Em entrevista, Peralta comemora boa fase da base e diz que não pensa em eleição

Sexta-feira, 06/09/2013 - 16:37

Alvo de denúncias de favorecimento a empresários e suspeitas de corrupção e ainda com resultados fracos no campo, as categorias de base do Vasco passaram pela pior fase em fevereiro do ano passado quando o menino Wendel Venâncio da Silva, de 14 anos, passou mal fazendo testes e morreu no CT de Itaguaí. As mudanças, que já eram cobradas ao presidente Roberto Dinamite, mas resistiam em serem realizadas, se tornaram praticamente obrigatórias quando a pressão aumentou de fora para dentro. O Ministério Público instaurou uma investigação, fechou o alojamento em São Januário e boa parte do departamento se mudou definitivamente para Itaguaí. Foi a senha para a reformulação finalmente acontecer. O vice-presidente geral Antônio Peralta, um dos homens de confiança que sobrou da diretoria do presidente vascaíno, convocou o ídolo do clube Mauro Galvão para diretor executivo e iniciou as mudanças. Um ano depois, em uma semana, o Vasco vê os resultados acontecerem, com dois títulos de âmbito nacional na base: a Taça Belo Horizonte sub-20 e a Copa da Amizade sub-15.

Aos 65 anos, o português Peralta, que já ocupou diversos cargos desde os anos 1980 na administração vascaína, defende as melhorias obtidas, embora reconheça que as condições de trabalho não são as ideais. Com discurso apaziguador, ele evita criticar outras gestões e até os profissionais - como o ex-diretor da base Humberto Rocha, além dos ex-treinadores dos juniores Galdino e dos juvenis Tornado - que foram demitidos para a chegada de Galvão, Sorato (técnico dos juniores) e outros. Apontado como possível candidato à sucessão de Roberto Dinamite nas eleições do ano que vem, ele despista e diz que não pensa em eleição. Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM na tarde da última quarta-feira, Peralta garante que quer apenas continuar o trabalho para tirar o Vasco do abismo financeiro e realizar um sonho.

- Meu sonho é formar uma base, uma espinha dorsal do Vasco para o profissional, vindo das divisões inferiores. Estamos caminhando. Se olharmos para trás, tivemos Romário, Geovani, Edmundo, Mazinho, tantos jogadores que deram sustentação ao clube - lembra ele, que, assim como Roberto Dinamite, também vê como provável a saída de Danilo, meia do sub-17, campeão em Belo Horizonte, mas vê Índio, outra revelação vascaína, com futuro em São Januário.

Confira abaixo a entrevista com Antônio Peralta, primeiro vice-presidente geral do Vasco.

GLOBOESPORTE.COM: Há um ano começaram as mudanças na base, que era motivo de muitas críticas. Hoje, depois de muitos problemas, foram dois títulos e alguns avanços. Como foi todo esse processo?

Antônio Peralta: Há um ano, talvez mais um pouco, havia notícias que sempre vinham de forma depreciadoras sobre a base. Que tinha esquema disso, daquilo. E não tem esquema comigo, meu esquema é Vasco! Na ocasião falei com Roberto (Dinamite, presidente do Vasco): ‘Não adianta sermos honestos. Temos que ser e parecer. Temos que mudar, não dá para continuar com esses escândalos’. E o Roberto disse: ‘o senhor está certo, vamos mudar. Faz o que você achar melhor’. E, primeiro, selecionamos o Mauro Galvão. Também buscamos o Sorato (técnico dos juniores). ‘Por que o Sorato? O que ele ganhou?’ Não importa o que ele ganhou, é uma pessoa séria. A gente tem que colocar na frente de batalha pessoas que a gente confia. Pessoas que a gente confia, que não vão agenciar, que não vão negligenciar. Por absoluta confiança buscamos as pessoas que estão aí. Mantivemos o Mário Reigota (gerente), o Cássio (passou de treinador do infantil para o juvenil), que é um belo profissional, um rapaz muito sério. E fomos montando uma equipe de trabalho com a seguinte premissa: não estamos atrás de resultados imediatos, porque isso custa. Com a base não se faz num estalar de dedos, num mês, dois meses, meio ano. É de um ano para frente. Mas vamos ter resultados se blindarmos essa base. Se dermos as mínimas condições, as máximas nem pensar, porque não podemos por ora. Não precisa dar um filé mignon, mas um peito assado é gostoso demais. Então vamos trabalhar suprindo muitas vezes a falta das melhores condições com trabalho, com seriedade. Fiz várias reuniões, escolhi um diretor que já estava aqui no clube, o Manoel (Pereira), o Manoel do Posto, um homem português que nem eu, conversei com ele, me impressionou pela seriedade, pela postura. Falei: ‘Manoel, você vai ser eu e Roberto nessa base, você vai acompanhar essa base. Sempre com seus pares, porque nós temos outra coisa para tocar no clube.’ Quando houve aquela fuga daquele pessoal, que debandou aqui, os vice-presidentes (refere-se às saídas de José Hamilton Mandarino da vice-presidência de futebol, Nelson Rocha da VP de finanças e Frederico Lopes da VP de patrimônio), quem é que ficou? Eu e o Roberto (Dinamite). E os outros que chegaram, chegaram ainda com inibição inicial, sem experiência. Aqueles que vinham da campanha, que entraram com a visão de Vasco, foram embora. E ficamos em situação muito difícil. Mas estamos lutando muito, a cada dia mais.

