Pela televisão, ela é quase invisível. Da arquibancada, confunde-se com o cenário. Nem mesmo da lateral, à beira do gramado, fica fácil de identificar. A mistura de laranja, amarelo e preto pode parecer interessante a seus fabricantes, mas, em campo, a bola usada na Copa do Brasil e no Campeonato Brasileiro tem gerado questionamentos e críticas. Enquanto jogadores e treinadores se queixam da dificuldade de acompanhar os movimentos da redonda, torcedores se esforçam para registrar cada jogada, e designers se perguntam como a Nike pode ter cometido tamanho equívoco na escolha das cores. Apesar dos protestos, a CBF avisa: a bola da discórdia continuará a rolar até o fim da temporada.
— Me perdoem os fabricantes, mas essa bola é horrível. Em gramados onde a iluminação é menor, ela se confunde com os anúncios das laterais. Na TV, não é nítida. Desculpe quem fez, mas, para a gente, é muito ruim — detona o treinador Oswaldo de Oliveira, do Botafogo.
— Você não vê a bola no momento do passe, só quando já está próxima. Perde parte da trajetória. A gente observa os jogadores comentando entre eles, reclamando — aponta Dorival Jr., técnico do Vasco. — Não dá para entender o motivo de se adotar esta bola.
O design exótico — laranja claro com manchas pretas e contornos amarelados — também é criticado pelos jogadores, que penam para identificar a trajetória da bola na hora de analisar os vídeos das partidas dos adversários. O peso e a velocidade são iguais aos de outras —, mas, para os milhões de torcedores que veem os jogos pela TV, a bola é mais torturante do que um centroavante caneleiro.
— Qualquer bola some quando passa pelo refletor. Prefiro a branca por questão de costume, mas não senti muita diferença com essa laranja em campo. Na televisão é que fica difícil mesmo — confirma o goleiro Renan, também do Botafogo.
Mano Menezes, técnico do Flamengo, diz que enxerga bem a bola, mas invoca a tradição para defender a volta da branca:
— Contrasta mais com o gramado, que é verde, com as camisas dos jogadores e o colorido das placas de publicidade. Demorei para aceitar as chuteiras coloridas, que viraram moda, mas acho que a bola a gente ainda pode preservar um pouco.
Nem observadores experientes se salvam. O locutor Luís Roberto, da TV Globo, conta que tem dificuldade para acompanhar alguns lances, especialmente à noite, e quase se complicou quando narrava um jogo em Juiz de Fora:
— Foi num Flamengo e Campinense. O jogador chutou na direção da linha de fundo, mas a bola bateu no peito do companheiro e entrou. Não ficou feio porque na hora vi a rede balançando e gritei gol. Mas não vi a bola entrar — reconhece o narrador. — Os designers têm que entender o espírito do futebol. A bola não virou branca ao longo dos anos por acaso.
Inconformados, os torcedores João Lopes Ferreira Filho e Henrique Dias Ramalho enviaram e-mails ao GLOBO, reclamando da “bola de Halloween”. O primeiro, alvinegro, afirma que em transmissões sem HD é “praticamente impossível identificar o OVNI”. Já Ramalho, de 80 anos, diz que se sente “uma criança de castigo”, pois não consegue ver os gols do seu time, o Fluminense.
Para quem entende do assunto, a implicância com a bola tem fundamento. O designer Flávio Carvalho, pesquisador do Núcleo de Experimentação Tridimensional da PUC-Rio, explica que a cor preta é uma péssima escolha para uma bola, por se misturar às sombras no campo e ao verde da grama. Além disso, o amarelo também se confunde com o verde, e o laranja, que poderia se destacar, não foi escolhido em um tom favorável.
— Particularmente, estranhei muito quando vi essa bola. Ela tem uma paleta excelente para se jogar na Noruega ou em qualquer lugar com neve ou na areia. Mas não é boa para a grama. O amarelo é próximo ao verde, e o preto some.
Além da escolha equivocada de cores, Carvalho lembra que as tradicionais bolas em preto e branco possuem pentágonos definidos, que se diferenciam de possíveis sombras. Já no caso da Nike Maxim — esse é o nome da feiosa — as áreas negras são como manchas irregulares, imitando quase uma camuflagem.
Para a professora do curso de Desenho Industrial da UFRJ Beany Monteiro, as críticas em torno da bola apontam uma falha primária no seu desenvolvimento:
— É incrível que uma empresa do porte da Nike cometa um erro desse tipo. É um erro básico de projeto. Ela pode ter feito testes de costura, de material, mas em termos de cor, fica claro que não foram realizados testes suficientes.
Apesar das críticas, a empresa diz que realizou “testes extensivos para garantir contraste ideal de cor e visibilidade”. Mas não explica por que a bola daqui é multicolorida, enquanto a do Campeonato Espanhol, também da Nike, é branca.
Segundo o coordenador do curso de Marketing Esportivo da ESPM Rio, Antônio Carlos Morim, há uma tendência de uso de cores cítricas e fortes em produtos esportivos, como uniformes e chuteiras, que agora chega à bola. Ele lembra que a indústria do setor está em permanente busca pela inovação, tanto na área tecnológica, como no design. O problema, aponta, é que nem tudo dá certo.
— A Jabulani (bola da Adidas, da Copa de 2010) tinha tecnologia de ponta, mas fazia um desvio no fim da trajetória. Para o goleiro, era um caos. Todo mundo reclamou, mas jogaram a Copa toda com ela, e nunca mais se falou da bola.
Morim não acredita que a Nike tenha prejuízo com a polêmica. Lembra que, boa ou ruim de se ver, a bola oficial de um campeonato sempre desperta o desejo de dois públicos: os peladeiros e as crianças. Uma bola como a Nike Maxim custa cerca de R$ 400.
— Quem está comprando não é o jogador profissional, mas quem está jogando pelada, o pai que dá de presente para o filho… O amador está associado à marca, e, se você gosta da marca, fica com ela. A criança aficionada por jogar futebol não está preocupada se a bola tem boa visibilidade. Ela quer a bola do campeonato.
A CBF afirma que não recebeu reclamação formal e não pensa em substituí-la. Segundo seu diretor de comunicação, Rodrigo Paiva, a única exigência feita à Nike é que as bolas estejam dentro dos padrões da Fifa. Os gramados brasileiros terão de esperar 2014 para que uma nova bola role pelos pés dos nossos craques.
Fonte: O Globo online