Calmo e bem resolvido. A simples definição é do diretor executivo de futebol do Vasco, Ricardo Gomes. O tema da entrevista é Santiago Montoya Muñoz, o colombiano de 21 anos que finalmente vive o dia de sua estreia pelo Vasco. O destino quis que fosse na Vila Belmiro, palco onde nasceram para o futebol Pelé, Neymar e tantos outros craques. Campo onde também estreou o grande ídolo vascaíno, Juninho - em 1995, em vitória elástica por 5 a 3 sobre os santistas, que terminariam vice-campeões brasileiros (o Vasco terminou em 20º). Mas nesta noite, às 19h30m, as atenções - ao menos dos vascaínos - vão se voltar para o camisa 20. Um jogador de futebol que até dois anos atrás tinha poucas chances no Atlético Nacional, time colombiano onde atuou por mais de cinco anos.
A culpa da alta expectativa para que a torcida vascaína assista ao hábil colombiano pegar na bola pela primeira vez fica entre os vídeos que os torcedores viram embevecidos no Youtube, passa pelo montante investido - raro num clube que vive crise financeira - num jogador de carreira meteórica (há dois anos não jogava pelos profissionais do Atlético Nacional) e também na longa novela da regularização do colombiano. Em quase dois meses de treinamento, Montoya mostrou o potencial que os vascaínos e a diretoria esperam ver no campo, com retorno do investimento de mais de R$ 3 milhões em curto prazo, transformados em passes, dribles e gols.
Apresentado pelo presidente Roberto Dinamite, Montoya chegou ao Vasco com 1,73 m e 63 kg. Antes de fazer os primeiros treinos, preparadores físicos, fisiologistas e nutricionistas elaboraram um programa para o colombiano ganhar massa muscular. Em menos de dois meses, Montoya já ganhou 1,5 kg com o trabalho de fortalecimento estabelecido pelo clube. A ideia é que ele “cresça” mais 2,5 kg até o fim do ano - O jogador assinou por três temporadas com o Vasco. O trabalho é cuidadoso. O principal é que o jovem colombiano não perca a velocidade do seu jogo, baseado em dribles, toques rápidos e deslocamentos. O quilinho e meio a mais Montoya ganhou com musculação e suplementos alimentares. Todos os dias, ele chega até uma hora e meia antes dos treinos para malhar sozinho.
- Ele vai ganhar essa massa muscular aos poucos. Senão pode perder um pouco de coordenação, o que não queremos. Já dá para notar que está mais forte no ombro, no braço, nas pernas - diz o fisiologista do Vasco, Daniel Gonçalves, que não vê dificuldade do colombiano em enfrentar choque com zagueiros e volantes brasileiros, apesar de ainda ser mais leve. - A característica de jogo dele é de fugir do choque. Ele dá o toque na bola e vai, dá um tapa na bola e vai. Muda de direção muito rápido. E isso ele não pode perder.
Discreto, tranquilo, cabeça boa, sorridente. Os adjetivos para descrever Montoya variam, mas vão no mesmo tom. O jogador de 21 anos amadureceu rápido na vida e no futebol. Viu dentro de casa um talento despontar e não se concretizar. Seu irmão Daniel, hoje com 33 anos, foi do Once Caldas e de muitos outros times colombianos. Mas a vida desregrada acabou por encurtar sua carreira. Hoje, em Medellín, ele apenas torce pelo irmão mais novo ter mais cabeça do que ele. O que não parece difícil, pela diferença de personalidade dos dois.
- Sempre digo para ele não mirar a mim como exemplo. Comecei com 19 anos, gostava de sair, de desfrutar da noite. Hoje, ele tem uma responsabilidade muito grande, joga numa equipe onde já atuou Romário, entre outros. Mas é muito forte mentalmente, sabe o que quer. Creio que não vai ter problema - aposta o irmão Daniel, que hoje trabalha numa importadora de produtos do ramo alimentício.
