A humilhante goleada de 8 a 0 sofrida pelo Santos no amistoso contra o Barcelona bateu fundo em Dorival Júnior. Não apenas pelo fato de o técnico ainda ter amigos no clube paulista, de onde saiu em 2010 após polêmica envolvendo Neymar. Hoje no comando do Vasco, que enfrenta o Coritiba, às 16h, no Couto Pereira, o técnico acredita que o resultado expôs o péssimo momento vivido pelo futebol brasileiro que, segundo ele, carece de líderes em campo e retrocedeu nas partes técnica e tática.
Quando Juninho e Guiñazu chegaram, você destacou o comprometimento dos dois. Isso está em falta?
Eu vejo que estamos com uma carência muito grande nesse sentido. Poucos jogadores têm o perfil de agregar, da liderança positiva. Esse é o diferencial de um ou outro grupo vencedor. Esse tipo de liderança está em falta. Felizmente, no Vasco, está sendo o contrário, mas caímos demais neste quesito no futebol brasileiro.
Isso explica a queda nos resultados do futebol brasileiro?
Disciplinarmente, caímos muito. Criamos conceitos errados e isso vem de alguns anos. Nunca tivemos uma formação, nossa categoria de base nunca soube explorar o máximo de cada atleta. O jogador aparece e cresce por si só. Se falarmos isso em nível de Europa, eles com certeza têm tido as melhores equipes, tanto técnica, quanto taticamente. Porque desenvolvem trabalhos. Aqui ficamos sempre à mercê de um resultado ou outro. Não sei por que os contratos dos treinadores são anuais. Não há necessidade. O contrato do treinador no Brasil é semanal. A própria postura dos treinadores contribuiu para isso. Não somos unidos, não somos amigos, não nos aproximamos das categorias de base e isso tudo somado fez com que tenhamos chegado quase ao fundo do poço. A vitória na Copa das Confederações deu uma animada, mas, no geral, o futebol brasileiro é devedor ao extremo.
A goleada de 8 a 0 que o Santos sofreu do Barcelona se enquadra nisso?
Aquilo chocou muito. Não tenho dúvida, é reflexo do momento do nosso futebol. Não adianta, todos somos culpados. Diretores, treinadores, atletas profissionais, imprensa. Devemos parar um pouco e pensar. Criamos no Brasil a cultura da crítica. Até mesmo quando um campeão, como Anderson Silva, de repente tem uma luta em que as coisas não acontecem... Se tivesse vencido, seria um gênio. De repente, por fazer o que sempre fez ao longo de sua carreira, e ter levado um nocaute, foi criticado ao extremo. As cobranças são muito grandes. Não se trabalha o futebol, tudo se resume a resultados. Estamos vivendo isso durante muitos anos e, infelizmente, agora estamos pagando o preço.
Você se arrepende de algo no episódio com o Neymar em 2010 (Foi demitido do Santos após afastar o jogador, que tinha se insubordinado após Dorival não deixá-lo bater um pênalti)?
Não faria nada diferente do que fiz. Acho que aquilo foi importante para mim, como profissional, e também para o Neymar. Ele já tinha corrigido o que fez no vestiário, pedindo desculpas. Mas eu não deixaria de puni-lo perante os jogadores. Se não, amanhã, eu cobraria a postura de outro atleta, que não iria me respeitar. As pessoas têm de ser responsáveis por seus atos. Errou, tem de ser punido. A diretoria não entendeu assim. Ela não me autorizou a puni-lo tecnicamente. Não aceitei. Acho que aquele fato foi fundamental para o Neymar se tornar o profissional que é hoje.
Quanto ao Flamengo, lamenta a forma como foi demitido?
Nunca saberei de fato o que aconteceu. Eu criei todas as situações possíveis para que eu pudesse continuar no Flamengo. Eu havia iniciado um trabalho lá, estávamos criando uma identidade no Flamengo. Sinto que poderia ter terminado o trabalho, pelo menos até o fim do meu contrato. Com certeza, teríamos deixado também coisas boas lá. Minha saída foi voltada para o lado financeiro, mas depois isso alterado na sequência. Eu tinha um contrato com o clube e os valores são questionáveis. O que importa é o trabalho. O treinador pode ter uma remuneração pequena e não gerar nada para o clube e outro pode ter uma remuneração alta e se pagar. Graças a Deus, são dez anos de carreira e deixamos praticamente um titulo em cada um. Sair de um clube e deixá-lo pelo menos 20% melhor é uma obrigação.
Falando de Vasco, imaginava recepção tão boa da torcida, após trabalhar no Flamengo?
Poucos treinadores no Brasil tiveram a chance de sair de um clube como o Flamengo e dois, três meses depois, estar retornando a um grande clube como o Vasco, da mesma cidade, rival direto. É muito difícil satisfazer clubes tão tradicionais. Isso para mim tem um preço muito maior do que qualquer outra coisa.
Se pudesse puxar algo de bom daquele time da Série B de 2009 para o atual, o que seria?
Um jogador que foi muito importante foi o Carlos Alberto. Foi o capitão da equipe, puxou a responsabilidade naquele momento, foi importantíssimo para o clube. É difícil dizer se eu pediria pela renovação do contrato dele porque não sei tudo que aconteceu. Mas eu gosto muito dele, ele sabe disso.
Qual foi o sentimento por não ter seguido no Vasco depois de subir com o time para a Série A?
Fiquei frustrado. Cria-se um vínculo com as equipes e eu senti que ainda não tinha finalizado aquele trabalho. Em 2009, entramos em contato com muitos jogadores e poucos quiseram vir para o Vasco, pelo momento do clube, pelo fato de disputar a Segunda Divisão. Foi muito complicado para montar aquele elenco, um elenco que depois criou uma identidade e que só não foi finalista da Copa do Brasil por causa da interferência da arbitragem (naquele ano, o Vasco foi eliminado pelo Corinthians em jogo com pênalti não marcado ao seu favor).
Viu algo diferente no Vasco de 2009 para cá? Onde espera chegar na carreira ao retornar?
Poucas mudanças ocorreram desde minha primeira passagem, sou bem sincero. Quanto à minha carreira, estou muito feliz com ela. Gostaria que essa minha passagem mexesse com a vida do clube, isso sim. Gostaria que o Vasco se reestruturasse de uma vez por todas, que alcançasse desta vez um novo patamar, uma nova situação no futebol brasileiro. Que mude essa concepção de montar um time e perdê-lo ao fim de uma competição.
Fonte: Extra Online