Conheça bastidores da conquista da Libertadores em 1998

Domingo, 25/08/2013 - 14:34

Na primeira fase, Grêmio, Chivas-MEX e América-MEX. No mata-mata até a glória, Cruzeiro, Grêmio de novo, River Plate e Barcelona-EQU. Sete vitórias, quatro empates e duas derrotas. Invicto e soberano em casa, campeão no ano de seu centenário. O torcedor do Vasco sabe de cor e salteado as partes mais importantes da campanha do título da Libertadores de 1998. Mas e o que aconteceu nos bastidores de jogos, treinos e viagens? No dia a dia de convivência, entre 4 de março e 26 de agosto? Histórias que misturam tensão, parceria, vaidade, confiança de sobra, crises abafadas e cenas hilárias foram marcantes antes de o capitão Mauro Galvão erguer a taça e explodir o caldeirão que fervilhou com as mais diversas emoções (confira a matéria do Globo Esporte com a chegada ao Rio).

A reportagem é a segunda da série especial do GLOBOESPORTE.COM em comemoração aos 15 anos da conquista continental do clube cruz-maltino, data a ser completada nesta segunda-feira. Na primeira matéria, o ex-volante Vagner, camisa 10 na ocasião e um dos únicos titulares afastados da mídia, relembrou sua trajetória na Colina. No fim da matéria, saiba também onde estão todos os outros 29 jogadores relacionados e que vestiram a faixa.

A festa em Guayaquil varou a noite, após 2 a 1 que selou o triunfo, e se estendeu para aeroporto e voo de volta para casa. Regada a pagode, bebida e muitas brincadeiras em meio à sensação de dever cumprido. Só que os dias anteriores haviam sido tensos. Inferior na bola, o Barcelona tentou desestabilizar o Vasco de todas as formas. De fogos e gritaria na porta do hotel, vestiário cheio de fumaça e com cheiro insuportável de tinta a pedras atiradas no gramado, a hostilidade foi grande. O time se aqueceu e se trocou num corredor do estádio.

- Não tínhamos condições de entrar no vestiário, nem antes, no intervalo. Fomos embora do estádio sem tomar banho também. Faz parte da mística do torneio, não podíamos ficar nervosos por causa disso. Era só assim que eles poderiam ganhar. Nos reunimos, falei isso e entramos mais concentrados e determinados a acabar com tudo logo - revelou Galvão.

Em solo carioca, dezenas de milhares de pessoas receberam a delegação, que partiu em carreata pela cidade, sem deixar de provocar o Flamengo ao passar em frente à sede da Gávea. A celebração terminou em São Januário. Ou melhor, no Maracanã, já que, no domingo seguinte, o arquirrival entregou as faixas no empate em 1 a 1, pelo Brasileiro.

Pantera a um passo da dispensa

O grupo liderado por Antônio Lopes vinha de um título brasileiro incontestável, com recorde de gols de Edmundo e a construção de um conjunto azeitado pelo treinador. Já eram duas temporadas no cargo. O time mudou pouco para a competição, com exceção do ataque e reforços pontuais. Se o Animal, bad boy da companhia, foi vendido, Valber, Vitor e por vezes até Donizete, falastrão, e Luizão, jovem e dono de personalidade forte, assumiram o papel e deram uma agitada no vestiário. Quem teve que agir foi um personagem que não calçou as chuteiras: o gerente Isaías Tinoco, apontado como "o cara dos bastidores", um para-raios.

- Eram jogadores muitos jovens, que têm seus percalços, suas ansiedades. A vida de um atleta parece simples, mas é sujeita a limitações. E na condução de um elenco, você precisa tomar decisões diárias. As que eram acionárias e as negociáveis. Fizemos isso com sabedoria, porque eles diziam que estavam fechados e ganhariam o título. Cumpriram a promessa - recorda-se Isaías, hoje fora do futebol após deixar o Guarani, no último mês de abril.

O início ruim da trajetória deu uma chacoalhada. Foram duas derrotas sem gols marcados, para Grêmio e Chivas Guadalajara, ambas como visitante. A partida seguinte também seria nas mesmas circunstâncias, frente ao América. O empate em 1 a 1 amenizou o cenário, já que havia consenso de que os resultados eram circunstanciais, com atuações razoáveis. Mas ainda havia a obrigação de se impor em São Januário. Aliás, a cruel montagem da tabela foi aprovada pela diretoria, que permaneceu no México e evitou uma viagem a mais.

