O Sambafoot teve a oportunidade de entrevistar o zagueiro Cris, do Vasco. O experiente zagueiro falou sobre diversos assuntos, da seleção brasileira ao Vasco da Gama, passando pela iniciativa do Bom Senso FC e sua relação com Juninho Pernambucano. O jogador, com passagens pela Seleção Brasileira e com uma Copa do Mundo no currículo, deixou no ar que pretende ser treinador num futuro próximo
Seleção Brasileira
Em 2006 o Brasil era o grande favorito para a Copa do Mundo, com uma campanha sensacional antes do torneio. Apesar disso, a Seleção não foi bem e decepcionou a torcida. Na sua opinião, por que isso aconteceu?
Cris: "É simples. O fator principal foi a vitória em 2002, trazendo com o favoritismo para 2006 uma grande pressão por resultados junto com uma certa falta de responsabilidade. Tivemos em 2002 o exemplo contrário: em 1998, fomos vice campeões, então a pressão chegou junto com uma enorme responsabilidade de vencer e o grupo correspondeu, os jogadores estavam mais comprometidos e desafiados. Em 2006, não havia esse comprometimento, essa motivação de ganhar. Isso nos atrapalhou. Até a preparação, feita na Suíça, parecia mais uma festa e não uma preparação para uma Copa do Mundo. O desinteresse e o oba oba de "Vamos ganhar mais essa” nos atrapalhou."
Como você enxerga hoje a seleção brasileira? Nós temos chance de ganhar a Copa?
Cris: "A Seleção Brasileira, com a chegada do Felipão, criou uma identidade. Como?Tendo uma base. Uma Seleção Brasileira precisa de base. Você pode mudar duas ou três peças por convocação, mas não pode mudar um time. Precisa de um estilo de jogo. E hoje, a seleção tem isso. O Felipão conseguiu dar uma cara à equipe, implantou o seu estilo de jogo. O grupo está “fechado” e muito focado. Há menos de um ano da Copa, vencemos a Copa das Confederações, dando mais confiança para a equipe. Mas a Copa do Mundo é um campeonato diferente e que teremos mais pressão atuando em casa. É diferente de jogar na Ásia, na Europa, atuando em casa, terá mais pressão sob os jogadores. Ainda temos o fator de 1950, que perdemos a Copa em casa. Precisamos nos preparar psicologicamente, porque bons jogadores e uma boa equipe, nós temos. O mental fará toda a diferença. Mesmo assim, temos condições de sermos campeões em casa, dando alegria para o torcedor."
O Brasil sempre teve grandes jogadores na parte ofensiva e pecava na parte defensiva. O que mudou para jogadores como Lúcio, Juan, Thiago Silva e David Luiz serem os grandes destaques do futebol brasileiro na Europa? Algo na base, na formação? É reflexo de uma entressafra de talentos na parte ofensiva?
Cris: "O Brasil começou a exportar mais zagueiros depois da Copa de 1994. O Brasil era visto como um país formador de atacantes e havia um enorme preconceito sobre os zagueiros brasileiros, falava-se que nós éramos “pernas-de-pau”, só dávamos chutão, não tínhamos recurso técnico. Isso começou a mudar quando Márcio Santos, Aldair, Ricardo Rocha, Ricardo Gomes e outros foram para a Europa e mostraram que tínhamos grandes zagueiros, que não eram vistos e foi mudando o pensamento das pessoas por lá, que passavam a confiar mais nos produtos defensivos daqui. E hoje o Brasil manda muito zagueiro pra fora. Hoje os zagueiros são importantíssimos para o jogo na Europa. Em 2006, Juan e Lúcio foram os melhores do Brasil na Copa do Mundo. Isso passou uma imagem diferente para a Europa e outros países. Os zagueiros pegaram confiança e mostraram sua qualidade. Os zagueiros também eram muito criticados mesmo aqui no Brasil. Não havia essa confiança. Não creio que seja reflexo de uma possível entressafra e sim fruto dessa confiança ganha com o tempo e as oportunidades."
Bom Senso F.C.
Você acha possível alinhar o Campeonato Brasileiro com os campeonatos europeus em termos de calendário? Você acha que pra isso seria necessário extinguir os estaduais para isso? Você acha possível manter o estadual com a renovação de calendário proposta pelos jogadores?
Cris: "Nós temos que manter o estadual. O Estadual sustenta muita gente, o Brasil é um país enorme, com muitos times, jogadores que necessitam do Estadual. Nós não podemos esquecer os estaduais. Temos que achar uma forma de mantê-los, junto com o Brasileiro, a Copa do Brasil, a Libertadores. Temos que resolver esse problema de datas e mandamos uma cartilha para a CBF para isso. Mas temos que adaptar. O Estadual é muito importante para os jogadores de times menores se valorizarem. É uma vitrine. Imagina quantos talentos deixarão de aparecer sem os estaduais? É necessário mantê-los, sim. Entramos nessa briga também por eles. Eu acho difícil alinhar o calendário com o europeu, muito em função do clima. Janeiro e Dezembro, aqui no Brasil, não tem como ter jogo."
Você participou de uma primeira reunião na CBF com Dida, Juninho, Seedorf, Alex, Paulo André... Como foi a reunião? Qual foi o resultado? Por que você decidiu participar do Bom Senso F.C.?
