Há 91 anos, o Vasco conquistava o acesso para seu 1º Estadual na elite

Quarta-feira, 06/11/2013 - 08:36
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1922 – O Ano da Independência Vascaína

“Vergonha não é cair, todavia não ter a vontade de se levantar”

A frase acima cairia bem para a reconquista do departamento de futebol do Club de Regatas Vasco da Gama de poder disputar a 1º Divisão do Campeonato Brasileiro, no ano de 2009. Eu estava lá no jogo Vasco 2×1 Juventude no dia 07 de novembro de 2009, o “Maraca” estava lindo como nunca, e você? Todavia, não me reporto a esse episódio da história vascaína. Refiro-me as várias quedas (derrotas) que o Vasco teve de amargar nas divisões de acesso do Campeonato da Cidade (hoje, Campeonato Carioca). Como a maioria deve saber (ou pelo menos deveria saber) o Vasco fundou seu departamento de futebol no ano de 1915 e começou a disputar partidas oficiais no ano de 1916. As dificuldades do Clube, que nasceu para o remo, no espaço bretão foram muitas. Internamente alguns membros do remo não viam com bons olhos essa nova faceta vascaína, além disso, existia a falta de experiência dos homens do Vasco. Mas, não desistiram. Já em 1916, os diretores vascaínos começaram a formar a equipe de futebol com jogadores vindos do subúrbio, de times pequenos. Neste mesmo ano, o Vasco ingressa na 3a Divisão da principal entidade do futebol da cidade, a Liga Metropolitana de Sports Atlheticos (LMSA, no ano de 1917 renomeada Liga Metropolitana de Desportes Terrestres – LMDT). Assim foi noticiada a entrada do Vasco na Liga, pelo o Jornal do Commercio:

O VASCO DA GAMA NO FUTEBOL

É provável que a ordem do dia da sessao que a liga Metropolitana vai celebrar hoje, faça parte o pedido de filiação do Vasco da Gama que, ao que nos consta, já teve parecer favorável das Comissoes de Syndicancia, de Informações e de Football das 3a Divisão. É mais um elemento de grande valor sportivo para dar luzimento este anno aos campeonatos da Liga Metropolitana.[1]


Os anos se sucederam e em 1922 essa política vascaína de colocar os melhores jogadores possíveis independentemente de cor, raça ou condição social, somada com o aumento de investimentos e do interesse dos sócios no futebol foram dando ao Vasco a real possibilidade de ascender à Série A do campeonato principal da cidade, administrado pela LMDT (Liga Metropolitana de Desportos Terrestres). O ano de 1919 foi fundamental para o futebol do Clube, porque foi quando os investimentos e a política de adquirir jogadores do subúrbio se acelerou.

No cenário político, o ano de 1922 foi marcante para o Brasil, porque se comemorava o Centenário da Independência. No esporte, assim como nas demais áreas da sociedade, este evento foi marcante. Uma data como essa fazia com que o sentimento nacionalista, mal direcionado, caísse para o preconceito contra os imigrantes portugueses, aumenta-o consideravelmente. Era mais uma barreira que os vascaínos deveriam enfrentar. A CBD (Confederação Brasileira de Desportos) criou o Campeonato Brasileiro de seleções e o Brasil sediou o Campeonato Sul-Americano (hoje, Copa América). O principal Campeonato da Cidade se iniciou em abril, na Série A da 1ª Divisão com os seguintes “teams”: América, Andarahy, Bangu, Botafogo, Flamengo, Fluminense e São Christovão; na Série B da 1ª Divisão: Vasco, Americano, Carioca, Mackenzie, Mangueira, Palmeiras e Villa Izabel. O Gigante da Colina se reforçou para entrar definitivamente no grupo da elite do futebol Carioca, não apenas procurou jogadores do subúrbio, mas jogadores com experiência em grandes jogos.

Os jogadores:

Albanito Nascimento (Leitão) – Bangu

Braulio – Andarahy

Paschoal – S.C. Rio de Janeiro

Claudionor Correa (Bolão) – Bangu

Estes se juntaram aos outros remanescentes do pós-1919, dentre eles estava o Grande goleiro Nelson da Conceição.

Com bons jogadores, os diretores vascaínos foram atrás de um treinador que os levassem às vitórias, e consequentemente o clube a Serie A da 1ª Divisão. O uruguaio Ramon Platero era visto como o melhor treinador da cidade do Rio de Janeiro, havia sido campeão pelo Fluminense (1919) e pelo Flamengo (1921), era justamente um técnico dessa qualidade que os homens do Vasco buscavam. Todavia, Ramon Platero estava treinando o Flamengo e para que ele abrisse mão de um time da elite para outro de acesso, o Vasco teria que abrir seu cofre, e abriu. O técnico uruguaio iniciou o campeonato treinando os dois times! Até que Ramon Platero ficou de forma exclusiva no Vasco pelo valor de 900$00 mensais, uma verdadeira fortuna para os padrões do futebol da época. Os homens do Vasco não estavam para brincadeira naquele ano. O treinador logo começou a implantar o regime de concentração e fortes treinos físicos, aos poucos o Vasco iria se fortalecendo cada vez mais, não somente para ascender em 1922, mas também para a conquista do campeonato em 1923.

