Poucos jogadores de sua geração tinham tanto prestígio com treinadores, dirigentes e torcedores. Hábil, ambidestro e com fôlego de sobra, Vagner ajudou a resgatar o estereótipo de jogador polivalente, tão valorizado hoje no futebol. O famoso peladeiro, ao pé da letra do dicionário da bola, como faz questão de admitir. Aos 40 anos, o ex-volante virou empresário, formado em administração de empresas, depois de abandonar os campos precocemente, em 2005, deixando de lado a chance de se tornar "o novo Michel Platini", como chegou a ser comparado. Seu ápice? O melhor time? Evita apontar. Certo é que foi o Vasco de 1998 que lhe deu o principal título e a alegria máxima da carreira, a Taça Libertadores da América.
A reportagem abre uma série especial do GLOBOESPORTE.COM em comemoração aos 15 anos da conquista continental do Cruz-Maltino, data a ser completada na próxima segunda-feira, dia 26 de agosto. Além da história de Vagner, um dos únicos titulares do time de Antônio Lopes que desapareceu do dia a dia da mídia, relembre também onde estão todos os outros 29 jogadores relacionados para a competição e que vestiram a faixa de campeão.
Naqueles tempos, desembarcar em São Januário e receber logo a camisa 10 representava bem o moral de Vagner. O número era de Edmundo na temporada anterior, quando o Animal bateu o recorde de gols da história do Campeonato Brasileiro. Ficou até fora da distribuição inicial, em janeiro. No currículo, a aposta trazia uma passagem de destaque pelo Santos e sem brilho pelo Roma, da Itália, que o emprestou. Aos 24 anos, era a hora de estourar.
Na escalação, porém, não demorou para deixar sua posição original para atuar adiantado, substituindo Ramon e Juninho, que estavam machucados. Em dois meses, o primeiro teste como lateral-direito, um terreno totalmente novo, no lugar de Vitor. O resultado positivo fez com que Lopes o incentivasse a insistir no setor com o trunfo de ir à Seleção, já pensando em seu benefício. De personalidade forte, Vagner respeitava, mas via de outra forma.
- Eu queria ir para a Seleção no meio, mas o Lopes queria que eu tentasse a lateral. Ele disse que eu seria o quinto volante. Por mim, tudo bem, conseguiria a posição, quando me colocasse no segundo tempo. Estava com a cabeça boa, motivado a mostrar para o Roma que iria dar certo. A diferença é que ninguém sabia por onde eu ia sair. Se caísse pela esquerda, batia de esquerda mesmo e fazia o gol. Mas gostava do lado direito, porque pegava a bola, tabelava e ninguém me parava. Uma vez, depois de enfrentar o Palmeiras pelo São Paulo, o Argel (ex-zagueiro) me disse: "Cara, o Felipão te ama. Falou 40 minutos na preleção só de você, como queria que a gente te parasse." Isso é gratificante - comentou.
No fim das contas, lá estava Vagner com a 10 na ala do Vasco nos dois jogos da decisão da Libertadores. Foram seis partidas (três entrando no segundo tempo), nenhum gol e as atuações mais elogiadas no apoio ao ataque com Ramon e Donizete, "para equilibrar", de acordo com o próprio, com o lado esquerdo, fatal com Felipe e Pedrinho.
Apesar das glórias (ainda levou o Carioca de 98 e o Rio-São Paulo de 99), ficou inquieto e quis mudar de ares. Acertou com o São Paulo em 2000, no qual também sagrou-se campeão estadual. Mal sabia, no entanto, que seria seu último grande momento no Brasil, pois os dois joelhos estavam cada vez mais castigados.
- Analiso da seguinte forma: no futebol tem a primeira linha, os tops, e tem a segunda, a terceira... até a quinta linha. Eu fiz parte da segunda linha. Fui titular, respeitado e vitorioso em clubes importantes, mas não era nenhum fenômeno. Sei que não. Só que pouquíssimos chegaram aonde eu cheguei. Então, me sinto realizado, sem frustrações. Até hoje sou lembrado nas ruas. Isso não tem preço.
Infância miserável e exemplo da mãe
As opiniões fortes, a articulação nas palavras e o jeito extrovertido escondiam um passado duro entre Bauru, no interior paulista, no bairro de Ramos, no Rio de Janeiro, e em Londrina, onde passou a maior parte da infância e da adolescência. Abandonado pelo pai (ex-jogador do Londrina e do Noroeste-SP), a quem só conheceu depois de famoso, se apoiou na educação da mãe, dona Maria Aparecida, e na parceria com o irmão, Rubens Alexandre.