Neste período, Donizete e Vitor estiveram a uma assinatura de serem dispensados. O Pantera reclamou publicamente que tinha muitas funções defensivas, aborrecendo Antônio Lopes. O episódio foi contornado sem consequências. Hoje, o ex-camisa 7 dá detalhes.

- No inicio tive dificuldades com o Lopes. Eu tinha que voltar muito para marcar. Foi quando o time não se acertava ainda. Dei uma entrevista, ele ficou chateado e decidiu: "Não quero mais o Donizete". Mas o pessoal me segurou - conta, referindo-se aos atletas e à comissão.

A situação de Vitor não envolveu o treinador diretamente, mas foi um ato de indisciplina ainda mais grave. Recém-chegado, o lateral vendeu um carro por R$ 80 mil do zagueiro Mauro Galvão. Ao receber o cheque, quis descontá-lo direto no caixa do clube, mas o banco era outro. Contam os ex-companheiros que por pouco o falecido auxiliar Alcir Portela não apanhou ao tentar conter sua revolta. O caso foi parar em Lopes, mas não na diretoria. No fim, as partes confirmam que o gerente Isaías Tinoco segurou a barra e fez a poeira baixar.

- Claro que era indisciplina, mas tínhamos algo mais importante na frente, que era a busca implacável pelo título. Por causa disso até tomei muita porrada da imprensa, que dizia que eu abafava e escondia os casos. Mas era o melhor para o clube. Eu tinha que ser sensível para escolher se levava à diretoria. Se sai um jogador assim, o grupo rachava - crê Isaías.

Questionado, Lopes não desmente, mas não gosta da publicidade.

- Ninguém morreu, ninguém levou tiro... No fim, deu tudo certo, como queríamos. Problemas são normais. Não precisa lembrar e ficar comentando essas histórias.

Juninho comemora gol na Libertadores com a dupla de ataque do Vasco



Adrenalina e certeza da vitória na Colina

Com a bola rolando, a equipe cruz-maltina esbanjava confiança e contava com um sistema eficiente de defesa. Foram oito gols sofridos em 14 partidas. Um outro componente externo, porém, foi primordial para empurrar os jogadores e atormentar os jogadores: o Caldeirão. Com média de público de quase 25 mil por duelo, o Vasco triplicava sua força. Segundo o volante Luisinho, a adrenalina começava na entrada da rua São Januário, a 2km.

- Era um mar de gente na frente do ônibus, que ia flutuano. Nunca tive uma sensação igual. Éramos carregados pelo público, gritando, batendo. Não tinha como pensar outra coisa: íamos derrubar o time que passasse pela frente. Cantávamos o samba da Unidos da Tijuca junto com a galera, o Valber levantava para dar piques no corredor e animava o aquecimento. No campo, nós é que mandávamos e determinávamos a maneira de jogar.

Luizão foi o outro a enaltecer o estrago que a Colina fazia. Ressaltou que, apesar da estrutura precária na ocasião, a casa própria faltou a outros clubes brasileiros.

- Falei para o Andrés (Sanches, ex-presidente) um tempo depois de parar que o Corinthians não tinha ganhado a Libertadores ainda porque não se identificou com um estádio. Saía do Pacaembu para o Morumbi, e isso era com vários times. Em São Januário nós conhecíamos tudo, ficou lotado mesmo com as derrotas no início. Com a qualidade da nossa equipe, não dava para perder. A estrutura até era precária, é verdade, a gente via rato passando no vestiário. Mas era um clube gostoso de jogar demais - observou o atacante.

Válber, um capítulo à parte

Classificado com a pior campanha da primeira fase, nas oitavas de final o adversário era o Cruzeiro, com o privilégio de estrear no meio do torneio por ser o campeão do ano anterior. Uma semana antes do primeiro confronto, quatro titulares saíram machucados da vitória por 3 a 0 sobre o Friburguense, em Nova Friburgo. Eis a lista: Luisinho, com afundamento no crânio; Juninho, torção no tornozelo; Ramon, lesão no joelho; e Luizão, com oito pontos na boca após uma cotovelada. Os três primeiros ficaram fora contra a Raposa.