Dizem que Daniel era o melhor jogador da família. E quem atesta isso é o próprio Santiago Montoya. Do desperdício de talento do irmão, o meia vascaíno aprendeu a seguir o melhor caminho para vencer na carreira, que começou discreta, no Atlético Nacional, e só brilhou ao chegar no All Boys. Do time de jovens da equipe argentina, ele virou logo destaque e foi vendido para o Vasco, apenas oito meses depois de estrear no profissional - foram 26 partidas e dois gols.
- Meu irmão faltou muito com a disciplina, mas falavam que era ele o que tinha mais talento. Faltou ter a cabeça mais forte. Tenho nele um ensinamento, de que é preciso saber se comportar, se alimentar e se cuidar - contou Montoya, em entrevista às vésperas da partida que era esperada sua estreia pelo Vasco, no clássico contra o Fluminense.
A demora na regularização e todo o imbróglio que colocou em lados opostos Vasco e Ferj não respingaram em Montoya. O jogador seguiu se dedicando e treinando bem, mesmo que ficasse fora de coletivos. Viver no Rio, sentir o carinho dos vascaínos - e a ansiedade, somada à cobrança, para chegar logo o dia de sua estreia - e ter um clube à sua disposição era uma situação quase inusitada para quem largou tudo na Colômbia, saiu de perto da família, para “bater de porta em porta” em Buenos Aires, atrás de um clube de futebol.
A irmã de Montoya é casada com um argentino e vive há cinco anos em Buenos Aires. Pouco depois de chegar na cidade, o atual meia vascaíno soube que dois amigos também buscavam uma oportunidade num clube local. Chegou num sábado, fez o teste na segunda e na terça, e na sexta já havia sido aprovado entre mais de 100 jogadores no All Boys. Ele também tentara o Argentinos Juniors, mas precisaria continuar em testes e então preferiu o All Boys.
No pequeno time argentino, Montoya conheceu Carlos Girardengo. Coordenador da base, o treinador se impressionou com o colombiano.
- Jogou apenas 30 minutos e percebi que se tratava de um jogador de nível internacional. Resolvia todas as bolas que chegavam nele. Além da condição técnica, também me chamou a atenção a verticalidade: jogava sempre para cima - conta Girardengo, que hoje trabalha no futebol chileno.
O primeiro treinador de Montoya no All Boys se recorda da evolução de Montoya em pouquíssimo tempo. Se em um dia mal jogava na Colômbia, o que o motivou a tentar a sorte na Argentina, no outro dia ele jogava na Bombonera contra o Boca Juniors e era capaz de desequilibrar a partida.
- Santiago (como o chama) sempre teve um objetivo muito claro de triunfar no futebol. É uma fortaleza - diz o ex-treinador.
Um dos agentes responsáveis por trazer Montoya para o Vasco, Fabio Brito, esteve observando o colombiano antes de encaminhar a proposta vascaína para retirá-lo do All Bos para o Rio de Janeiro. A partida contra o Boca Juniors o impressionou. O ex-time de Montoya venceu por 2 a 0, com participação decisiva do atual meia vascaíno.
- Ele foi o melhor em campo contra o Boca. E você, desconhecido como era, pegar o time do Boca e bagunçar do jeito que ele bagunçou não é fácil. Vimos que ele tinha qualidade e personalidade. Era o principal jogador do All Boys em todos os jogos, disparado - conta Brito, que conversava com Montoya todos os dias até ele finalmente ser regularizado.
- Ele ficou ansioso demais, todo dia ligava para saber. E me disse ontem (terça), 'a minha gana de jogar é muito grande, eu vou me superar'. Ele tem muita ambição. Tem tudo para ser o craque do time do Vasco, fora o Juninho, claro.
É o que também esperam os vascaínos. O diretor executivo de futebol Ricardo Gomes, além do óbvio (“ele é muito habilidoso”), diz que a personalidade é uma aliada de Montoya para aparecer bem nos gramados brasileiros.
- Ele é calmo e bem resolvido. Claro que temos que ver no jogo, mas é um talento indiscutível. Há quem se abata rapidamente e quem não sinta muito a diferença. Vamos ver - diz Ricardo.
Fonte: GloboEsporte.com