O Vasco, comprova a história, nasceu para ser pioneiro. Em um país onde ainda hoje se discute sistema de cotas para reparar erros históricos, o Gigante, há 90 anos, já era um combativo militante contra o preconceito racial e social. Até o início da década de 1920, o futebol, jogado apenas por uma elite retrógrada e preconceituosa, era exclusivamente branco. No Brasil, que conhecia a abolição da escravatura havia apenas pouco mais de três décadas, o Vasco surgia, ao aceitar em seu time negros e trabalhadores humildes, como alternativa ao preconceito vigente. Contrariando a tudo e a todos, o Gigante desbancara os ditos clubes de bacanas da Zonal Sul. Os Camisas Negras, como aquele time era chamado, conquistou, no dia 12 de Agosto de 1923, o primeiro título do Campeonato Carioca par o clube, logo em sua primeira participação na elite do futebol da cidade. Nascia, assim, mais um militante na árdua luta por uma sociedade mais justa e igualitária. O Club de Regatas Vasco da Gama deixava claro, a partir de então, que optara pelo povo. E jamais abriria mão dele.
Personagem de suma importância na crônica esportiva nacional, Mário Filho escreveu “O Negro no Futebol Brasileiro”, obra fundamental para se entender como ocorreu a transformação deste esporte de elite em paixão de um país inteiro. Em trechos do livro, o jornalista deixa claro que o título carioca conquistado pelo Vasco, em 1923, mais do que celebrar a comunhão entre classes e raças distintas, mudaria, de uma vez por todas, a condição de negros e humildes no futebol. De renegados e humilhados, eles passaram, com a inestimável ajuda do Vasco, a personagens principais.
- A ilusão durou pouco. Os clubes finos, de sociedade, estavam diante de um fato consumado. Era uma verdadeira revolução que se operava no futebol brasileiro (...) Os outros clubes achando que aquilo precisava acabar. Tornou-se quase uma questão nacional derrotar o Vasco – abordava Mário Filho, em dois trechos do livro.
Vice-presidente de Relações Especializadas do Vasco, João Ernesto da Costa Ferreira, responsável pelo Centro de Memória do clube, também recorre a Mário Filho para explicar a importância da conquista de 1923. João Ernesto lembra a passagem de “O Negro no Futebol Brasileiro”, onde o jornalista, irmão de Nelson Rodrigues, destaca a importância do Vasco na mudança de cenário no futebol brasileiro.
- O futebol tem dois grandes divisores de água. O título sul-americano, da seleção brasileira, em 1919, e o primeiro título carioca do Vasco, em 1923. E quem disse isso foi Mário Filho, que nem vascaíno era. A gente do Vasco mudou o modo de acompanhar futebol. Os estádios eram tomados de assalto pela nossa torcida, para ver aquela equipe, formada por negros e trabalhadores humildes, que conquistou o campeonato de forma avassaladora. Por isso, neste dia 12 de agosto, toda honra e glória aos campeões de 1923 – celebrou João Ernesto.
Presidente do clube, maior artilheiro do Campeonato Brasileiro e ídolo da torcida, Roberto Dinamite também se une ao vice de Relações Especializadas, nas homenagens aos Camisas Negras. Para Dinamite, mais do que o primeiro título do clube, no futebol, a conquista de 1923 representa uma opção política. O Vasco mostrava à sociedade de que lado se posicionaria.
- Além de espetacular no aspecto desportivo (foram 12 vitórias, um empate e apenas uma derrota), os Camisas Negras representaram muito para o futebol brasileiro. Com este time, formado por negros e humildes trabalhadores, mostramos que não há espaço para preconceito no esporte. Isso é que é o mais importante. Não que a conquista não tenha importância, mas a contribuição histórica dela foi muito mais significativa – comentou Dinamite.
Noventa anos depois, o Club de Regatas Vasco da Gama ainda vibra com esta conquista e homenageia seus herois. Em São Januário, não há nem um vascaíno sequer que a esqueça. E nem mesmo as futuras gerações a esquecerão. Afinal de contas, para quem tem Camisas Negras e toda essa história para contar, todo dia é dia de festa!