Houve um aumento significativo de investimento na base?

Logicamente. Só em Itaguaí temos lá 20 pessoas trabalhando, 40 garotos morando. Tem toda uma infraestrutura por trás. Mas a base se paga. Você pega um menino desses, paga um ano, paga dois anos. O que tinha que ser feito foi feito. Tínhamos que viabilizar. Acabar com aquela história de esquema disso, esquema daquilo, não posso estar aqui trabalhando sério, deixando meus negócios, para ter alguém aqui que queira se arrumar. Não tem a menor chance comigo. Não estou dizendo que isso aconteceu, veja bem. ‘Ah, vamos apurar isso’, diziam. Não tenho tempo para isso. Vamos mudar e pronto. Até porque a maioria das coisas são mentiras. A coisa às vezes tem um milímetro de extensão, mas se conta 10 centímetros. Então afasta as pessoas, até para preservá-las. Muitas vezes as pessoas não fizeram nada demais, são vozes de fora que têm interesses, interesses de outros para denegrir a quem estava. Há muito exagero nisso tudo. Mas não podemos também tapar os ouvidos, fechar os olhos.

Há um tempo, no início dessas mudanças, lembro do senhor ter dito que via um futuro promissor para o clube com as revelações da base.

Meu sonho é formar uma base de time, uma espinha dorsal do Vasco para o profissional, toda ela vindo das divisões inferiores. Estamos caminhando. Há dois anos mais ou menos, quando o Brasil foi campeão sul-americano (dezembro de 2011 no Uruguai), o Vasco tinha quatro titulares e mais um reserva naquele time. Só que aquela conquista devassou muito nossos jogadores. Eles ficaram visíveis, ficaram na mira dos oportunistas, que se dizem empresários, que vão na família, oferecem dinheiro e nós acabamos perdendo até dois jogadores. Um conseguimos pelo menos um valor (o destaque do torneio e atacante Mosquito) e outro (o lateral Foguete) foi para o São Paulo inexplicavelmente, porque existe um consenso, não é um acordo, mas é um consenso que eu não tiro atleta do Flamengo, por exemplo, e eles não tiram nosso. Por que vou fazer isso? O atleta chega às vezes com oito anos, sete, seis anos, então fica até os 15 anos, mesmo com toda dificuldade de manter professores, treinadores. Alguns se contundem até com certa gravidade e damos toda a assistência. Se não somos uma Brastemp, somos uma Consul, estamos ali, dentro de um padrão bem aceitável em assistência, com bom departamento médico. E não é justo o clube aceitar que o empresário leve o garoto. Isso está errado, é uma anomalia da lei Pelé que expôs o clube. Até 15 anos você não tem vínculo nenhum. E até 15 anos quem formou? Não vale nada para trás? Não paga nem o leite que tomou?

Na sua visão, o mecanismo de solidariedade da Fifa (no qual clubes formadores recebem até 5% das transações internacionais pelos jogadores) não compensa os clubes?

Isso é um cala a boca, uma migalha! O jogador vale 20 milhões, quem formou leva 500 mil. Isso é um absurdo. Então, por conta disso, nós, com essa nova equipe, tomamos certos cuidados. Seu Manoel conversa com os pais, dá uma assistência paternalista aos meninos, conversa com eles. Não é só o dinheiro, é o ambiente que se cria para esses meninos. Esses pais que têm filhos com talento, eles sabem que têm futuro certo. Mas eles têm que entender que é melhor ainda quando se age bem, quando se respeita, quando pensa: ‘Não vou ser ingrato com o Vasco, porque ele é que deu a oportunidade do meu filho ser o que é hoje.’ É o que o Roberto (Dinamite) fala até hoje sempre que pode: ‘Eu sou tudo o que sou, se eu sou alguma coisa, é graças ao Vasco.’ Então é muito importante que busquemos sempre desenvolver na criança esse espírito de gratidão, de reconhecimento. Temos bom ambiente, não tem mais aquela coisa de pé do ouvido, que às vezes tinha aqui dentro mesmo. ‘Ó, tem uma situação lá fora’, hoje tenho certeza que não tem isso.

