Segue firme a busca dos clubes de futebol pela renegociação das dívidas fiscais, estimadas em aproximadamente R$ 4,8 bilhões. Nesta terça-feira, representantes de times das quatro divisões nacionais participaram por mais de três horas de audiência pública na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados, em Brasília, e voltaram a pedir aos parlamentares um projeto para o parcelamento dos débitos e reestruturação da Timemania - loteria vinculada aos clubes que utiliza parte da arrecadação para o abatimento de dívidas. Em contrapartida, os dirigentes propõe punições esportivas aos times que não cumprirem com as obrigações, como perda de pontos e até exclusão de campeonatos.
- É uma decisão dos clubes, com o aval da CBF. Temos um documento elaborado com a participação dos vinte integrantes da Série A e trouxemos para ser analisado. É simples: os clubes querem pagar a dívida, mas precisam de um prazo para pagar - argumentou o presidente do Coritiba, Vilson Ribeiro de Andrade.
A todo momento, os dirigentes fizeram questão de afirmar que não buscam o perdão dos débitos, mas a renegociação.
- A rigor, eu entendo que os clubes não precisam de perdão, de anistia, de nenhum tipo de favor. Apesar do momento dramático que estão vivendo financeiramente, o futebol hoje é uma atividade geradora de recursos e, com toda a certeza, dentro de condições mínimas de sobrevivência os clubes de futebol do Brasil são auto-suficientes e vão poder funcionar dentro de suas receitas e pagar suas dívidas - disse o presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Melo.
- Quando se fala em anistia, acho que essa palavra foge completamente daquilo que nós entendemos como representantes dos clubes. O que buscamos é resgatar não só a confiança e a credibilidade, mas acima de tudo cumprir nossas obrigações - completou o presidente do Vasco, Roberto Dinamite.
No documento apresentado, os clubes propõem que a Timemania seja reestruturada para a inclusão de dívidas contraídas após 2007, quando foi iniciado o projeto. Com a nova consolidação dos débitos, os times passariam a destinar mensalmente um percentual de todas suas receitas (televisão, patrocínios, bilheterias...) para o pagamento das dívidas. Clubes que não puderem ou optarem por não participar da Timemania teriam suas dívidas parceladas em prazos a serem negociados.
A partir desta renegociação, a CBF implementaria o chamado "fair play financeiro", no qual os clubes que não apresentassem a Certidão Negativa de Débito (CND) seriam impedidos de disputar as competições oficiais. Também seriam aplicadas sanções como a perda de pontos aos times falhassem na apresentação contínua da CDN ou atrasassem o pagamento das folhas salariais de jogadores e funcionários.
- É mais que necessário que os clubes passem a viver uma nova realidade em termos de padrões de gestão, respeitando os setores públicos, seus empregados e torcedores com o cumprimento em dia de suas obrigações. Sem nenhuma anistia, sem nenhum perdão. Vários setores do mundo empresarial brasileiro, como o setor da agricultura, por exemplo, se valem do alongamento de dívidas. Não é nenhum tipo de vergonha - concluiu Bandeira de Mello.
Dívida de R$ 3,5 bi com Receita e INSS
Diretor da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Paulo Ricardo de Souza Cardoso apresentou aos deputados e aos dirigentes um panorama das dívidas dos clubes. Segundo ele, os times que participam das quatro divisões nacionais devem aproximadamente R$ 3,5 bilhões apenas em débitos com a Receita Federal e o INSS.
- As dívidas que existem são consideráveis e a PGFN tem grande preocupação com a renegociação dessas dívidas. E temos sim uma preocupação em relação ao passivo travado com a Timemania, que tem um prazo de validade - revelou.
Cardoso ainda falou sobre a possibilidade de os clubes renegociarem individualmente os débitos com a Receita, assim como fizeram Flamengo e Vasco recentemente.
- Não faz parte das nossas discussões nos acordos que firmamos qualquer tipo de benefício em termos de anistia. Os acordos estão sendo feitos com o aval da Justiça de forma a compatiblizar o fluxo de caixa dos clubes com as dívidas dentro do que a lei permite. Outros clubes têm nos procurado para fazer também estudos e análises neste sentido e estamos abertos a fazer esse tipo de assertiva de forma muito positiva para a recuperação desses créditos.
Proforte
Um dos assuntos abordados na audiência pública foi o anteprojeto do deputado federal Vicente Cândido (PT/SP) que sugere a possibilidade de clubes em geral (não apenas de futebol) poderem trocar até 90% das dívidas tributárias por incentivos em projetos sociais ligados a modalidades olímpicas e à iniciação esportiva. Os outros 10% poderiam ser pagos em até 240 prestações.
- Não vejo problema em tratarmos o futebol brasileiro como tratamos o setor petroquímico e outros que recebem, inclusive, isenção tributária. Neste caso, até por timidez não estamos falando em isenção, o que não seria nenhum exagero. Os clubes estão conscientes de que se forem dados prazos, condições para investirem na base, em suas estruturas, vão honrar esses compromissos. Talvez, pela primeira vez o Estado poderá dizer que ajudou a produzir atletas no Brasil - defendeu Cândido.
- O Congresso aprovou anistia para agricultores, para Santas Casas, para ensino universitário, para bancos. O que este país já socorreu de bancos na história é um absurdo. Mas porque quando se fala no futebol a pancada come? Dizem que no futebol tem dirigente ladrão, mas se for partir desta premissa é melhor irmos todos para casa. Tem gente boa e ruim em todos os setores. De uma coisa tenho certeza, precisamos resolver a situação dos clubes de futebol - completou o deputado federal Deley (PTB/RJ), autor do requerimento para a realização da audiência.
O anteprojeto está em análise no Ministério do Esporte e no Ministério da Fazenda e pode ser apresentado em forma de Medida Provisória encaminhada pela Presidência da República. Os deputados também revelaram que um grupo de cerca de 20 parlamentares têm se reunido com frequência para tratar do tema.
No entanto, a proposta do Proforte não é unanimidade entre os deputados. Apesar de ter participados das primeiras reuniões para tratar do assunto, Romário (PSB/RJ) informou que não faz mais parte do grupo de discussão e fez críticas ao anteprojeto.
- Eu também tenho interesse no desenvolvimento do futebol brasileiro, mas esse Proforte é negativo. É ruim. O justo é quem deve pagar. Eu pago minhas dívidas. É calro que tem que ter uma fórmula para elas sejam pagas - afirmou.
Romário também criticou a proposta do "fair play financeiro" apresentada pelos representantes dos clubes.
- Vocês acham mesmo que a CBF tem moral e capacidade para fazer o Vasco, o Flamengo ou o Corinthians caírem por não pagarem suas dívidas? Isso não acontece. É utopia - questionou o Baixinho.
- A partir do momento em que isso estiver no regulamento do campeonato, vai ser cumprido - rebateu o presidente do Coxa, Vilson Ribeiro de Andrade.