Além disso, Odvan e Alex Pinho também não estavam à disposição. Remendado, o Vasco fez 2 a 1 no sufoco e partiu para o Mineirão. Lá, mais um problema para Isaías Tinoco driblar:

- O Pedrinho ficou febril e também não pôde jogar. O substituto seria o Valber, que havia faltado a um treino antes e irritou o Lopes, que o afastou da relação. Fui descobrir o que houve com o Valber, que me contou que estava se separando da mulher, estava brigado. Convenci o Lopes a sacrificar seus conceitos mais uma vez para não sairmos prejudicados tecnicamente. Conversei com a esposa também, para que ela desse uma chance a ele até o fim da Libertadores. O Valber, com Nelson e Nasa, fez uma grande partida, e passamos.

Não foram só problemas matrimoniais que envolveram o ex-volante vascaíno naquele semestre. Com insônia aguda, justificava atrasos e exigia dormir em quarto isolado na concentração. Além de ser o protagonista das histórias mais hilárias e que estão na ponta da língua do elenco: como quando surgiu no treino vestido de mulher, no carnaval, ou levou todos os talheres que pôde encontrar do avião na volta de Guayaquil. Valber costumava cumprimentar o ex-presidente entoando o tradicional grito de "Casaca", relatam os mais próximos, e era um exímio imitador, inclusive de seu técnico, que não o via fazendo. A reportagem tentou contato com o ex-jogador por vários meios, mas não conseguiu ouvi-lo.

Ainda que ressalte que os grupos do próprio Vasco de 1997, por causa de Edmundo, e de 2000, com Romário, Viola e companhia; e o do Flamengo de 2009 tenham dado mais trabalho, as noitadas em 1998 exigiam um planejamento de Isaías Tinoco. À boca pequena, liberava os jogadores para aproveitar domingo, segunda e terça-feira caso não tivesse partida na quarta, algo semelhante com o que é tolerado atualmente. Só não aceitava que mentissem. Mas houve fugas da concentração, de acordo com o polivalente Vagner.

- O solteiros concentravam na sexta, e os casados, no sábado. Só que vi e soube de muitos que não dormiam no hotel. Por isso é que eu digo: o Isaías era o cara, porque aquele monte de jogador com vaidade não é fácil de aguentar. Era f..., e ele não deixava a bomba explodir. Tinha discussão, muita cobrança... Não passava um dia sem uma coisa para resolver. Mas o ambiente era gostoso, cara. Todos queriam jogar, mas se respeitavam. E resolviam.

Superstição, apoio de Dona Elza e obstinação

Com a chegada da semifinal contra o River Plate, após eliminar o Grêmio nas quartas, a confiança era imensa. Mas do outro lado havia nomes como Burgos, Sorín, Solari, Angel e a fama de bicho-papão da década. Para combater isso, a fé e a superstição de Antônio Lopes e o apoio de Dona Elza foram protagonistas. Desde a temporada anterior, a camisa verde clara de linho e manga comprida não deixava o treinador, que recebia de presente dezenas delas de um torcedor que chefiava uma fábrica de tecido. E sua esposa reunia com frequência as esposas dos atletas e promovia os eventos sociais para agregar ainda mais o elenco na reta final.

- Ela sempre teve um relacionamento excepcional com os jogadores e suas famílias. Fazia reuniões, se envolvia mesmo. Eu acho sadio, porque dava resultado. A Elza ficava sabendo de tudo e conseguia ajudar a contornar alguns problemas - lembra Lopes.

Quando a bola rolava, a sinergia entre os setores do time fluía naturalmente.

- O elenco era muito maduro, muito consciente e focado no que queria. A gente se garantia em campo, era um completando o outro, substituindo à altura. Nada do que acontecia fora era levado para a hora do jogo. A união para ser campeão foi muito grande, principalmente para pegar o River - contou Luizão.

Nesta segunda-feira, não deixe de conferir a terceira e última reportagem da série, com um reencontro especial entre Donizete e Luizão, 15 anos depois. A dupla de ataque do Vasco que pulverizou a desconfiança após a saída de Evair e Edmundo e foi decisiva para o título.

E às 16h, o GLOBOESPORTE.COM vai transmitir a íntegra da finalíssima da competição, contra o Barcelona, em Guayaquil, às 16h, com tempo real e pré-jogo com dois campeões.



Fonte: GloboEsporte.com