O senhor refere-se a assédios de empresários?

Não, digo na comissão técnica, no nosso estafe. Hoje não tem isso, pelo contrário. Agora mesmo em Belo Horizonte (onde o Vasco venceu a Taça BH de juniores), um cidadão ligado ao Grêmio, se não me falha a memória, foi para a porta do vestiário falar com um garoto nosso. E foi banido de lá.

Qual jogador do Vasco que a pessoa procurou?

Não sei ao certo, talvez o Jhon Cley, não sei, ou outros mais, porque todos jogaram bem, temos uma safra muito boa. Isso me foi colocado quando o pessoal retornou. ‘Qual é o problema, meu irmão, o que está buscando aqui? Nós vamos lá na porta do seu vestiário fazer isso?’

Aquele acordo formalizado entre a base dos principais clubes do país, então, pelo visto caiu por terra, não?

Não, ele ainda está valendo, mas alguns clubes furaram o cerco. O São Paulo é um. Pelo que soube, infelizmente, ele não usa de critério ético, ele simplesmente faz (a transação). Agora, nós procuramos não fazer.

O Vasco vai comprar o CT do Pedrinho Vicençote em Itaguaí?

O CT foi uma conquista extraordinária para nós. Temos que agradecer ao Pedrinho Vicençote, que teve uma paciência conosco, porque nem sempre podemos pagar em dia o aluguel e ele sempre disse: ‘não, deixa, depois a gente vê’. A intenção nossa é comprar. Já conversei com ele (Pedrinho). Ele aceita, mas, logicamente, temos que ter dinheiro. Não adianta sonhar o sonho do sonho, se não temos hoje como pagar salários em dia. A prioridade é pagar salário em dia, não é comprar CT. Se resolvermos tudo com a Fazenda Nacional, com as certidões, vamos colocar tudo em ordem. A próxima administração que entrar vai encontrar o Vasco muito melhor do que foi encontrado, com certeza. Embora não estivesse aqui (quando Roberto assumiu em 2008), não estou dizendo que ‘é isso, com certeza.’ O grupo que entrou encontrou uma situação já crítica. Não estou aqui criticando os antecessores. Não critico administração passada. Ela enfrentou seus problemas e tentou resolver da melhor forma. Os atuais (problemas) têm sido bravos, porque a Receita Federal e a Fazenda Nacional resolveram de cobrar toda a dívida de anos e anos para trás na atual administração.

Esses dias publicamos a informação de que o Danilo, meia de 17 anos, está sendo vendido para o Liverpool. Depois, o presidente Roberto Dinamite assumiu que o negócio deve sair. Vê chances dele ficar?

Eu preferia que ele ficasse. É um garoto promissor. Mas nós temos problemas para resolver e o garoto também tem uma proposta boa, como vai segurar? Tem a família, tem a mãe, todo um histórico familiar que precisa daquilo (do dinheiro da venda). Um menino desses, às vezes, saneia o problema da família toda, não só do pai e da mãe. Eu fui muito pobre na infância. A medida em que fui melhorando, fui melhorando a vida da família toda. Até dos que estavam lá em Portugal. É assim que temos que ser, justos, fraternos. E como você chega para um menino desses e diz: ‘não vai’? Eu não tenho detalhes disso aí, se o Roberto falou ele tem mais detalhes do que eu. Eu me preocupo apenas em gerar. Agora, nós vamos ter surpresas na frente com esses meninos que estão sendo revelados.

E o Índio, outro que o Vasco espera muito, esse dá para manter?

Se Deus quiser. Até porque o pai do menino é muito equilibrado, é vascaíno, o Índio é vascaíno roxo, isso ajuda muito também. Não é que os outros não sejam (vascaínos), mas há aqueles que são mais fervorosos. Esse menino se falasse em sair do Vasco, ele chorava. Impressionante. Então isso ajuda muito. E ele sabe que tem um futuro certo. Depende mais dele agora do que do Vasco. O Vasco já fez com que ele fosse colocado na vitrine. Está consagrado na idade dele. Para frente, vai depender da seriedade, da cabeça dele, do propósito dele em alcançar o melhor para a carreira. A gente fala isso tudo para ele.