Cris: "Decidi participar pela causa, que é muito nobre. A ideia é muito boa. Antigamente os jogadores eram tirados como jogadores que não sabiam conversar, falar... Não tinham opinião própria, só entravam em campo pra jogar. Hoje, a maioria dos jogadores fala mais de duas línguas, já jogou na Europa. Somos diferentes. E temos que reivindicar e ajudar. Estamos nessa posição diferenciada e temos que tomar frente para não acontecerem mais coisas erradas como vem acontecendo. Não queremos atrapalhar ninguém. Queremos ajudar. Foi uma iniciativa excelente pelo lado dos jogadores. Acho que será importante. A reunião foi boa, a CBF abriu as portas pra nós, nos ouviu. Acho que mudará muita coisa e será muito importante. Temos que dar sequência às conversas."
Vasco da Gama
Você é um jogador muito experiente, de 36 anos. O que você pretende fazer após o fim do seu contrato com o Vasco? Você pretende voltar pra França, pretende continuar sua carreira como jogador?
Cris: "Meu contrato acaba ao fim do ano. Pretendo jogar mais um ano, o ano que vem. Estou bem fisicamente, mesmo com mudanças de país, clube, cultura, estou bem e reencontrei meu estilo de jogo. Isso está me ajudando muito. Meu objetivo, após minha carreira, é virar treinador. Quero fazer o curso na França. Tenho ainda uma residência em Lyon e pretendo um dia voltar pra lá. Tudo com calma. Não posso tomar uma decisão precipitada. Mas minha vontade é sim voltar pra lá, fazer o curso, ir firmando minha carreira, trabalhar em cima disso. No momento, pretendo jogar mais um ano."
Você pretende continuar no Vasco? Na França?
Cris: "Por enquanto não tive contato nenhum, até porque estamos em fim de temporada. Estamos numa situação difícil e não é hora disso. Se conseguirmos sair essa situação e o Vasco me procurar, com certeza pretendo continuar aqui. A experiência está sendo ótimo, estou adorando o clube e a cidade. Temos que melhorar em alguns aspectos mas há muitos indícios que essa melhora acontecerá em breve. Por que não continuar no Vasco ?Estou muito bem aqui."
Qual sua relação com o Juninho, que jogou com você na França e é um ídolo do Vasco? Influenciou o fato de ele jogar aqui para a sua vinda?
Cris: "O Juninho é um grande profissional, corretíssimo, um modelo e um ídolo meu também. Tenho muito orgulho de ser “parceiro” dele. Somos amigos, jogamos oito anos juntos, nossa relação é ótima. Na época que eu estava para vir para o Vasco, o Juninho me explicou várias coisas e eu disse “não tem problema, quero ir, quero ajudar o Vasco, nós daremos um jeito, abro mão de algumas coisas, isso é o de menos”. E daí começaram as conversas, chegamos a um acordo e foi bom para mim, foi bom para o Vasco e eu estou muito feliz. O Vasco foi um clube que me acolheu muito bem, isso me fortalece e me dá muita confiança."
A torcida do Vasco pega muito no seu pé. A torcida te vaiou em alguns jogos... Como você que é um jogador com carreira renomada na Europa e já jogou pela Seleção lida com isso? Te incomoda?
Cris: "A minha carreira nunca foi fácil. Então, posso te falar que essa volta para o Brasil não estava programada. Aconteceram várias coisas, fui para o Grêmio, não tive o tempo necessário de adaptação e isso me prejudicou bastante. Na Europa, eu já estava acostumado com outra cultura, outro estilo de jogo. Lá não tem falta boba, o jogo tem mais contato. Sou um jogador que joga forte, joga duro. Aqui no Brasil, os juízes puxam muito para os atacantes. Isso criou uma imagem de jogador violento, truculento, desleal. E hoje essa falácia foi se reafirmando. Só que quando eu não tomo cartão e não faço falta, ninguém fala nada. O começo foi difícil, mas agora estou preparado. É questão de tempo, aqui no futebol brasileiro você tem de estar preparado para as críticas e para os elogios. Como um jogador experiente, não ligo para isso. Entro em campo, dou meu melhor e procuro ajudar minha equipe."
O Vasco não vive bom momento no Campeonato Brasileiro. Você acha que isso se deve a algum aspecto específico? Falta de organização, de comprometimento, de estrutura, algum problema interno? Você acha que o Vasco vai conseguir se livrar dessa situação?
Cris: "Se é um problema interno, não podemos colocar isso em campo. O problema do Vasco não é de hoje, já vem de tempos atrás. Não é um motivo. O jogador que vem para o Vasco já sabe dos problemas. Isso não pode de maneira nenhuma se refletir em campo. O grupo tem que estar fechado. Não é hora de encontrar culpados. Acho que o Vasco vai se livrar. Mas tem que ter comprometimento. Não podemos transferir responsabilidades. Cada um tem que assumir seu lado e ir para cima. Também não podemos nos acomodar. Só estaremos tranquilos quando nos livrarmos da zona de rebaixamento. Só depende de nós encontrarmos nosso futebol na competição."
Para completar, como você avalia os outros zagueiros do Vasco, que são muito jovens? São jogadores que vão dar alegrias para a torcida vascaína no futuro?
Cris: "Se é pro futuro a gente não sabe, não tenho bola de cristal (risos). O jogador hoje faz dois ou três bons jogos e já é vendido. São jogadores jovens e com qualidade. Mas tem que saber que nada é fácil. O Jomar é um jogador que surgiu agora, tomou o lugar no time, mas tem que aprender mais. O Rafael Vaz também é um bom jogador, mas agora está no banco. Quando eu comecei, tinha dois objetivos: jogar na Seleção e na Europa. Isso te motiva, tem que ter objetivos. Eu acho que são jogadores de futuro, mas tem que trabalhar, se cuidar. O caminho é longo. Não pode deixar de ter foco, como acontece às vezes."
Fonte: Sambafoot