- Minha infância era de extrema pobreza. Morávamos com várias famílias num cômodo, sem lugar para tomar banho. Faltava comida muitas vezes, sim. Mas minha mãe era guerreira, nunca exigiu nada do meu pai, pensão, não queria saber. Lutava sozinha e não abria mão dos nossos estudos. Terminei o segundo grau e meu irmão aos 18 anos já estava empregado como digitador. Foi ele que cuidou da minha carreira, nunca tive empresário. Eu era preguiçoso, mas ainda assim atingi um nível que não dava para imaginar com a nossa condição.
O Arapongas foi o primeiro clube a abrigar Vagner, em 1989. Com 16 anos, o Paulista de Jundiaí o encontrou e o tornou profissional. O salto posterior foi para o União São João, em 1993, que debutava na Série A com nomes como o lateral-esquerdo Roberto Carlos (ainda garoto) e Eder Aleixo (veterano) no elenco. Até que o volante bateu de frente com a diretoria por não concordar mais com os cerca de R$ 500 que ganhava em seu segundo contrato.
- Queria algum contrato que me desse uma condição de dar uma casa para minha mãe.
Assim, Vagner sofreu com o desemprego por alguns meses. Foi criticado ao voltar para casa, tratado como um fracassado da bola. Treinou sozinho até quase foi parar no Flamengo. O acordo verbal foi quebrado com a entrada do Santos na parada, que resolveu levá-lo como reforço de emergência em 1995. De um mau início de campeonato ao vice brasileiro, com Giovanni, Jamelli e o filho de Pelé, Edinho, goleiro titular na reta final da campanha.
'Platini' na Itália e imaturidade
Sem nem mesmo se firmar no Brasil, foi vendido para o Roma. Na Itália, o treinador tcheco Zdenek Zeman o comparou ao francês Michel Platini e disse que Vagner seria um dos melhores da Europa em breve. Mas, por ora, o colocaria no banco de reservas. Algo inaceitável para ele. Tornou a se impor e cobrar logo uma mudança na atitude do chefe. Tinha pressa de defender a Seleção, achava que, em 1997, ainda podia jogar a Copa do Mundo de 1998. Hoje, demonstra uma ponta de arrependimento e lamenta a imaturidade.
- Faltou paciência, não queria aquela situação. Faltou humildade mesmo. Vim de uma geração ruim, de quando não era trabalhada a cabeça do jogador na base. Para ser vendido para um clube desse antigamente, tinha que ter passado pela Seleção. E eu não tinha. Fiquei com medo, confuso, não deu muito certo por isso também.
Emprestado para o Vasco, chegou com outra postura e considera que passou a render mais por conta disso. Ainda assim, a personalidade difícil não o deixava baixar a cabeça. Prova disso é que não mede palavras para dizer que o único técnico que não lhe acrescentou em sua trajetória foi Levir Culpi. Segundo revela, o ultimato que ouviu sobre a questão de suas multifunções em campo criou um desentendimento sem volta no Morumbi, em 2000.
- Ele virou para mim e falou: "Você tem que decidir em que posição joga." Não entendi, o cara estava reclamando da minha vontade de ajudar. Na mesma hora virei para o Levir e disse: "Jogo onde você escolher, mas nunca mais peça para eu mudar de posição." Ele me tirou, mas foi obrigado a me colocar de novo quando a situação apertou. Foi demitido pouco depois.
Vagner garantiu jamais ter tido medo do rótulo que ouviu dos críticos.
- Sou peladeiro mesmo, é um estilo que tinha o Valber, no Vasco, por exemplo, que jogava muito. Hoje tem, mas poucos. Eu estava em todas (as posições). Queria poder jogar hoje em dia com essa condição que eu tinha. Isso me ajudou muito, só abriu portas.
Aclamado como craque pela torcida e pela mídia, o ex-volante saiu do país de novo. mas não sem antes se envolver em uma polêmica. O vínculo com o Tricolor Paulista acabara antes da final da Copa do Brasil e não houve acordo para fazer um seguro. O Celta de Vigo, então, o comprou do Roma, quando o São Paulo desistiu de vez do negócio. Na Espanha, teve a regularidade que lhe faltou em outros tempos. Foram quatro temporadas em que marcou dezenas de gols, atuou na Liga dos Campeões, se casou, teve dois filhos e não via limites para o sucesso.
Reserva de Leomar na Seleção frustra
Surgiu a primeira convocação, por Emerson Leão. A Copa das Confederações seria um parâmetro importante para o Mundial seguinte, em 2002. Seria, não fosse a péssima participação do Brasil. O técnico surpreendeu ao levar Leomar (que recentemente foi envolvido em acusação de que sua presença foi por meio de suborno, versão negada pelos membros da comissão técnica e da CBF), um pouco conhecido cão de guarda do Sport, para ser titular na posição de Vagner. A escolha perturbou a cabeça do destaque do Campeonato Espanhol, apesar de rejeitar a versão divulgada na época de que saiu brigado do grupo.
- Sem desmerecer o Leomar, mas para que me levou? Não briguei com ninguém, apenas contestei, algo que sempre fiz. Mas com respeito. Não dava para entender. Dizem que não voltei mais por causa disso. Se foi, OK, não era para ser - conformou-se.
