A morte do menino Kayo da Silva Costa, de oito anos, conhecido como Kayo Cabeludinho chocou Bangu, na Zona Oeste do Rio. Ele foi baleado na cabeça durante tentativa de resgate de dois bandidos que prestavam depoimento no fórum do bairro. O menino era conhecido por ser jogador das categorias de base do futsal do Bangu. Amigos postaram homenagens ao beque parado. Um deles foi o treinador Sérgio Kazú Bangu, que mostrou foto do menino com tarja de luto no Facebook. A postagem recebeu mais de 600 comentários e foi compartilhada por mais de mil internautas em pouco mais de uma hora. No caminho para o treino, o menino passou no trabalho da mãe e deu um beijo nela. Logo depois morreu.
Na ação, bandidos invadiram o local e abriram fogo. As pessoas se atiraram no chão para fugir dos tiros, em desespero. Outro PM e uma camareira, que estava num ônibus, foram baleados.
O grupo, com cerca de 10 bandidos armados com fuzis, pretendia resgatar Alexandre Bandeira de Melo, o Piolho, e Vanderlan Ramos da Silva, o Chocolate, apontados, respectivamente, como chefes do tráfico do Morro do Dezoito, em Água Santa, e da Favela Gogó da Ema, em Belford Roxo. Segundo a PM, nenhum dos 23 réus que estavam no local foi resgatado. Os comparsas fugiram.
Os familiares do menino Kayo Cabeludinho chegaram no fim da noite no Instituto Médico Legal, na Leopoldina, ainda em estado de choque. O avô da criança, Joamir Faria do Rosário, de 42 anos, foi o único que conseguir falar com os jornalistas. "Foi uma tragédia. A ficha ainda não caiu para ninguém. O sonho dele era jogar no Vasco e ganhar uma chuteira nova de Natal. A gente ia comprar a chuteira dele amanhã, de surpresa, para o jogo dele no fim de semana", contou Joamir.
Invasão frustrada
Por volta das 17h30, os bandidos chegaram em dois carros e invadiram o fórum procurando pela carceragem. PMs reagiram, e houve intenso tiroteio. Na fuga, o bando continuou atirando. Nos fundos do prédio, Maria José da Silveira Rodrigues, de 54, que estava num ônibus da linha 738 (Bangu—Marechal Hermes) , levou um tiro na barriga. Kayo da Silva Costa, chamado por amigos de Kayo Cabeludinho, de 8, estava indo para a escolinha de futebol do Bangu, na companhia da avó, quando foi atingido na cabeça e morreu na hora. Ele era atleta das categorias de base do clube. “Vimos o desespero da avó que gritava: ‘Me ajuda, me ajuda!’. Ninguém podia socorrer em meio ao tiroteio”, disse a balconista Maria da Conceição.
No fórum, servidores se trancaram dentro dos cartórios junto com o público. “Eram muitos tiros. Todo mundo ficou em pânico. Quando a situação acalmou, havia marcas nas paredes e sangue nos corredores”, contou um funcionário do tribunal, que teve o carro roubado. O dono de um estacionamento foi feito refém pelo bando e liberado na Av. Brasil. “Só pensava na família”.
Bangu em estado de choque
A outra vítima fatal, o sargento Oliveira, que trabalhava na segurança do fórum, foi baleado ao entrar no prédio para alertar outros PMs. A camareira Maria José da Silveira Rodrigues, atingida na barriga quando estava no ônibus, tem sete filhos e não corre risco de vida. “Ela só tinha um mês de carteira assinada”, disse Rosângela Fernandes, sobrinha da vítima. Até à noite, nenhum dos criminosos havia sido localizado pela PM, que reforçou o policiamento na região e na Favela Vila Vintém por tempo indeterminado.
A Divisão de Homicídios vai identificar os criminosos captados nas câmeras do fórum. “As imagens são boas. Deu para identificar nitidamente o rosto de cada um”, disse o delegado Alan Duarte. Nesta sexta-feira moradores farão homenagem ao atleta do Bangu, depositando flores brancas no local onde o menino morreu. Em seguida farão passeata. “Queremos proteção do Estado, porque temos um fórum que recebe criminosos todo dia”, cobrou o morador Carlos Oliveira.
Secretário pede transferência de Piolho e Chocolate para presídios federais
O secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, solicitou, logo após a tragédia, a transferência para presídios federais de Alexandre de Melo, o Piolho, e Vanderlan Ramos da Silva, o Chocolate, alvos da tentativa de resgate. Chefe do tráfico nos morros do Dezoito e Saçu, em Água Santa, Piolho tem 40 anos e foi preso em abril, em Jacarepaguá. Contra ele havia seis mandados de prisão por homicídio, tráfico, associação para o tráfico, roubo e formação de quadrilha.
Segundo a polícia, ele possui perfil violento e teria enterrado várias vítimas no alto do Saçu. Piolho cumpria pena no Instituto Penal Ismael Pereira Sirieiro, em Niterói, onde ganhou benefício para trabalhar fora e não voltou mais, em 2010. Acabou recapturado em abril passado. Por sua vez, Chocolate, de 30 anos, estaria à frente de quadrilha de traficantes com atuação no Gogó da Ema, Jardim Bom Pastor e Guachá, todas em Belford Roxo. Segundo a polícia, Chocolate esteve por trás da guerra do tráfico no Morro do Jorge Turco, em Rocha Miranda, durante o ano passado.
Ações se repetem na saída de fóruns
Nos últimos cinco meses, pelo menos outras duas ações de bandidos para libertar comparsas levaram pânico às ruas de Niterói. Em junho, um grupo de marginais armados de fuzis trocou tiros com agentes da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), na Alameda São Boaventura, quando o ônibus do órgão com 20 detentos passava pela via.
Os presos estavam sendo transportados do Fórum de São Gonçalo, na Região Metropolitana, para o Complexo Penitenciário de Bangu. Agentes rechaçaram a tentativa de resgate e o grupo fugiu em seguida. Em maio, o agente penitenciário Antonio Pereira foi morto a tiro após ser baleado nas costas durante uma tentativa de resgate de presos, na Rodovia Niterói-Manilha, na altura de São Gonçalo.