Há um ano, uma diferença de uma semana marcou a saída de dois dos pilares dos cinco anos de administração do presidente Roberto Dinamite. José Hamilton Mandarino, ex-vice-presidente de futebol do Vasco, e Nelson Rocha, ex-vice de finanças, deixaram o clube no início de setembro, com críticas ao que chamaram de divergências com o atual presidente Roberto Dinamite, a quem responsabilizam por condução equivocada e mudança de postura. Um ano depois, os dois ex-dirigentes, mais outro ex-vice-presidente (José Pinto Monteiro, que passou pela pasta de esportes olímpicos), preparam o contra-ataque com duas premissas: o não à gestão Dinamite e a rejeição definitiva ao ex-presidente Eurico Miranda, que já aparece como favorito para a sucessão presidencial vascaína em 2014.
- O Vasco vem passando por momento delicado já há algum tempo, afastado lá em 2008 do desastre que representava a continuidade do ex-presidente (Eurico Miranda) da presidência do Vasco. O meu posicionamento como vascaíno, sócio do Vasco e conselheiro, é esse: volta ao passado jamais; manutenção do atual, impossível. Qualquer vascaíno responsável, verdadeiramente preocupado com a situação do clube, tem que se ater preliminarmente a esses dois aspectos - diz Mandarino, que concedeu entrevista ao GLOBOESPORTE.COM na última sexta-feira, antes da última derrota vascaína (para o São Paulo no domingo).
O grupo ainda procura um nome de consenso para disputar a presidência, mas Mandarino é o mais cotado entre as possibilidades para disputar as eleições de 2014 - que ainda não têm data para o ano que vem -, mas ele ainda resiste em encabeçar a futura chapa.
A despeito de ressalvas e elogios aos executivos contratados em 2013 - embora Nelson Rocha enxergue muito mais uma manobra de Dinamite, para sair de cena e respirar politicamente, do que por ideais e filosofia de administração -, a dupla bate firme na atual administração, no presidente e também no vice-presidente geral Antônio Peralta, a quem acusam de controlar propositalmente o programa de sócios. Mandarino lembra que os problemas na questão de regularização e expansão dos associados ao clube era urgente e nunca foi encarada como prioridade pelo dirigente vascaíno, que também é cotado para a sucessão de Dinamite.
- Se nós tivéssemos tratado com responsabilidade e competência, se tivéssemos desenvolvido um programa de sócios do clube para constituir um quadro social da dimensão que uma instituição como o Vasco merece ter, não teríamos a possibilidade de um retorno (refere-se aos sócios que entraram no clube recentemente para, supostamente, votar em Eurico Miranda). Nesse tempo todo vi o vice-presidente Peralta sentar em cima desse assunto, se negar a resolver o assunto, postergando as soluções, omitindo as informações e contando, naturalmente, com a conivência do presidente, contando com a omissão do presidente - afirma o ex-vice-presidente de futebol, que também comandou a pasta de finanças no início da gestão Dinamite.
- Isso foi uma vergonha que se instalou na administração do clube. Um atestado extraordinário de incapacidade. Sempre disse, desde as primeiras reuniões, que era urgente que consertássemos essa imoralidade. Durante anos ninguém podia se associar ao clube, como queria o ex-presidente, que fazia questão que o clube não tivesse sócios. Por quê? Para manipular melhor o quadro social do clube? Só poderia ser. Qual a razão? A força do clube está no quadro social. Essa é a força do clube, fundamentalmente. Se fosse feita alguma coisa, hoje já poderíamos ter um quadro social muito mais representativo, quantitativa e qualitativamente. E, consequentemente, teríamos condições de afastar essas assombrações dos caminhos enviesados, dos caminhos obscuros, das práticas pouco claras, das espertezas, isso estaria afastado - diz Mandarino, referindo-se novamente a Eurico.
Procurado pelo GLOBOESPORTE.COM, o atual vice-presidente geral Antônio Peralta disse que quando voltou ao Vasco na primeira gestão Dinamite já existia um contrato em vigor com a antiga empresa controladora do programa de sócios.
