixamento, saem e vão para outros clubes, as pessoas não lembram, e quem fica sofrendo é o torcedor. Mas torcedor não entra em campo. A única maneira que ele consegue ajudar é lotando o estádio e incentivando. Queria muito estar no Maracanã domingo e poder ver a festa dos torcedores.
Um dos 11 jogadores que iniciarão a partida e podem ajudar a não repetir o sofrimento de 2008 é Juninho Pernambucano. O Reizinho é ídolo também. E pode encerrar a carreira no fim da temporada, aos 38 anos. Ele ainda não sabe se vai pendurar as chuteiras de fato. Edmundo contou um pouco da sua história e da experiência que teve. O sofrimento, os problemas de comprometimento de companheiros, e a lição que ficou.
- Tive muito medo. Mas talvez eu precisasse passar por isso para saber qual era de verdade o tamanho do carinho e amor que os torcedores do Vasco tinham por mim.
Confira a entrevista na íntegra:
GLOBOESPORTE.COM: Qual é o papel da torcida, que vai encher o estádio neste domingo?
O torcedor geralmente é o termômetro do time. Se o time está bem, o torcedor vai. Geralmente precisa ser o contrário. Essa é uma atitude bacana demais que a torcida está tendo, de lotar, empurrar o time. Na verdade, quem sofre é o torcedor. Os jogadores, quando há o rebaixamento, eles saem e vão para outros clubes, as pessoas não lembram, e quem fica sofrendo é o torcedor. Mas torcedor não entra em campo. A única maneira que ele consegue ajudar é lotando o estádio e incentivando. Acho fantástica essa iniciativa. Claro que a diretoria facilitou colocando o ingresso mais barato, mas acho sensacional. Queria muito estar no Maracanã domingo e poder ver a festa que os torcedores vão fazer.
Para o jogador identificado com a torcida é pior viver uma fase como esta?
No meu caso, sofri duas vezes porque sou torcedor e atleta. Você sofre dobrado. E aí tem jogador que sente, outros que não estão nem aí. Isso é muito individual, de acordo com a identificação que ele tem com o clube e até mesmo com a profissão. Mas faz parte, nem todo mundo é Vasco. As pessoas têm direito de torcer para outro time. No meu caso é que sou Vasco incondicionalmente, então acabei sofrendo muito. Tentei fazer de tudo, mas infelizmente não gozava mais de força física para poder ajudar como em outras épocas.
O Juninho pretende encerrar a carreira e também pode cair com o Vasco, situação parecida com a sua.Nesse caso, tem gente que compra a briga com vocês, sabendo que é um ídolo que pode encerrar a carreira em um ano marcado com o rebaixamento?
Tem. Não digo ajudar individualmente. Tem muita gente que entende que vai ser uma mancha na carreira, que é uma porta que se fecha. Tem muita gente que fica preocupada, e esse é o espírito mesmo. Independentemente de qualquer coisa, você tem que jogar por você, pela família, pelo clube que paga. Motivação não falta. Não deveria faltar. Deveria ter 100% de motivação, mas tem horas, até pela idade, por ser jovem, por estar preocupado com outras coisas, em que acaba não se preocupando muito. Mas é muito individual, e sem estar lá no clube participando é difícil ficar falando de fora e identificar quem é quem.
Teve algum erro naquele ano que você usaria como alerta para o Vasco não cometer de novo?
Aquele ano foi muito atípico, com mudança de diretoria, presidente... Com a mudança do presidente veio uma mudança radical na estrutura do clube, os técnicos também. É difícil achar um culpado. Nós nos desestabilizamos emocionalmente. Tivemos também alguns tropeços em casa, para adversários diretos, que estavam na briga com a gente. Sempre achamos que, quando jogamos em casa, temos vantagem. Mas não dá para acusar, pois seria leviano apontar alguém ou alguma coisa. Mas são coisas para ficar esperto.
Essa troca constante de treinador atrapalha?
Atrapalha. Cria uma instabilidade geral. Quando está com um treinador o time é um, o preparador, e quando muda é outro. Tudo isso atrapalha muito. Tem aí exemplos claros que os times mais vencedores são com técnicos que estão no cargo há muito tempo.
A instabilidade política mexe também? Isso chega ao campo?
Chega, mas quando os resultados estão bons o jogador não se importa. Mas também o time não chega a cair por isso ou se salvar por isso ou aquilo. Às vezes joga bem, muito bem treinado e não dá liga. É uma soma de fatores para não deixar o time chegar numa situação como essa. O Fluminense foi campeão brasileiro, praticamente não mudou nada, e está aí sofrendo. O próprio Corinthians. É um dia após o outro, o que passou, passou. O Corinthians está com o mesmo time, mesmo treinador, está perto da zona de rebaixamento... Não tem uma ciência exata. Só no dia a dia para viver mais intensamente e ter uma explicação.
Em 2008 você chegou a cobrar muito dos jogadores. Acha que exagerou?