O Vasco também foi atrás de ampliar as suas instalações para o futebol ao adquirir o campo da Rua Moraes e Silva:

As negociações com o proprietário da rua Moraes e Silva, o ‘turfman’ Alfredo Novis concluíram-se rapidamente. As condições estabelecidas pelo locatário foram prontamente aceitas:

Aluguel mensal de seiscentos e ciquenta mil réis e mais os impostos e prêmio de seguro contra fogo.

A locação compreendia o campo já demarcado que servia ao S.C. Rio de Janeiro, a área fronteira e a benfeitoria constante de um largo salão e dois cômodos além das dependências internas, cosinha e banheiros.

O fiador do contrato com prazo de seis anos foi o próprio tesoureiro do clube, o devotado Alberto Baltazar Portela.[2]


Com o novo campo, o Clube poderia obter lucros maiores ao comercializar internamente e deixar de alugar campos para os seus jogos. Somam-se então grandes craques, um excelente treinador e melhores condições de treino/jogo, além disso, o clube colocava o “profissionalismo” a todo vapor, ao pagar mensalmente os seus craques, transformando-os em verdadeiros proletários da bola.

No campeonato de 1922, o grande rival vascaíno foi o “team” do Villa Izabel, conhecido popularmente como o time do Jardim Zoológico. Os times se enfrentaram duas vezes em amistosos preparatórios para o campeonato. Em 15 de janeiro, o Villa derrotou o Vasco por 4 a 1. No segundo match, realizado em 12 de março, o Vasco venceu por 1 a 0. No primeiro jogo entre os dois times, válido pelo campeonato de 1922, outra derrota vascaína, desta vez pelo placar de 1 a 0, no dia 23 de abril. Todavia, o jogo mais importante e que decidiu os rumos do campeonato pró-Vasco, realizou-se no dia 04 de junho de 1922. O líder invicto era o Villa Izabel, uma derrota vascaína poderia selar de vez o destino do campeonato em favor do time do Jardim Zoológico. Este encontro dos dois grandes times do campeonato marcou a inauguração, para jogos oficiais, do campo vascaíno da Rua Moraes e Silva. Todos os lugares estavam ocupados, foi enorme o fluxo de torcedores. O Vasco já demonstrava claramente a sua popularidade no futebol. Uma derrota vascaína praticamente daria o título ao rival e levaria grande tristeza à torcida vascaína. Porém, o Vasco foi brilhante e venceu a partida por 2 a 1, com uma virada!

“Pela primeira vez, este anno [em partidas válidas pelo campeonato], o Villa Izabel foi derrotado, cabendo a glória de vencer o campeão da série B ao team do Vasco da Gama” (Correio da Manhã, 05/06/1922, p.3)

As equipes:

Vasco – Nelson, Mingote e Leitão; Arthur, Braulio e Nolasco; Paschoal, Pires, Bolão, Torterolli e Negrito.

Villa Izabel – Balthazar, Barbosa e Jobel; Nemesio, Waldemar e Bahica; Alô, Cyro, Cid. Cecy e Henrique.

Os gols: 1º Tempo – Cid (Villa Izabel), Bolão (2).

O árbitro foi Carlos Martins da Rocha (do Botafogo).

O líder ainda era o Villa, mas por pouco tempo. No jogo contra o Mackenzie, no dia 25 de junho, o Vasco venceu por 3 a 0 e assumiu a liderança. O jogo que valeu o título e o acesso a elite do futebol carioca ao Gigante da Colina se realizou no dia 23 de julho, contra o Palmeiras. Uma grandiosa e contundente vitória vascaína por 5×0 deu o título para Vasco:

“O C.R. Vasco da Gama alcançou brilhantemente o título de campeão da serie B” (Correio da Manhã, 24/07/1922, p.3)

As equipes:

Vasco – Nelson, Mingote e Leitão; Nolasco, Braulio e Arthur; Paschoal, Pires, Bolão, Torterolli e Fernandes;

Palmeiras – Luiz, C. Gomes, Tilô, Hermínio, Rello, François, Luciano, Onestaldo, Carlos, Leopoldo e Albino;

Os gols: 1º Tempo – Torterolli (2) e Bolão (2); 2º Tempo – Fernandes.

O árbitro da partida foi Affonso de Castro (do Fluminense).

Finalizado o campeonato, restava um jogo classificatório entre o Vasco, campeão da Série B da 1ª Divisão, contra o último colocado da Série A da 1ª Divisão, o São Christóvão. Entende-se que o Vasco já estava na Série A da 1ª Divisão com a vitória sobre o Palmeiras, caso o Vasco vencesse o São Chistovão, disputaria contra o América, campeão da Série A da 1ª Divisão, o título de Campeão da Cidade, de uma forma geral.

