- Não sei se algum jogador já viveu história igual à que eu tive com o Vasco.
A frase de Marlone é de 2013, desta quinta-feira. Ela reflete os últimos nove anos vividos em São Januário. Desde a chegada, após passar em peneira em Imperatriz, no Maranhão, o garoto de Augustinópolis (TO) traçou um caminho todo particular no clube que o acolheu e o maltratou ao mesmo tempo. Também traçou no papel desenhos dos seus sonhos que viraram realidade. Um dos poucos destaques vascaínos na luta contra o rebaixamento, Marlone não quer enxugar de novo as lágrimas, que correram tanto no rebaixamento de 2008 como em tantos momentos de sua longa trajetória no clube.
Gandula na tarde da queda (2 a 1 para o Vitória, dia 7 de dezembro de 2008), Marlone vive um sonho em meio ao pesadelo de aquela tragédia vascaína poder se repetir tão pouco tempo depois. A história dele com o Vasco começou para valer no dia 10 de junho de 2006, quando vestiu e jogou pela primeira vez com a camisa vascaína. Da camisa 8 no infantil até vestir a 10 nos juniores e depois a 30 no profissional, a expectativa do jogador só aumentou com a demora para ser promovido dos juniores. Ele havia chamado a atenção dos torcedores pela primeira vez ao fazer um golaço na Copa São Paulo de Juniores, em janeiro de 2011. Ali, Russo, como também é chamado em São Januário, alimentou esperanças e começou a colocar à prova sua paciência e perseverança. No Carioca do ano passado, quatro jogadores da base, alguns mais jovens que ele, foram promovidos ao profissional. Marlone não subiu - somente foi integrado ao elenco profissional no fim do Brasileiro do ano passado. Este ano, em abril, depois de participar da pré-temporada e ter poucas chances no Estadual, mesmo após o clube perder jogadores importantes e se desfazer de outros, recusou a sugestão de René Simões, ex-diretor de futebol do Vasco, que queria emprestá-lo para o Atlético-GO.
- O René disse que era melhor me emprestar, que eu não seria usado ali, que no Atlético-GO ia aparecer mais e que ia ser bom para mim, porque ele conhecia o treinador e eu poderia evoluir mais. Mas eu não quis. Não foi meu empresário, não foi meu pai, não foi ninguém, eu que falei para ele: 'depois de tudo que passei no Vasco, de tudo que vivi, com tudo que me emocionei, eu quero ficar aqui, na minha casa'. Aí pensei que ia trabalhar mais ainda para mostrar meu trabalho, porque sabia que tinha potencial para ser titular do Vasco.
A chegada de Paulo Autuori foi um alento para Marlone. Mesmo sem jogar, o ex-treinador conversava muito com ele e o orientava. Pedia para não perder o foco, não deixar de se dedicar, que a hora dele ia chegar. Nas conversas, dizia que ele devia observar a movimentação de alguns jogadores mais famosos de meio de campo, como o meia espanhol Iniesta. Juninho faz o mesmo, até hoje, com muito papo e também muita cobrança.
Com Dorival, a chance de Marlone finalmente chegou. No dia 15 de agosto, na 16ª rodada, horas depois de o treinador saber do empréstimo de Eder Luis, o camisa 30 entrava no time para não mais sair. Após uma noite em claro - Dorival estava em dúvida na escalação entre ele ou o atacante Edmilson -, Marlone fez um bom jogo contra o Corinthians e não saiu mais do time.
- Agora já estamos mais acostumados com as orientações, mas antes o Juninho falava para a gente acordar, para balançar mesmo. Podia pensar: 'poxa, acabei de subir e o cara fica me cobrando assim?'. Mas tem que ser assim. Não existe crescimento passando a mão na cabeça, o verdadeiro crescimento é com crítica, com bronca mesmo, às vezes - afirmou o religioso Marlone, que ficou noivo de Carol, com quem namorava há três anos, e planeja se casar ano que vem, se o calendário do futebol brasileiro assim permitir.
Sonhos traçados no papel
Os traços que desenhava nas madrugadas ao relento na concentração em São Januário, debaixo da arquibancada, começaram a virar realidade. O primeiro gol no estádio onde morou por mais de seis anos veio contra o Nacional, do Amazonas, pela Copa do Brasil. Naquele dia, Marlone teve o nome gritado e se preparou para a primeira coletiva de imprensa, que também já tinha imaginado e rabiscado no seu caderno.
- A maioria dos desenhos que fiz, depois aconteceram. Teve o meu primeiro gol em São Januário, a coletiva de imprensa. São as coisas que eu projeto, mas que dependem de mim. E de Deus também - contou ele, que rabiscou um 3 a 0 sobre o Flamengo e a torcida, em coro, gritando seu nome no Maracanã.
De São Januário ao Santiago Bernabéu, palco de alguns outros rabiscos que já fez, Marlone imagina ainda construir muito mais coisas na carreira. Do começo descalço, em meio a vacas, cavalos, driblando e 'canetando' seu cachorro no interior do Tocantins, passando pela decepção da acusação de 'gato' (adulteração de idade) e o retorno para sua cidade, o garoto conheceu o melhor e o pior da vida vascaína.
- Já fiquei no Vasco dois carnavais sozinho. Todos iam ver suas famílias e eu não tinha como voltar para minha casa, porque é muito longe e eu não tinha dinheiro para ir, nem meus pais tinham dinheiro para vir. E ficava. Só eu e o Vasco. Não falo isso para ganhar torcida nem nada. Mas eu tive mais decepções do que alegrias no Vasco, a verdade é essa. Mas sempre vi nesses momentos de dificuldades as oportunidades que apareciam.
Com firmeza nas palavras e confiança dentro de campo, o camisa 30 do Vasco quer carregar o time para longe da zona de rebaixamento, podendo, assim, pensar num futuro mais tranquilo. E realizar novos sonhos.
- Devo tudo ao Vasco, por ter me acolhido e até me amparado, mesmo nos momentos de humilhações e de dificuldades. Meu maior sonho já foi realizado, que era vestir essa camisa e jogar no profissional do Vasco. Agora virão outros. Mas antes vamos fazer de tudo para evitar isso (a queda). Em 2008, só pensava que poderia ser diferente, fazer mais. Agora eu posso. O Vasco não merece isso, se Deus quiser vamos sair dessa.