Sempre tive meu jeito mais exagerado mesmo. Pelo carinho e amor que tenho pelo Vasco, a gente acaba exagerando. Mas é individual, alguns entendem, outros não entendem, outros reagem bem, outros reagem mal. Com mais experiência hoje, eu percebo que tem que ser meio individualizado, mesmo se for uma cobrança. Um entende de um jeito, outro de outro. Um se abate, outro se motiva. Hoje, olhando de fora, não dá para dizer que tem uma receita de bolo.
Você teria mudado alguma coisa que fez naquela época?
Eu sempre fui muito intenso. Sempre fiz com muito amor, carinho, dedicação, mas, como falei antes, eu não gozava mais de tanta força física. E a força física, se você não tem, não consegue aplicar a técnica. Eu não me arrependo, não. Fiz o máximo, dormi mais cedo, me concentrei, me dediquei, me alimentei, fiz o máximo. Mas às vezes o máximo não basta. Eu não me arrependo. E nem me arrependo de ter estado lá, de ter caído. Se eu soubesse que isso iria acontecer, claro que não teria ido. Minha intenção foi fazer um belo campeonato e ser campeão, mas tem coisas que são mais fortes do que a gente. Aconteceu, ficou marcado de forma negativa, mas o mais legal é que, se não tivesse acontecido, eu não teria o termômetro de que o torcedor gosta de mim incondicionalmente.
Foi um dos dias mais tristes para você?
Não diria o dia mais triste porque, quando chegou (o último jogo), já meio que sabíamos que, mesmo ganhando do Vitória, cairíamos. Foram dias tristes, mas vivi outros problemas. A vida não é só de coisa boa, tem coisas ruins, mas faz parte, serve de aprendizado. Não posso reclamar, não. Tenho saúde, meus filhos também, tive uma carreira bacana. Foi um acidente de percurso que o ser humano tem que ter mesmo.
Passou pela sua cabeça desistir naquele ano?
Algumas vezes. Principalmente quando perdi o pênalti para o Sport (na Copa do Brasil de 2008), que raspei a cabeça. Minha cabeça não estava muito boa. Antes, quando era o Alfredo (Sampaio, técnico), com quem eu não tinha uma boa relação, também pensei em largar. Mas, depois que entrou na zona de rebaixamento, não. Aí foi o contrário, que mais me enchi de força porque, como torcedor, eu podia contribuir com alguma coisa. Seria covarde não continuar. Mas durante o Carioca eu pensei em abandonar, depois daquele pênalti também. Os jogadores até levaram faixa para o campo pedindo para eu continuar. Mas na reta final foi o contrário. Eu me concentrei para poder ajudar ao máximo e tirar o Vasco daquela situação.
O que te segurou no Vasco?
Foi o doutor Eurico (Miranda, ex-presidente), que sempre conversou comigo. Mostrava o carinho, a admiração que a torcida tinha por mim, os funcionários, o Vasco num modo geral. Era com quem tinha mais contato e diálogo. Ele e o Euriquinho (filho de Eurico) que me convenceram. Amigos meus falavam que eu nunca desistia, que sempre fui guerreiro. As pessoas mais próximas me convenceram a continuar. Essas coisas são de momento, tem hora que você pensa em chutar o balde e largar tudo. Depois, que coloca a cabeça no travesseiro, é que você vê que não é o melhor a ser feito.
Teria excluído aquele capítulo do rebaixamento da sua história?
Hoje, não. Tive muito medo. Acabou o campeonato e viajei, me ausentei do Brasil, viajei com meus filhos, coisa que nunca tinha feito. Fiquei longe, com medo da reação do público em geral. E, ao voltar, porque a vida continua, percebi que o carinho e o respeito continuavam os mesmos. Estavam tristes, mas não em particular comigo. Em nenhum momento, nunca - juro pelos meus filhos - escutei a torcida do Vasco dizer que eu fui o culpado, ou que deixei o time deles cair. Aí você se revigora, tem força para seguir em frente. Eu quis me esconder do mundo, principalmente do torcedor do Vasco, mas quando voltei percebi que não era necessário e vi que tem muito mais carinho que imaginava. Isso foi sensacional. Foi uma das melhores coisas da minha vida, por isso não excluo isso da minha vida. Talvez eu precisasse passar por isso para saber qual era de verdade o tamanho do carinho e amor que os torcedores tinham por mim.
O que você falaria para o Juninho e para esse time do Vasco?
Tem que ter perseverança, acreditar, perseverar e se dedicar ao máximo. O Vasco é um clube maravilhoso, dos maiores do mundo. Se tiverem essa consciência, vão se doar e fazer. Não estou dizendo que não estão fazendo, mas acho que esse é o segredo e o caminho. E tenho visto uma evolução boa no Vasco. Acredito que o melhor vai acontecer. O Vasco está em ascensão, e tem outros times em queda. Talvez seja fundamental nessa reta final, pois falta pouco. Todos os times oscilaram muito, foram bem e mal. Esse é o momento bom do Vasco, com o apoio da torcida.