OS JOGOS FINAIS DA TEMPORADA DE FOOTBALL

Designada pela Liga Metropolitana travou-se a 5 de novembro a prova eliminatória entre o São Christovão último colocado na série ‘A’ e o Vasco como vencedor da série ‘B’ da primeira Divisão. Desse resultado dependia a classificação do campeão da cidade. Vencedor o Vasco abria-se-lhe a oportunidade de enfrentar o vencedor da série ‘A’ que tinha sido o América F.C. razão desse clube ostentar o expressivo título de ‘Campeão do Centenário’.[3]


A partida foi realizada no dia 05 de novembro de 1922, o resultado foi um empate em 0 a 0, o que gerou críticas ao desempenho vascaíno e algumas com caráter preconceituoso:

O que seria razoavel, e de todo lógico, é que se esperasse num jogo eliminatório como o de hontem, a Victoria do team da divisão superior, porque afinal de contas, divisão de football, sempre representa um factor de peso na balança, não obstante theoricamente o S. Christovão e o Vasco estejam classificados na mesma categoria. Então, é verdade, mas estão lá nos livros da Metropolitana, porque no campo, mas muito longe da primeira divisão, para onde, aliás, irá, apezar de tudo (…) muito portugues perdeu dinheiro em apostas,e só perdeu porque não entende de football, ou entende que no futebol só ganha quem quer ganhar (Correio da Manhã, 06/11/1922, p.3)

As equipes:

Vasco – Nelson, Mingote e Leitão; Palamone, Braulio e Arthur; Paschoal, Pires, Bolão, Torterolli e Fernandes.

São Christovão – Waldemar, Franco e Povôas; Capanema, Epaminondas e Nesi; Julio, Salema, Rubens, Joãosinho e Herman.

O árbitro foi Affonso de Castro.

A LMDT declarou o São Christóvão como o venceder e lhe deus os pontos referentes, porque acusou o Vasco de usar o jogador Albanito Nascimento (Leitão), que está irregular no campeonato. Esta situação já se arrastava a algum tempo. Leitão jogava pelo Bangu e nunca havia sido obrigado a provar que não era analfabeto, todavia ao trocar o Bangu pelo Vasco fora obrigado a optar por um dos dois clubes, assim, deveria, segundo a LMDT, escrever sua própria inscrição na frente de um representante da entidade! Provando, desta forma, que sabia ler e escrever. O problema era que no Vasco o Leitão não jogava para simplesmente competir, jogava para ganhar. O Vasco conseguiu um recurso frente à LMDT e Leitão pode disputar os jogos finais do campeonato, inclusive o match contra o São Cristóvão. No dia seguinte ao jogo, já com certa condição de escrita, após provavelmente muitas aulas de alfabetização pagas pelo Vasco, o jogador conseguiu regularizar a sua situação. Todavia, o prazo deveria ser de 30 dias antes do jogo. Com essa confusão, o Vasco poderia inclusive perder o título e o acesso.

A prática do Vasco era muito avançada, ele não somente pagava o “bicho”, ele praticava atos do profissionalismo e proporcionava de situações até então novas para época. Na opinião dos rivais, o Vasco agindo dessa forma, ou seja, inserindo novas perspectivas no futebol, tumultuava-o e o desvirtuada. Hoje observamos que não fosse o Vasco, o futebol carioca e brasileiro demoraria um pouco mais para avançar até a democracia nas condições de sua prática, sem distinção de raça ou condição social. O Vasco venceu a briga e o sue recurso foi aceito. Para que tudo ficasse se resolvesse da melhor forma possível, não rebaixaram o São Christovão. O América acabou se sagrando campeão geral do Campeonato da Cidade. Infere-se que, no jogo contra o Palmeiras, o Vasco conseguiu o seu título e acesso à Série A, todavia caso perdesse o jogo para o São Christovão, dificilmente conseguia argumentos para alcançar a elite do futebol carioca, provavelmente perdendo os pontos dos jogos em que o jogador Albanito (Leitão) atuou. Acabou que, a data marcada como o acesso do Vasco a Série A do futebol carioca foi 05 de novembro de 1922. Uma luta que o Vasco venceu no campo e fora dele, afinal, como sempre, brigou pelos seus jogadores. O Vasco conseguiu o tão sonhado acesso à elite do futebol carioca, após várias dificuldades. Desta forma, no ano de 1923, com a inclusão do Vasco e manutenção do São Christovão, o campeonato seria realizado com oito times. O Vasco acabou conquistando-o, mas essa é outra história…



[1] Jornal do Commercio, 23 de fevereiro de 1916.

[2] ROCHA, José da Silva. Clube de Regatas Vasco da Gama – Histórico 1898-1923. Rio de Janeiro: Grafica Olímpica Editora. 1975, p.307.

[3] ROCHA, José da Silva. Clube de Regatas Vasco da Gama – Histórico 1898-1923. Rio de Janeiro: Grafica Olímpica Editora. 1975, p.328.

Fonte: Ao Vasco Tudo