Vascaíno assumido, Roberto viveu em São Januário o ápice na carreira. Durante três anos, alternou entre a titularidade e a reserva e achou que havia pavimentado seu futuro no futebol. Nesta quinta-feira, porém, o goleiro volta a jogar diante da torcida que o tratou com carinho cheio de histórias que misturam revolta, desilusão e uma dose de aprendizado após encarar o desemprego, a várzea na Série B do Rio e ter de se oferecer para defender a Ponte Preta.
O calvário durou desde a queda do Vasco para a Série B, no fim de 2008, até a temporada passada, quando agarrou uma oportunidade no Ituano no Paulistão que o alçou de volta à elite. No período, Roberto, que jamais trabalhou com um empresário, aproveitou para terminar a faculdade de educação física e, num piscar de olhos, não tinha mais mercado.
- Saí do Vasco achando que dava para pegar um time grande ou médio. Esperei, passou um tempo e quando vi estava desempregado. Tive sondagens para sair do país, mas preferi me formar para não jubilar (perder o direito de cursar), já que devia algumas cadeiras (matérias) há um tempo. O futebol está podre, é uma panela desgraçada. Se não estiver fechado com "os caras", não entra. Vários clubes são de empresários - lamentou o goleiro.
Sob o comando de Romário, com quem jogou no Cruz-Maltino, o América o acolheu no segundo semestre de 2009. O projeto era interessante e contou com amplo espaço na mídia, já que o Baixinho literalmente vestiu a camisa e entrou em campo no fim da campanha que tirou o clube da Segundona carioca. Só que nem tudo foram flores: os campos ruins levaram Roberto uma realidade com a qual ainda não tivera contato, mesmo aos 30 anos de idade.
- No Giulite Coutinho (estádio do América) era tranquilo, boa estrutura, mas cheguei nos primeiros jogos fora de casa e era f... de ver. Só tinha os guerreiros do América na torcida. Pensava: olha aonde eu estava ainda agora e onde estou agora agora. Teve um que o campo era do lado de um cemitério e tinha um velório acontecendo. Imagina se acerta a bola lá? Só ficava tentando imaginar que estava no Maraca lotado (risos). Era uma viagem na minha cabeça para motivar. Mas me ajudou a dar mais valor a isso que eu vivo hoje - admitiu.
Sensação de ídolo no 1º reencontro
Os contatos pessoais em Portugal, onde havia jogado entre 2002 e 2004, ajudaram a levá-lo de volta ao pequeno Moreirense, da Segunda Divisão local. Ficou pouco tempo e tornou a desembarcar no América para a Copa Rio de 2011, sem largar a esperança de brilhar. À essa altura, já havia tido seu primeiro reencontro com o Vasco, no Engenhão, no estadual de 2010. A data foi marcante, pois comprovou que o torcedor não o havia esquecido. Melhor: o apoio o fez sentir-se um ídolo.
- Gritaram o nome dos 11 jogadores do Vasco e depois o meu. Aquilo me marcou muito, demais mesmo, cara. Fui muito bem recebido. Quem imaginaria que o goleiro do América teria isso? Lembraram da minha entrega, do que passamos juntos. Não sei como vai ser desta vez, não quero esperar nada, nem acho que mereço. Até porque não ganhei título com a camisa do Vasco, só fomos vice da Copa do Brasil. Quando pisar de novo em São Januário, vai ser especial, vivi grandes momentos, mas agora sou adversário. Vou fazer meu trabalho. Não vou ser o primeiro nessa situação - frisou.
Roberto, no entanto, ainda guarda a amargura por acreditar que foi vítima em meio às más fases na Colina, ainda que não deixe de citar nominalmente vários daqueles que estiveram a seu lado.
- Tem as pessoas que me ajudaram ali, muita gente legal de rever, como a rouparia, os fisioterapeutas. Miltinho, Carlão... O Carlos Germano me ajudou muito. Ser treinado por um cara como ele, que teve o maior carinho. Esse lado bom é uma coisa, mas tem o outro, já que muitas pessoas me sacanearam também. Várias coisas negativas lá dentro me prejudicaram, acabei tomando um rumo diferente, mas consegui apagar isso e seguir em frente - comentou o goleiro, em referência a barrações que não compreende e ao jogo de influência.