Ele está ansioso para subir para os profissionais? O Vasco não termina demorando muito para promover os garotos mais promissores?

Existe meninos que com 17, 18 anos estão prontos. Mas têm uns que sobem, mas têm insegurança… Você vê, o Marlone está começando agora a aparecer. Mas antes saiu, voltou, porque esse é o processo normal. Você amadurecer o jovem gradativamente. Compatibilizar a idade, o desenvolvimento e a chance. Senão queima o garoto. Eu sou contra, por exemplo, o time está mal e pegar o garoto para melhorar. Não vai (melhorar), vai queimar o garoto.

Somos adultos, somos responsáveis por esses meninos, temos que achar o melhor momento para eles. E eles vão nos ajudar ou não. Tem garoto que se levar duas pancadas se encolhe todo, treme, já tem que dar um tempo, deixar esquecer aquilo. Claro que tem aqueles notáveis, como um Neymar, um Cristiano Ronaldo, Pelé, Maradona.

O Índio é um dos jogadores da base cujos direitos econômicos são dividos com parceiros. Hoje só é possível mantê-los no clube dessa forma?

Às vezes é melhor você ter um pouco de alguma coisa do que muito de coisa nenhuma. Então temos que abrir concessões, porque é fato que os grupos de empresários estão aí, procuradores, estão aí todos ativos em cima dos garotos. E muitas vezes há um comprometimento da própria família (com esses empresários) e nós temos que sentar e conversar. A Lei Pelé não favorece aos clubes, que são aqueles que consagram, que elevam, que visibilizam o menino lá na frente. E ninguém vai atrás de perna de pau não. E aí a gente tem que sentar para conversar.

Vamos passar um pouco para a política do clube. Como o senhor vê esse trabalho dos novos diretores executivos e remunerados que chegaram esse ano em São Januário?

Eles vieram com uma proposta de trabalho e nós estamos apostando.

É um modelo no qual os diretores ficam acima dos vice-presidentes.

Não, ninguém fica acima de vice-presidente nenhum. A grande questão que tem deixar muito claro é que eles são o operacional do clube. São pagos para ficar aqui no dia a dia, de manhã a noite, cumprir horário de trabalho. Do vice-presidente você não pode exigir isso dele. Os estatutos dos clubes foram elaborados quando os vice-presidentes eram pessoas mais idosas e podiam passar o dia todo no clube. Hoje não podem. A era dos mecenas acabou. O mecenas vinha no clube, comprava dois jogadores e dava para o clube. Mas acabou. Hoje nós temos que profissionalizar. Estamos fazendo isso. Estamos observando, analisando, apostando neles. Eles vieram do Grêmio, fizeram um trabalho, não posso dizer se foi bom ou ruim, estão ativos aí no mercado. Estamos apostando. Vamos aguardar.

Como o senhor vê o cenário para as próximas eleições? Muito se fala que o senhor pode sucedê-lo.

Não sei ainda (sobre o cenário), não conversei com o Roberto. Eu falo por mim, estou tão focado em ajudar a instituição, resolver os problemas atuais, que não tenho como pensar em eleição. Eu quero o melhor para o Vasco. Rezo ao meu Criador para que o Vasco encontre o melhor presidente. Eu acho, no meu entender, que se o Roberto desejar continuar, ele vai se manifestar. Agora, falar sobre eleição é muito cedo, para mim é muito cedo. Lá para março podemos falar.

Mas o senhor quer se candidatar?

Não posso falar nada ainda, porque, como te falei, eu quero ajudar o Vasco a minimizar esse monte de problemas que temos aí. E temos muita coisa para resolver. Não adianta pensar em eleição se não conseguimos resolver coisas para que a gente respire.

Dizem em São Januário que o senhor tem uma aproximação com o ex-presidente Eurico Miranda, que deve se candidatar novamente.

Trabalhei com o Eurico muitos anos e quando o (ex-presidente Antônio Soares) Calçada saiu, fiquei pouco tempo com ele. Eu tinha problemas pessoais para resolver, estava há 14 anos no clube, tinha quase 20 anos de vice-presidente no clube, resolvi sair. Não tenho nada contra o Eurico, pelo contrário, respeito ele, foi um grande vice-presidente de futebol e se ele deseja voltar ao Vasco é um direito que ele tem.



Fonte: GloboEsporte.com