- Apenas peguei um programa de sócios, em cima de uma eleição, no curso de um contrato de uma empresa (Jeff Sports) que nem conhecia. Não sentei em cima de plano de sócios algum. Isso não existe. Até negociei com a empresa e consegui uma rescisão que onerasse bem menos o clube. Isso de que quis manter número pequeno de sócios não é verdade. Hoje temos mais sócios do que quando eles (Mandarino e Nelson) estavam aqui - responde Peralta, que alfineta e também ironiza os ex-aliados. - Estou trabalhando aqui dia, tarde e noite, coisa que eles não quiseram continuar. Se estivessem aqui, as coisas estariam melhor divididas e tudo estaria muito melhor. Não pretendo nada a não ser ajudar o Vasco a sair da crise. Se eles desejam voltar ao Vasco, têm todo o direito. E se forem bons para o clube, posso até apoiá-los.
No contexto da flagrante guerra política que já leva para longe a paz de São Januário, em meio à queda assustadora na tabela e a atual posição na zona de rebaixamento, os ex-vice-presidentes conduzem reuniões há cerca de quatro meses com um novo grupo formado por executivos do mercado financeiro, grandes escritórios de advocacia e dirigentes de bancos públicos e privados. Na conta da dupla, há espaço para uma quarta força no pleito de 2014: fora a situação, que deve ter Dinamite ou outro escolhido como candidato, existem dois grupos fortes de oposição, um do ex-presidente Eurico Miranda, outro de Roberto Monteiro, vice-presidente do Conselho Deliberativo do Vasco, ex-presidente de uma torcida organizada do clube e ex-vereador pelo PMDB no Rio de Janeiro.
Com conversas entre correntes distintas e personagens políticos que se afastaram do presidente Roberto Dinamite - como o empresário Jorge Salgado e o ex-jogador de vôlei Fernandão -, os ex-dirigentes respondem a questionamentos da saída do clube há um ano, quando o processo de desmanche do time e do clube estava já acelerado. Para Mandarino, um processo do qual a diretoria já esperava que aparecesse há um tempo, mas que a diretoria não soube contornar e nem amenizar a crise.
- Sabíamos que no segundo semestre, mais para o final do ano, nós teríamos problemas financeiros graves, porque estava sendo sinalizado que teríamos problemas com relação aos impostos não recolhidos - lembra o ex-vice-presidente de futebol, que chegou a estudar e sugerir ao ex-vice de finanças que fosse retido altos valores da renovação dos direitos de transmissão de TV.
- Vínhamos tentando remontar um quadro de execução orçamentária em que um dos problemas maiores eram os desarranjos que tínhamos entre esses fluxos financeiros. Ou seja, nós sempre antecipávamos receitas, mas, ao mesmo tempo, tínhamos um descasamento orçamentário muito grande.
Gestor das finanças do clube boa parte dos cinco anos de administração Dinamite, Nelson Rocha vê toda a questão de outra maneira. Lembra que, assim que entrou, chamou a atenção para duas coisas: a primeira, era a necessidade do clube crescer as receitas, a segunda, diminuir as despesas.
- Saímos de R$ 52 milhões de receitas em 2008 para R$ 140 milhões ano passado. Isso era frutro de renegociação de contrato de TV, licenciamentos da marca, entre outras coisas. Mas as despesas não diminuíram. Apesar de termos feito esforço grande, de eu sempre pedir e repetir em reuniões, sempre batendo nessa tecla, de que as despesas precisavam cair, de que precisávamos cortar, isso (corte de despesas) não foi feito - explica Rocha.
Citando acordos realizados nas áreas trabalhistas e cível - como a redução de ação de R$ 23 milhões para R$ 6 milhões de causas da empresa detentora dos direitos econômicos dos ex-jogadores Junior Baiano e Viola, mais outro caso, de Euller, que aceitou R$ 2 milhões em dívida que era de R$ 4 milhões -, o ex-vice de finanças diz que a área fiscal, que até hoje emperra o clube, já era o maior e último obstáculo a ser enfrentado. A maior parte das ações foi alongada em oito anos e o pagamento mensal passou a ser feito direto da fonte, que em sua maioria eram de adiantamentos de contratos de TV.