Estilo vibrante e chegada por fita VHS
Não foi só a importante participação na fuga do rebaixamento de 2005 que assegurou respeito ao camisa 1. Numa mescla entre sua veia de torcedor e seu estilo vibrante, contagiava os vascaínos. Como um jogador de futsal, Roberto saltava e berrava a cada defesa, principalmente em São Januário. Não por acaso, saía ovacionado a cada ponto conquistado naquele tenebroso Brasileirão. Por outro lado, ele lembra que das críticas que ouvia pelas atitudes que julga espontâneas.
- Sempre vibrei, nunca mudei meu estilo de jogar. Hoje em dia o cara está mais experiente, mas é a vida. Cada vez que entro em campo fico mais empolgado. Foi difícil para caramba voltar a esse nível. Algumas pessoas falam bobagens, porque gostam do normal, dos que andam sempre na mesma linha e diziam que eu estava errado. Não ia sair fora das minhas características. Peguei o pênalti do Fred no domingo e vibrei muito mesmo. Quando eu parar, não vou poder mais. Vou ter que ver outro vibrando pela TV - justificou.
A chegada ao Vasco, aliás, foi inusitada. Digna das confusões do século passado, quando o acesso à internet era limitado. E provoca risada até hoje em Roberto, que garante que o então presidente Eurico Miranda contratou, antes, o goleiro errado. Sim, em janeiro de 2005 Fabiano, ex-Criciúma, assinou contrato. Nas chances que teve, decepcionou. Até que, em julho, uma fita VHS misteriosa apareceu no clube cruz-maltino com sua indicação.
- Juro que não sei quem enviou a fita. Não tinha empresário. Deve ter sido alguém que queria negociar com o Vasco. Enfim, só sei que o Jair Bragança (antigo preparador de goleiros e atual dirigente da base) me perguntou: "você não é o goleiro que jogou em Portugal e estava no Criciúma?" Respondi que sim, aí ele disse: "agora trouxemos o goleiro certo". Cresci com o Fabiano na base do Criciúma, mas parece que houve esse erro. E na época eles queriam mais o Luciano (zagueiro) e o Fernandinho (meia). Eu vim de bucha e deu certo! - diverte-se, destacando o pacote de contratações pouco conhecidas que a diretoria trouxe do Sul.
Correm dois processos trabalhistas na Justiça contra o Vasco. Segundo Roberto, um acordo proposto tempos depois, já pela administração de Roberto Dinamite, reduzia a dívida para cerca de 8% dos salários e direito de imagem atrasados. Não foi aceito.
- Tenho paciência. Nunca fui de queimar dinheiro, então estou bem, mesmo quando não jogava. Nunca tive luxo, mas não passei dificuldade. O que me faltava era ver um time da Série A jogando e não poder mais estar lá. Agora, me sinto realizado - explica.
Mas para atingir o patamar de cinco anos atrás a reta final do caminho também trouxe espinhos. O goleiro prefere não dizer o nome, mas conta que um clube o procurou para fazer sombra a um jovem titular que surgia, mas desistiu sob a alegação de que Roberto era "muito bom" e colocaria muita pressão. Então, pegou o telefone para pedir que Gilson Kleina, hoje no Palmeiras, o levasse para a Macaca, que estava atrás de um reforço para a posição.
- Cheguei na Ponte pedindo, na moral mesmo, para me ajudarem. Sei que fui bem no Ituano, até num jogo contra eles, e reconheceram isso. Abriram as portas, esperei minha chance e consegui. Essa volta para a Série A foi sofrida, só eu sei a tristeza que passei com a minha família. Minha esposa era a mais revoltada com o futebol. Não ter quem confiasse para jogar e não ter sido contratado porque era bom era demais para mim - recorda-se Roberto, casado com Mônica há cinco anos e pai de Manuela, de três anos.