Manoel Bigode, comerciário, 36 anos de idade, residente em São Cristóvão foi aplaudido, vaiado e até xingado. Tudo porque da carroceria do caminhão placa GD 6017, ele gritou pelo Vasco durante o trajeto de São Januário para o Maracanã, a fim de levar as 3 toneladas de papel picado, as bandeiras, faixas e a bateria da Força Jovem.
“Vasco, Vasco, Paulo César, não é nada. Bom é o Dé.”
A vibração e o entusiasmo de Manuel Bigode foram interrompidos quando o caminhão chegou ao Portão 18 do Maracanã e o Capitão De Paula, Chefe da segurança do Estádio, apreendeu os 60 pares de tamanco.
“Podem descarregar tudo, menos os tamancos, que ficam sob minha responsabilidade. Lamento, mas os consideram armas.”
Ely, Chefe da Força Jovem, tentou ponderar, e depois de jurar que seu grupo não levou nenhum fogos de artifício, implorou pela liberação dos tamancos, sem êxito.
“Juro que os componente da Força Jovem não carregam fogos para saudar o time. Nossa saudação ficará por conta de muito papel picado e da bateria dirigida por Valfrido.”
CARINHO
No portão do Estádio, Ely teve uma agradável surpresa: Tião Camargo, velho torcedor Vascaíno, entregou um embrulho e segredou:
“Ely, segura com carinho este embrulho de confete dourados. Duvido que os torcedores do Flamengo tenham esses confetes”.
O caminhão dirigido pelo velho Gonçalves, outro Vascaíno doente, encostou no depósito número 314-A, a direita da entrada para a Tribuna de Imprensa, e os membros da Força Jovem descarregaram todo o material. O imprevisto deixou espantado:
“ A nossa surpresa, a bandeira de 1.250 metros quadrados, não passa na porta do depósito. A solução será abri-la e guardá-la aos poucos. Com essa bandeira faremos inveja aos torcedores do Flamengo.”
Gabriel se encarrega da distribuição das bandeiras e conta com uma enorme bandeira de 10 metros quadrados, que foi tomada a torcida do Botafogo.
“Essa é relíquia de guerra. Foi no ano retrasado, pelo Campeonato Nacional, no jogo em que o Brito agrediu o José Aldo Pereira. O Tarzã ficou provocando, e então fomos até o meio dos botafoguenses e tomamos essa bandeira. Deixamos três faixas brancas e substituímos a estrela pela cruz de malta.
A preocupação de Ely, com a distribuição dos papéis picados e a falta de mastros para as bandeiras, termina praticamente as 10h30m, quando Manuel Bigode, já praticamente rouco e todo molhado de cerveja.
“Ele começou a beber desde as 8 horas, quando deu a primeira viagem de São Januário para o Maracanã, declara.
“Na guerra das bandeiras, o Vasco não perde”.
Com os bambus comprados em Teresópolis, serão mais de 3 dúzias de bandeiras a incentivar o time.
Uma vez instalado o material, Ely convocou seu pessoal para afixar as faixas. Essa parte ficou por conta de Gabriel, o Tesoureiro, Melo, Vice Presidente da Torcida, Adelino e Antônio Girafa, Diretores de Faixas e Bandeiras. Silas, Primeiro Secretário e Marquinhos, o Segundo desenrolaram as novas faixas.
- Fúria Vascaína de Niterói, De hora em hora o Vasco melhora, Enquanto houver um coração infantil o Vasco será imortal, Difícil é acreditar que tudo não seja Vasco, Vasco é Vasco o resto é resto, Feminina Camisa 12, Salve os 11 de ouro e Quem é Vasco tá na nossa quem não é Vasco tá na fossa.
A distribuição das tarefas é bem feita por Ely e Sérgio, Carivaldo, Milton, Valfrido, Valdir e Paulo Munier se encarregam de distribuir os sacos contendo os papéis picados.
Eles são colocados nas arquibancadas, do lado direito da Tribuna de Honra até o meio campo.
Todo o trabalho de arrumação se interrompe com o grito de Antônio Girafa, que do terceiro andar, avista Lia Formiga, da Torcida do Flamengo chegar com seu vestido rubro negro.
“Sai daí urubu. Avisa Paulo César, que o Moisés vai quebrar a perna dele.”
A Força Jovem aumenta com a chegada de mais quatro torcedores, todos residentes na Rua Santana. Eles pularam o muro da Avenida Radial Oeste e foram expulsos da primeira vez, pela PM.
Na segunda tentativa, trepando em árvores e passando por grades praticamente intransponíveis em condições normais. Dionísio de 16 anos, Carlos Henrique de 17. José Wilson, irmão do zagueiro Itamar do Flamengo, de 15 e Antônio Carlos de 13 anos, conseguiram chegar nas arquibancadas as 10h45m.
“A vigilância não está mole, mas a gente dá sempre um jeito de entrar no Estádio e ver o jogo.”
PROVOCAÇÃO
Todas as faixas estão colocadas as 11h30m e Manuel Bigode não resiste a tentação de provocar Lia Formiga, a única torcedora do Flamengo a aparecer nas arquibancadas, a esquerda da Tribuna de Honra. Empolgado, Manuel Bigode vai espalhando a cerveja sem ligar para os protestos de Lia.
“A Charanga do Flamengo vai ter que sentar no molhado.”
Quando Lia Formiga coloca a faixa de cabeça para baixo, a Torcida Força Jovem grita em coro.
“Burra, olha o Mobral. Volta pra Escola”
O ALMOÇO
Ao meio dia, Dulce Rosalina, Chefe da Torcida Organizada, se une a Ely e todos colaboram para a instalação de fitas e bolinhas de gás. O almoço é servido, as 14h30m pela Vovó Ana, uma torcedora do Vasco de 73 anos, e que já torcia pelo Clube desde o tempo em que morava em Três Corações, Minas Gerais, e que sai de Brás de Pina com várias panelas para o Estádio:
“O menu é simples, frango guisado, macarrão e tutu com ovos e linguiça.
Mas só distribuirei a comida no depósito, porque junta muita gente, e só estou aqui para servir os Vascaínos.”
No almoço, Manuel Bigode continua sendo o destaque. Descontraídos e soltando piadas para os poucos rubros negros que passam por perto, ele vai destrinchando os frangos, até Vovó Ana dar conta de que está sendo enganada.
“Se a panela ficar a vontade, o Manuel Bigode é capaz de acabar com toda a comida.”
Depois do almoço, todos os componentes da Força e da Torcida Organizada, que se uniram durante a semana, descansam, porque ficaram até as 5h30m, confeccionando a bandeira gigantesca de 1.250 metros quadrados, ela apareceu nas arquibancadas, pelo túnel de acesso central do lado oposto da Tribuna de Honra as 14 horas. Ely vibrou com a bandeira.
“Depois de tanto sacrifício para confeccionar a bandeira e com a excelente campanha do time, a vitória tem que ser do Vasco, com ou sem Tostão.
Fonte: Jornal O Globo 06 de Maio de 1973