Brilho apagado antes da hora
De tanto frutos colhidos na carreira, o preço físico do alto rendimento começava a bater à porta. Na verdade, Vagner já tinha um histórico de artroscopias nos joelhos, mas o esquerdo doía demais, em 2004. Jogou infiltrado diversas vezes e foi constatado posteriormente que tinha artrose nível 4. Não dava mais para continuar. Mas o volante tinha apenas 30 anos. Decidiu retornar ao Brasil, aborrecido com o tratamento que o clube lhe dava, e aceitou o convite do Atlético-MG antes de pendurar as chuteiras. Três rápidos meses sem efeito.
- Na Europa tem o poder, o glamour, mas do ser humano ninguém quer saber. Eles usam, usam até quando dá. Aqui tem um respeito maior, recuperam e cuidam, melhores profissionais. Fiquei em depressão, minha família é que foi a base para me levantar. Não tomei remédio nem procurei ajuda - disse o ex-atleta, que calcula quase 15 operações nos joelhos.
Com o fim da vida de boleiro, o casamento também ruiu. Vagner não gosta nem de dizer o nome da ex-esposa, que não suportava a ideia de viver no Brasil. O único elo que ambos mantêm é pelos filhos, Alexandre e Uxia, de 10 e 8 anos, respectivamente. Ele vai à Espanha duas vezes por anos para vê-los e sonha em tê-los a seu lado num futuro próximo.
Aposentadoria por invalidez e nível superior
Esclarecido, o ex-volante procurou seus direitos, reuniu laudos médicos nacionais e internacionais para se aposentar por invalidez. Afinal, tinha 31 anos e teve o exercício de sua profissão interrompido por limitações físicas. Recebe uma pensão vitalícia na Espanha, onde se lesionou pela última vez, e luta com uma seguradora brasileira na Justiça para ganhar o mesmo aqui também. Neste meio tempo, voltou a estudar, iniciou o curso de jornalismo, mas formou-se mesmo em administração de empresas. Mexe com construção em Londrina.
Em 2010, Vagner teve sua última experiência com o futebol. Virou diretor do Londrina, que passava pela crise de sua história, ao se unir com o Grupo Universe, que ampliou os problemas do tradicional clube. Quando notou que era roubada, caiu fora. Agora, assegura que só mergulha de novo neste meio se o projeto for sério e valer muito a pena.
- Pensei em dar sequência no futebol. Até falei com Cafu a respeito, perguntei a alguns amigos o que achavam. Saí de mentiroso, mas foi pelo contrário, não quis fazer nada assim. Minha mãe falava: se for trabalhar com futebol, não preciso trabalhar para ninguém. Aproveitam o nome do jogador às vezes para coisas erradas. Então passei a pensar duas vezes. Para largar tudo pelo futebol, precisa valer a pena - avisou.
O maior orgulho e o legado deixado, aponta Vagner, é sua índole como profissional que cumpria horários e se entregava de corpo e alma aos treinos. Alega ter sido citado por Rogério Ceni como um dos jogadores mais corretos com os quais trabalhou e também ter lido que Raí decidiu parar em 2001 porque o companheiro foi embora do São Paulo.
- Eu tinha que vencer na vida, não podia passar em branco, dar bobeira. Fico satisfeito com o reconhecimento. Não houve um treinador que me tomou como mau profissional - disse, satisfeito, a despeito dos obstáculos que apareceram por seu temperamento marcante.
Camelô, pastor, técnicos e empresários no elenco de 1998
Apenas cinco campeões da Libertadores de 1998, como Vagner, ainda estão na ativa: O goleiro Helton, o zagueiro Fabiano Eller, os meias Felipe e Juninho e o atacante Luiz Cláudio, que está sem clube mas foi sondado pelo futebol do Vietnã. Entre as histórias mais curiosas ou dramáticas estão as do lateral-direito Filipe Alvim, que parou de jogar no auge, no Corinthians, em virtude de uma arritmia no coração; do lateral-esquerdo Ronaldo Luiz, que é pastor evangélico; e do volante Fabrício, que chegou a ser preso por comércio pirata em 2011. Abaixo, um resumo das atividades de todo o elenco após a conquista continental.
Neste domingo, não deixe de conferir a segunda reportagem da série comemorativa, com os bastidores da conquista da Libertadores, através de histórias que jamais foram contadas. E, na segunda-feira, um reencontro especial entre Donizete e Luizão, a dupla de ataque do Vasco que pulverizou a desconfiança após a saída de Evair e Edmundo e foi decisiva.
No mesmo dia, o GLOBOESPORTE.COM transmite a íntegra da finalíssima da competição, contra o Barcelona, em Guayaquil, às 16h, com tempo real e pré-jogo com dois campeões.