- Quando chegamos, em 2008, tinha 75% da verba de TV adiantada até 2011. Quando saímos em 2012 não tinha tudo do ano seguinte adiantado, porque não queríamos adiantar tudo de 2013. O dinheiro que fazíamos de receitas a mais era todo consumido para pagar as dívidas e assim vai continuar nos próximos anos. As pessoas dizem: “ah, mas você sempre fala de herança maldita.” Claro. E vai ser herança maldita por 10 anos. Falei quando entrei no clube que o mínimo para botar a cabeça de fora, respirar um pouco, seria de cinco anos. A situação do clube era infinitamente pior lá atrás. Comparativamente a 2008 a situação é muito melhor hoje. Mas o Vasco teve um problema pontual que a Procuradoria da Fazenda Nacional resolveu bloquear todas as receitas dos clubes que deviam a ela, não só ao Vasco - diz o ex-vice de finanças, sem deixar de criticar o atual presidente - A crise de 2012 é agravada muito menos por conta das dificuldades financeiras do que pela crise moral dentro de São Januário.
Sentimento de desmanche em um nome: Anderson Martins
Entre os problemas, a falta de soluções e as dificuldades e as divergências que culminaram na saída dos ex-vice-presidentes, o carro-chefe futebol detonou a crise com a queda do time campeão da Copa do Brasil de 2011. No Brasileiro, até a virada do turno de 2012, o Vasco disputava rodada a rodada a ponta com o Atlético-MG de Cuca e Ronaldinho. Mas perdeu quase de uma tacada só Allan, Rômulo, Fagner e Diego Souza. Antes, a perda que mais importou o ex-vice de futebol José Hamilton Mandarino: Anderson Martins.
O ex-dirigente admite pela primeira vez um erro na condução do contrato do jogador com o clube. Junto com o ex-diretor de futebol do Vasco Rodrigo Caetano, amarrado às condições da Traffic, detentora dos direitos econômicos do zagueiro revelado no Vitória, a direção do futebol colocou cláusula de saída que terminou sendo irrisória para a oferta do Catar que retirou o zagueiro de dupla notável com Dedé no fim do primeiro turno de 2011.
Na análise de Mandarino e Rodrigo, no fechamento do contrato e na definição da cláusula de saída, a hipótese de transferência para a Europa seria remota para um jogador que passara por duas graves lesões de joelho, de recuperação tão complexa.
- Estipulamos o preço de 2,5 milhões de euros imaginando que fosse proteção suficientemente grande para evitar uma saída indesejável do jogador. E ficamos tranquilo com o número. De uma hora para outra, do nada, e de um mercado que não é lá também essas coisas em termos de futebol, que é o Catar, que hoje está em condição mais em evidência pela Copa de 2022, vem a oferta de 5 milhões de euros - diz Mandarino, que revela o drama do ex-jogador do Vasco na hora de aceitar a proposta e deixar o Vasco no meio de 2011, pouco depois de ser campeão da Copa do Brasil.
- Apesar de todas as vantagens - ele passaria a receber alguma coisa em torno de 1,5 milhão de euros por ano, eu acho -, com residência, carro, todo conforto, eu o vi chorar copiosamente com o drama de não desperdiçar a oportunidade, que poderia ser a última, e todo o amor e o comprometimento dele com o Vasco. E isso nos pegou de calça curta, não só a nós, mas a todos, ele inclusive. Sempre digo isso: a maior perda que nós tivemos, nós vascaínos, nesse período todo em que estive no clube, não foi nenhum dos outros, mas foi a saída do Anderson Martins. Não tenho dúvidas que nós teríamos sido campeões brasileiro em 2011 se o Anderson tivesse permanecido. Nenhuma dúvida.